Por Palmério Dória
Na minha época, na Globo, todos nós comíamos Vera Fischer… com os olhos. Em todas as ilhas de TV, alguém estava fazendo, em algum momento, uma cópia do vídeo que pirou a emissora:
Completamente fora do script, Vera Fischer livra-se da toalha. Marcos Paulo se retrai quando ela lhe dá um amasso, au naturel. Perplexidade, pânico e deslumbramento.
Com Marcos Paulo fora de combate, Vera Fischer começa a dançar no estúdio como se fosse uma bailarina do Momix. Gira, gira, gira. As câmeras ali ligadas, ela em plena vertigem.
De repente, joga-se num sofá, os joelhos separados. E a câmera fecha ali, na prochaska. Nesse momento volta a si, fecha as pernas, os olhos arregalados.
A partir daquele momento, inaugura-se um novo comércio na Globo. O Projac ainda não existia. A produção e o jornalismo conviviam na Von Martius, no Jardim Botânico. E não havia sala em que não estivesse circulando uma cópia do VT. Era um ibope maior que o do Fantástico.
Play, roda VT, congela na prochaska. Alguns VTs já estavam amarelados de tanto uso, nas salas dos altos executivos da Vênus Platinada, nas ilhas de edição.
Reuniões ou festas nas casas de funcionários da Globo eram interrompidas para uma exibição especial. O “Vale a Pena Ver de Novo” era de manhã, de tarde, de noite.
Nunca uma prochaska foi tão requisitada em toda a história da televisão. Desde a maconha da lata não pintava nada tão estimulante para os sentidos em todo o Rio.
Mas, assim como a maconha da lata, também de repente, não mais que de repente, os vídeos de Vera Fischer, que se multiplicavam mais que os shimus das histórias de Ferdinando, sumiram de circulação.
Não foi o caso de Vera Fischer, uma atriz à prova de escândalo. Um episódio como esse, que poderia avacalhar a vida de qualquer estrela, nem chamuscou a nossa deusa pré-Madonna. Ao contrário. Mito é mito.
Muitos anos depois, Vera continuava aprontando. Alucinada e baratinada, dava voltas em torno de si mesma na piscina de uma mansão no Jardim Botânico, onde a Coca-Cola promovia a noite de lançamento do Festival de Parintins.
Eu estava no grupo que organizou uma operação tira-a-Vera-desse-lugar-antes-que-ela-caia-n’água. A força-tarefa ia levá-la para o cinematográfico apartamento do empresário Zico Rodrigues e da socialite Ruh Sabbá, em São Conrado.
Na saída do animado grupo, a socialite Narcisa Tamborindeguy, também pra lá de Bagdá, me pegou pelo braço e ordenou:
– Você vai comigo!
Não me fiz de rogado. A gente se conhecia de um réveillon no apartamento dela no edifício Chopin. E, diante do estado de ambos, tudo era possível. Até nada.
No banco de trás do carro, com um garotão impassível ao volante, a situação parecia promissora e animadora. Mal deslizamos pelas ruas do Jardim Botânico, uma dama de preto se colocou na frente do carro, deu a volta pelo lado de Narcisa, abriu a porta e disse, peremptória:
– Você não vai pra lugar nenhum. Está completamente bêbada.
Era a irmã de Narcisa, deputada Alice Tamborindeguy. Ainda tentei argumentar ali no interior do carro que ela estava em perfeitas condições. Mas a deputada não me deu ouvido, continuou puxando Narcisa pelas mãos para fora.
Por cima do ombro, com a voz engrolada, ela mandou o motorista me deixar onde eu quisesse.
Emburrado, resolvi não ir mais para o apartamento de Zico, onde rolou a seguinte cena:
Vera Fischer sobe numa espécie de baú, levanta o vestido, baixa a calcinha e diz para empresário da noite Zeca Priolli, sócio do Canecão:
– Você acha que vai comer a minha xoxota, velho babaca?
O número se repete pelo menos três vezes durante o resto da noite e o começo da manhã, de frente para o Atlântico.
Detalhe: Zeca Priolli, tremendo boa-praça e – principalmente – marido de Fátima, uma das mais pelas mulheres do Rio, não é velho nem tampouco babaca. Babaca sou eu, que perdi esse espetáculo.
Bem, pior é ver certos espetáculos, como você vai ver. A boate People (ou Pê-i-pê-ol, Pipol!, como diria a Elba Ramalho) estava no auge.
Uma noite sim, outra também, eu ia bater ponto ali, às vezes na companhia de Ivanzinho Chagas Freitas, que tinha um apartamento charmoso bem na frente, onde a gente podia se abastecer de tudo antes e depois dos folguedos.
Nossa situação era privilegiada. Ninguém precisava cheirar nos fétidos e concorridos banheiros da boate.
Se não desse no apê do Ivanzinho, a gente ia para o duplex que a minha amiga Maria Thereza Goulart me emprestava, também à mão, na Praça Antero de Quental, quando viajava para Punta del Este – claro que a primeira-dama que o Brasil consagrou, avessa a qualquer tipo de drogas, jamais suspeitou disso.
Previdente, antes de ir para a boate, esticava umas cinco fileiras em cima de uma ampla mesa de vidro, porque o barato era sair do People para dar um tiro com os amigos ou uma paquera e voltar de bate-pronto à zoeira.
O Ivanzinho tomava a mesma providência de utilidade pública lá no apartamento dele.
Assim, estávamos devidamente preparados para o sensacional desembarque de Odile Rubirosa Marinho em nossa mesa, que só não foi mais surpreendente porque era velha amiga de Ivanzinho, adorada e idolatrada por tout le Rio.
Chegou vestida como o marine que a acompanhava – camiseta regata, short cavado e tênis. Após algumas cabriolagens no salão, avistou Ivanzinho e deixou pastando o marine com a cara do Fred Mercury.
Bigodudo por bigodudo, Odile era mais o Ivanzinho, à época, meados dos anos 80, repórter da Rádio Manchete.
Na mesa, a Bela Feiticeira jogava charme à distância, mas a partida parecia tecnicamente empatada para os dois, eu e Ivan.
Como o apê dele era bem na frente, ao lado do histórico Antonio’s, que começava a se tornar o mausoléu do bêbado desconhecido, resolvemos que íamos iniciar os trabalhos de fuzileiros nasais ali.
Após os primeiros tiros, acreditei que o jogo estava a meu favor, mas – azar dos azares – me deu uma tremenda dor de barriga, corri pro banheiro, dei uma tremenda cagada e, ao voltar, deparei com Ivanzinho transando com a formosa Odile.
Só me restou sair de fininho.