Musicoterapia

Galeria dos Bambas: Blecaute

Postado por Simão Pessoa

Até criar a imagem caricata do “General da Banda”, título do seu maior sucesso musical, e alegrar os carnavais da Avenida Presidente Vargas, nos idos de 1950, com o uniforme cheio de alamares e dragonas, Blecaute teve que vencer muitas batalhas. A primeira, para se adaptar a um país em violenta transição sociopolítica, depois, a pessoal, para ser aceito e se inserir nas mudanças.

Otávio Henrique de Oliveira, o futuro Blecaute, compositor e cantor de porte nobre, sorriso largo e cabelo alisado nasceu em São Paulo, no dia 5 de dezembro de 1919, ficou órfão aos seis anos e cresceu como todo menino negro da época: o aprendizado na rua substituía a escolaridade formal. Foi engraxate, vendedor de jornal, aprendiz de mecânico e frentista, atividades que deram visão crítica e o prepararam para a vida.

A música nasceu nos contatos com a boêmia, nas gafieiras paulistas. Ele iniciou carreira de cantor na Rádio Difusora de São Paulo e, aceitando a sugestão de Ariovaldo Pires, conhecido como “Capitão Furtado”, de grande influência no mercado de rádio da terra da garoa, Otávio Henrique passou a ser conhecido como Blecaute.

O apelido “Blecaute” era uma forma abrasileirada da expressão inglesa “black out”, ou seja, “apagão”, “falta de luz”, “escuridão total”, por aí. O nome aproveitava o mote da severa economia de luz durante a Segunda Guerra Mundial. Sim, era uma provocação racista que ele encarava com naturalidade.

Dicção perfeitamente clara, empático, sorridente e sambista autêntico, Blecaute veio para o Rio de Janeiro em 1942 contratado da Rádio Tamoio, onde logo se destacaria para em seguida ser contratado da Rádio Nacional.

Blecaute assinou com a Nacional em 1° de julho de 1947 e saiu em 30 de junho de 1973.

Na Nacional, fazendo parte do Programa César de Alencar, Blecaute tornou-se popularíssimo, lançando sambas de sua autoria e de outros compositores, sempre participando de toda a programação musical da antiga PRE-8.

Em 1950, sua voz enquadrou-se perfeitamente na marcha de Roberto Martins e Wilson Batista intitulada “Pedreiro Waldemar”, composição de forte cunho social e crítica de costumes, o chamado “samba de protesto”, uma das primeiras deste gênero, comentada até hoje.

Quem não se lembra? “Você conhece o pedreiro Waldemar? / Não conhece. / Mas eu vou lhe apresentar. / De madrugada toma o trem da Circular. / Faz tanta casa e não tem casa pra morar.”

Blecaute teve seu nome perpetuado pela imprensa como o “General da Banda” logo após gravar samba com este nome, de Satyro de Mello, Tancredo Silva e José Alcides, composição que “estouraria” naquele carnaval, o mesmo em que fazia sucesso o ‘pedreiro fazia casa e não tinha casa pra morar’.

Durante o período natalino, desfilava pelas ruas do Rio de Janeiro, fantasiado de “fardado” general, ao lado dos meninos da Casa do Pequeno Jornaleiro. Quando criança, o menino Otávio bem cedo enfrentou a orfandade e por isso compreendia bem as tristezas que a meninada experimentava sem seus pais neste dia especial.

Para esta data, Blecaute compôs e lançou uma canção denominada “Natal das Crianças” que, junto a “Boas Festas”, de Assis Valente, na voz de Carlos Galhardo, tornar-se-iam duas das mais cantadas no dia do nascimento do Menino Jesus!

No Carnaval, Blecaute era o destacado oficial carnavalesco que levava alegria para o povo brasileiro por meio de suas gravações.

Sucessos como “Que samba bom”, “Dona Cegonha”, “Maria Candelária”, “Maria Escandalosa”, “Papai Adão”, “Rei Zulu” e muitas outras. Gravou um LP incrível, cantando músicas latinas, que curiosamente tornou-se um disco raro no mundo fonográfico.

Participou com sucesso no ano de 1958 do show “Carnavália”, de Paulo Afonso Grisoli e Sidney Muller no Teatro Casa Grande, ao lado de Marlene, Nuno Roland e Eneida, uma admirável cronista paraense que conhecia a história do carnaval brasileiro como ninguém.

Blecaute teve rápida passagem pela televisão no ano de 1962, participando dos programas produzidos por Péricles do Amaral na TV Rio, ao lado de Gasolina, Tião Macalé, Monsueto Meneses entre tantos cantores e atores do extinto canal 13.

Vestia-se com muito apuro e gastava suas energias na Lapa noturna ao lado de Geraldo Pereira, Wilson Baptista e outros bambas, iniciando a canseira que se instalou em seu coração e que o fez baquear no dia 9 de fevereiro de 1983.

Sua imagem é vista vez por outra na televisão quando se trata de filmes da Atlântida onde aparece com sua simpatia lançando os sucessos para a festa do Rei Momo.

Parceiro em composições de nomes como grande Otelo, Newton Teixeira, Haroldo Lobo e Herivelto Martins, Blecaute, ou melhor, o “General da Banda”, ou ainda “Monsieur Blecaute”, como o chamava o radialista César de Alencar, morreu em 1983, aos 64 anos.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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