Programa Rouanet Norte

CAPÍTULO 6 – Tatá Jatobá

A radiante cantora Tatá Jatobá, uma das novas vozes da black music manauara
Postado por Simão Pessoa

Por se tratarem de textos longos que só cabem num livro físico, optamos por destrinchar o Capítulo 6 (“As Vozes Femininas da Nação Cabocrioula”) em várias partes, para poder caber nessa plataforma digital. So sorry.

Tatá Jatobá, a semente que germinou do Grupo Tariri

“Experiência política em forma de música”. É assim que é descrita a banda de rock Grupo Tariri, que fez sucesso em Manaus no final dos anos 70 e início dos anos 80, com sua mistura de sons regionais, pop rock, rock sinfônico e luta pelas causas sociais. Diante da ausência de registros audiovisuais do grupo, mesmo diante da sua importância em defesa da Amazônia, a cantora e sambista Tayra Jatobá, a “Tatá”, resolveu tirar da gaveta o projeto “Com Tayra e Tariri”, onde faz uma releitura das principais canções do conjunto. O álbum foi gravado na Pousada Cirandeira Bela, em Manacapuru.

Filha de dois fundadores da banda – o flautista Alfredo Jatobá e a vocalista Jane Jatobá –, Tatá Jatobá recorda que o Grupo Tariri surgiu do encontro de estudantes de música, que faziam questão de discutir sobre o extermínio da fauna e da flora e a poluição dos rios e igarapés, bem como sobre a internacionalização da Amazônia e a saga pela preservação dos povos indígenas. De acordo com ela, apesar de serem um marco de luta na história local, cantando temas ainda atuais com força e beleza, há poucos registros do trabalho musical do grupo.

– Eu tive a sorte e o privilégio de nascer e crescer entre eles. Então hoje, depois de anos imaginando, planejando, pesquisando e ouvindo histórias, resolvi apresentar o meu olhar sobre a obra dessa banda vanguardista e progressista, que até hoje nos emociona – explica.

Além da cantora e sambista Tatá Jatobá, o projeto “Com Tayra e Tariri” contou com a direção artística de Antônio Bahia, a direção musical de Arlen Barbosa, a produção de Otávio Oliveira e a cenografia e figurino de Sisi Rolim. Já a performance musical foi feita em parceria com Romulo Augusto (violão), Mauro Lima (baixo), Arlen Barbosa (charango), Gabriel Lima (violino) e João Paulo (percussão).

O Grupo Tariri ficou conhecido por percorrer a capital amazonense fazendo shows gratuitos, sem apoio financeiro de entidades ou empresas, tendo como gancho discussões sobre o meio ambiente e as causas indígenas. Além de Alfredo e Jane, a banda – que misturava o rock com a musicalidade e os temas da região – contou com outros membros ao longo de seus pouco mais de cinco anos de existência: Carlos Eugênio, Natacha Fink, Félix Fink, Nildete Amaral, Ronaldo Medina (“Bob”), Adalberto Holanda, Danilo Benarrós, Pedrinho Dantas, Aloysio Neves, Regina Melo, Ronaldo Uchôa, Elson Jonhson, Elson Camarron e Claudinha Alves. No repertório, não podia faltar engajamento social, cravando a importância do grupo para o cenário musical do Amazonas e a necessidade de um registro.

De acordo com o produtor Otávio Oliveira, o Grupo Tariri não deixou nenhum material de áudio oficial e muito menos visual, por isso, Tatá Jatobá decidiu gravar as principais canções. Com o projeto “Com Tayra e Tariri”, as faixas musicais “Codajás, “Latinizada”, “Caminhos De Rio”, “Caracóis”, “Se Você Soubesse”, “Biônico”, “Para Os Olhos De Quem Quiser”, “Sanhaçu”, “Tututu”, “Olho De Peixe”, “Pirarublues” e a icônica “América” – que tem como trecho “Manchas negras nos rios / Sangra a terra de dor / Todos eles mortos de passo lento / Braços cansados / Sem terra e sem voz” – finalmente ficarão eternizadas na história da música amazonense.

Com 20 anos de carreira, a cantora e compositora Tatá Jatobá nasceu em Manaus, em 1981, e iniciou sua carreira musical no início do novo milênio cantando reggae, blues e jazz em vários bares e casas noturnas da cidade, mas hoje realiza um trabalho mais voltado para o samba e para a música popular brasileira. Ela estudou música clássica, piano e canto popular no Centro de Artes da Universidade do Amazonas (CAUA).

Tatá também participou de alguns festivais de canções, como 5º e 6º Festival Amazonas de Música (FAM), Fecani e Fecanção, sendo vencedora deste último como melhor intérprete no ano de 2017. A sambista já foi contemplada em três editais de cultura da Lei Aldir Blanc, realizando os projetos “Lição de Samba”, “Com Tayra e Tariri” e “Pra Santo Sambar”.

Em 2023, Tatá Jatobá resolveu prestar uma homenagem a Clara Nunes com o show “Claridade”, que estreou no Espaço Cultural Luar de Uaicurapá, no Vieiralves, em Manaus, no mês de julho. No repertório musical, os maiores hits da cantora mineira: “Feira De Mangaio”, “O Mar Serenou”, “Conto De Areia”, “Canto Das Três Raças”, “Tristeza Pé No Chão”, “Morena De Angola”, “A Deusa Dos Orixás” e “Juízo Final”, entre outras.

– Além de todo o seu talento musical, as questões que a Clara levantou durante sua trajetória artística ainda estão muito presentes e ainda precisamos muito exaltar. A fé, a luta contra a intolerância religiosa, valorizar as raízes afro-brasileiras e eu acho que tudo isso está no trabalho da Clara, por este motivo nós a escolhemos para realizar esta homenagem – explicou Tatá.

Clara Nunes foi a primeira mulher brasileira a vender mais de 100 mil discos, marca antes somente atingida por homens, quebrando um tabu de que mulheres não vendiam álbuns. Ao todo, durante sua carreira, vendeu quatro milhões e quatrocentos mil discos. Sempre com um estilo e identidade muito próprios e singulares na música, Clara Nunes firmou a sua carreira no samba – foi uma das principais intérpretes de compositores da Portela, sua escola do coração – mas teve influências da música romântica, principalmente do samba-canção, e referências como Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Ângela Maria.

Trazia em suas pesquisas e nas canções que escolhia defender, uma proposta de reflexões imprescindíveis acerca da identidade de gênero, etnia e credo. Levantou debates sobre o preconceito étnico-racial e a intolerância religiosa, quando esses temas ainda se apresentavam timidamente no Brasil, trazendo luz à história sociopolítica e sociocultural do país. Em toda a sua obra, temas afro-brasileiros marcam presença em letras e arranjos que sempre remetem aos elos que unem Brasil e África.

Clara Nunes desempenhou importante papel na popularização e desmistificação das religiões de matriz africana, colaborando para o rompimento dos estigmas e preconceitos que, até então, prevaleciam em relação aos seus adeptos em nossa sociedade. A amazonense Tatá Jatobá está em boa companhia.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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