Manaus-Babilônia Extended

CAPÍTULO 6 – Marcia Novo

A ativista ambiental, produtora cultural, compositora e cantora Márcia Novo
Postado por Simão Pessoa

Advogada, empresária, produtora musical, ativista ambiental, aguerrida militante da cultura amazônica e ponta de lança do movimento em defesa da identidade de gênero no Amazonas, Márcia Novo se considera uma “caboca parintinense do legítimo perreché”. Para que não sabe, “perreché” é a corruptela de “pé rachado”, apelido não muito airoso dado aos trabalhadores rurais da região.

Dona de uma inigualável voz rouquenha, Marcia Novo nasceu em Parintins, no final de 1987, mas ficou só alguns dias por lá, antes de mudar-se para Manaus. Sua família é uma das mais tradicionais da Ilha de Tupinambarana (seu avô, João Novo, é nome de bairro e avenida na cidade, e sua tia, Roseane Novo, era uma das madrinhas mais fanáticas do bumbá Garantido). Nas férias que passava em Parintins, Marcia adorava tomar banho de rio, participar de pescarias (a cantora se gaba até hoje de que é uma exímia tarrafeadora e campeã em pesca de linha comprida) e perambular pela floresta, daí sua identidade total com o bioma amazônico. Sua carreira musical teve início na adolescência.

– Quando eu tinha uns 14 para 15 anos, minha irmã tinha um namoradinho que tocava violão. Ele me ensinou os primeiros acordes e eu naturalmente comecei a cantar. Uma prima minha me ouviu tocando e cantarolando, achou minha voz linda e disse que eu deveria fazer algo na festa dos meus 15 anos. Ensaiei umas cinco músicas, cantei na festa em inglês, tudo errado, mas tava bonito, todo mundo aplaudiu no final – recorda ela, morrendo de rir.

No ano seguinte, Marcia foi morar em Arkansas, nos Estados Unidos, para estudar durante seis meses num intercâmbio cultural, mas assim que chegou na cidade gastou quase metade dos mil dólares que tinha recebido para sua estada na compra de uma guitarra e uma caixa de som. Alguns meses depois, como a grana estava acabando e ela não queria pedir dinheiro do pai, resolveu participar de um show de talentos com prêmio em dinheiro.

– Cantei “Me Chama”, do Lobão. Fui super aclamada, a galera curtiu pra caramba, e aí eu voltei para o Brasil como cantora mesmo e comecei a montar várias bandas, mas nenhuma dava certo. Resolvi me apresentar sozinha, produzir meus próprios shows e comecei a lotar várias casas noturnas.

Na sequência, já bastante conhecida no meio musical, Marcia começou a abrir shows de artistas consagrados como Seu Jorge, Monobloco, Maria Gadu e Preta Gil. Logo, começou a ficar conhecida do público e dos produtores e lançou seu primeiro disco. Na época, foi apresentada ao samba-rock por uma amiga que havia conhecido o ritmo no Sul e, como resultado, o álbum “Simplesmente Novo” foi marcado pela combinação de MPB e samba-rock.

– Foi quando conheci o Marco Bosco, o primeiro produtor musical que me deu um norte. Ele me viu em um show e disse: “Menina, tu és muito boa, mas tem que ir embora daqui”. Depois disse que eu tinha que produzir meu segundo disco com o Paulo Calasans – relembra a cantora.

Em 2012, Marcia mudou-se para Campinas (SP), estudou canto e teatro e, seis meses depois, gravou “Amazônia Pop”, álbum com uma pegada mais world music produzido por Paulo Calasans e Marco Bosco. O disco foi lançado em Manaus, na área vip do Tropical Hotel, e contou com participação do compositor André Abujamra, na faixa “A Minha Menina”, de Jorge Ben Jor.

– Comecei a viajar por diversas cidades do estado de São Paulo para divulgar o trabalho e foi bacana ver como as pessoas têm respeito pela Amazônia.

Em 2014, de volta a Manaus, Marcia lançou o videoclipe “Tocando Bola Na Amazônia”, música feita por ela própria em parceria com Cileno Conceição, em homenagem à Copa do Mundo, que ocorreu no Brasil entre 12 de junho a 13 de julho. O clipe contou com participação do músico Bebeto.

Depois de quase dois anos divulgando “Amazônia Pop” pelo sul do país, Marcia conheceu o produtor Wilson Souto, presidente da gravadora Atração Fonográfica e um dos fundadores do Lira Paulistana, considerado um dos principais palcos da cena alternativa paulistana nos anos 1980 e que esteve diretamente ligado à carreira de artistas e grupos como Itamar Assumpção, Cida Moreira, Premeditando o Breque, Kid Vinil e o grupo Magazine, As Mercenárias e Grupo Rumo.

– Trocamos a maior ideia, entreguei meu CD pra ele e ele me ligou algumas horas depois me perguntando: “Cadê aquela energia daquela menina que eu vi? Cadê a Amazônia?…”. Foi muito punk, porque realmente eu tinha ido por um caminho meio sofisticado que não tinha nada a ver com minhas raízes…

Depois da conversa com Wilson Souto, a cantora voltou para Manaus com os olhos mareados de saudade, enxergando a riqueza nas coisas simples que sempre fizeram parte de seu dia-a-dia. E foi com esse olhar que Marcia lançou seu terceiro disco, “O Novo Som do Beiradão”, no qual transita entre o boi-bumbá, a cumbia, o brega, o xote e pelo som do beiradão – música popular dos bailes de beira de rio, no Amazonas, com influência caribenha.

Marcia dá nome aos bois e intitula a música que produz atualmente, como “beira-beat” – mistura de beiradão com beats eletrônicos. Tendo como referência o movimento do mangue-beat, que nos anos 90 revelou toda uma geração da música recifense, a cantora destaca a música autoral que vem sido produzida no estado do Amazonas e seu momento de ebulição.

– Eu participei de uma das edições do Festival do Pirão, realizado em Manaus pela Tina Guimarães, e fiquei fascinada com o grande número de cantores e bandas independentes fazendo música autoral em cima das nossas pavulagens, do nosso linguajar, do nosso amazonês – diz ela. – Me identifiquei tanto com eles, que dei uma nova guinada na minha carreira!

O marco dessa nova fase de Marcia Novo foi o lançamento da música “Subindo Pelas Paredes”, uma regravação produzida por Manoel Cordeiro – prestigiado produtor musical da Amazônia, que por muitos anos esteve à frente da banda Kaoma, grupo clássico da lambada brasileira – de um clássico do brega amazonense que tornou-se hit na voz de Nunes Filho. A escolha da música foi oportuna e um serviço para a música do Amazonas, já que o “Príncipe do Brega” não acompanhou os desdobramentos da internet e a gravação original do hit não estava disponível para a audição na web – há apenas vídeos no Youtube com versões ao vivo em programas de auditório.

O single “Subindo Pelas Paredes” ganhou também um videoclipe muito legal que narra a história de um amor quente entre um casal apaixonado, exaltando a figura da mulher cortejada e do homem apaixonadamente brega. Flertando com o brega e o pop, o clipe surfa a onda que cresce entre a nova geração e que exalta o conceito “tosco” no qual o gênero brega sempre foi identificado. Além de Nunes Filho, o videoclipe conta com a participação de outras personalidades igualmente importantes da música amazonense, como Klinger Araújo e Carlos Batata, cantores de boi-bumbá, e Jucynha Kero-Kero, cantora de forró.

Em 2020 e 2023, Márcia Novo elevou o conceito de beira-beat à categoria de arte ao conceber um espetáculo de artes cênicas intitulado “Live Eletroboi – Parintins”, encenado e gravado no Kwati Club, em Parintins, e “Eletroboi 2”, encenado e gravado na Arena da Amazônia, em Manaus, ambos disponíveis na web. Inserido no movimento “Vidas Indígenas Importam”, em que Marcia é uma das articuladoras, o Eletroboi é na verdade um show pop embalado por batidas eletrônicas, que exalta a cultura amazônida e os nossos povos indígenas.

Em 2024, para celebrar o Dia Internacional da Mulher, Marcia Novo e Márcia Siqueira protagonizaram a “Roda das Márcias”, uma roda de samba e boi-bumbá que rolou no Abaré Central, localizado no Centro de Manaus, com apresentações exclusivas de artistas mulheres. A parceria entre as cantoras é de longa data, mas para Marcia Novo faltava um evento para coroar essa união que sempre deu muito certo.

– Eu e a Márcia Siqueira já gravamos músicas juntas, fizemos muitas participações uma no show da outra, fora as resenhas nos flutuantes do Tarumã, mas estava faltando esse show. Fiquei muito feliz, primeiro porque ela é minha diva, segundo porque canta demais e terceiro porque nossos encontros são sempre uma explosão de alegria – diz Marcia Novo.

A noite começou com a banda Samba de Cunhã abrindo o espetáculo. Na sequência, Marcia Novo e Márcia Siqueira deram início às suas cantorias, convidando Luanita Rangel, Ianayra Pinheiro e as Batuqueiras Guerreiras, integrantes oficiais da batucada do boi Garantido, para se fazerem presente no palco. O show teve um repertório com toadas, antológicas e atuais, dos bumbás Caprichoso e Garantido, além de samba tradicional, samba rock, reggae, maracatu e pagode. Marcia Siqueira enfatizou que a “Roda das Márcias” era uma celebração de mulheres que atualmente cantam samba e toadas de boi, representando a força da cultura afrodescendente do Norte e o amor pela música feita na região.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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