Por Álvaro Costa e Silva
O livro “Rato de Redação: Sig e a História do Pasquim”, de Márcio Pinheiro, revela como o choque de egos entre Tarso de Castro e Millôr Fernandes foi decisivo para que o jornal vivesse seus dois melhores momentos – aqueles que revolucionaram a imprensa brasileira.
Tarso é a força motriz da fase inaugural. Ao lado de outro fundador, o cartunista Jaguar, fez com a aventura – abrir uma publicação alternativa durante o período mais opressor da ditadura militar – virasse um fenômeno que surpreendeu a vaidade, o talento e a porra-louquice deles próprios.
Com 16 semanas de existência, o jornal em que jornalistas eram patrões chegou a 80 mil exemplares vendidos; dali a pouco, atingiria a marca dos 200 mil. Sob o coturno do AI-5, os leitores aprovaram a liberdade temática, o humor debochado, a incorreção política, a linguagem coloquial (não parecia escrito, mas falado) e – por que não? – certo desbunde.
Pesquisado com rigor e escrito com elegância, o livro acerta em apontar a coluna Underground, de Luiz Carlos Maciel, como um dos pontos altos daquela explosão de criatividade.
Maciel foi pioneiro na abordagem de temas contraculturais e apresentou personagens estrangeiros com os quais a juventude logo se identificaria – Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Carlos Castañeda, Ravi Shankar.
Tarso de Castro tinha faro para escolher os entrevistados. Logo no primeiro número, Ibrahim Sued deu um furo – o próximo presidente do Brasil seria o general Médici.
Não editadas e calibradas na base do uísque, as entrevistas reproduziam tudo o que havia sido gravado – as interrupções, as gargalhadas, os insultos, o machismo de alguns entrevistadores, o momento em que alguém se levantava e ia fazer xixi. Foi assim que Leila Diniz se sentiu à vontade para dizer os famosos 72 palavrões, substituídos por asteriscos.
Em 1970, Tarso, Jaguar, Maciel, Sérgio Cabral, Ziraldo, Paulo Francis, Fortuna e o fotógrafo Paulo Garcez foram presos – uma “gripe” que durou dois meses. O regime os transformou em heróis, mas também proporcionou o primeiro grande racha.
Um mutirão de colaboradores impediu que o tabloide parasse de rodar. A mão na massa quem meteu foi Millôr Fernandes (chegou a fazer 80% das edições sem sair de casa), enquanto o trabalho na Redação ficou com Martha Alencar, a única jornalista mulher em meio aos homens, cuja importância para o Pasquim, muitas vezes esquecida, o livro destaca.
Tarso de Castro encasquetou que Millôr tinha as costas quentes e dera um jeito de escapar da prisão com a ajuda de um general. O clima ficou irrespirável. Tarso, que levava um estilo de vida milionário, fretando aviões e fechando bares, pediu o boné (ou foi afastado) no início de 1971.
Para sanar as finanças, Millôr assumiu o poder. Teve início uma segunda fase – a mais anárquica e desmistificadora do Pasquim, com pegada de alta cultura nos textos de Paulo Francis, Sérgio Augusto e Ivan Lessa e demolidora nos desenhos de Henfil. Foi o período adrede mais censurado da publicação.
Para compor o perfil biográfico do jornal, Márcio Pinheiro leu toda a coleção hoje digitalizada na Biblioteca Nacional. Vinte e dois anos (um a mais do que os milicos passaram no poder) que, além da resistência política, contam a história comportamental de uma cidade, o Rio de Janeiro, e, em especial, de um bairro, Ipanema.
Criador do ratinho-símbolo Sig, Jaguar foi o último a deixar o barco. Aos 91 anos, ele continua na ativa como cartunista do jornal FSP.
Em seu trabalho de reconstrução, o autor abre espaço para nomes que não são lembrados como integrantes da “patota”, mas que deram charme ao “hebdô” anarquista.
A atriz Odete Lara fez uma entrevista de cinco páginas em 1969 com Caetano Veloso, que estava exilado em Londres. Depois do papo com Odete, que sabia perguntar melhor do que muito repórter, Caetano virou correspondente informal. Chico Buarque fez o mesmo, mandando material de Roma.
Espécie de tio mais velho de Ivan Lessa, José Lewgoy atuou em várias Pasquim Novelas (fotonovelas cômicas) e assinou a coluna Psst, com comentários sobre cinema, teatro, balé, literatura, futebol, arquitetura. O estilo de Lewgoy era “duca”.
(Fonte: jornal FSP)