Por Aldir Blanc
Inflação, crise dos valores morais e espinha na bunda são coisas que fazem a gente refletir. Com o chazinho das crianças ameaçado (o leitinho acabou faz tempo), aceitei a proposta de um grupo de azerbaijanos dissidentes, radicados na Boca-do-Lixo, e cometi alguns roteiros para filmes pornográficos.
O primeiro filme é gay. Título: Dois Maranhenses na Perestróica.
Neva em Leningrado. A câmera passeia pela fachada de um prédio. Aproximação lenta de uma janela onde se vê um pequeno mastro com duas cuecas e a bandeira do Brasil. Corta para o interior do quarto. Dois rapazes bigodudos, especialistas em estradas de ferro, estão abraçadinhos sob a coberta. São maranhenses. Contrariando a lógica chamam-se José e Ribamar. Cresce a trilha sonora, Coração do Agreste: “Regressar é reunir dois lados…”
– Brrrr, que frio! Tô com o Gorby todo encolhido no meio do brejal…
– Vamos brincar de marimbondo em fogo?
– E quem é que vai botar primeiro?
– Eu.
– Ah, de novo?!
– Qual é o problema? A moral intrínseca a nosso intercurso não é “os últimos serão os primeiros”?
– Nem sempre, nega. Da outra vez você não queria tirar e eu quase fiquei na saudade.
– Olha, ou você entende que nosso relacionamento homossexual é uma tentativa de transgredir os padrões estabelecidos do machismo ou te meto a mão na cara!
– Gostoso! Bota! Bota tudo!
Ribamar pula da cama e bota o roupão. José geme:
– Aí, um roupão só, numa cidade como essa, é coisa de subdesenvolvido mesmo…
A janela está fechada. Neva. O som de um tapa. Gritos. Sussurros. Cresce a trilha. O anzol dessa paixão me machucou…
***
Esse aqui dá merchandising. Levei horas pra achar o nome adequado: Iogurte Profundo. Hein? Hein?
Estimulados pela propaganda, aquela muito sutil das lésbicas fazendo 69, o casalzinho resolve se lambuzar com iogurte diet. Vão ao supermercado. O preço aumentou e eles não têm posses pra comprar o produto ansiado. Ela vende as jóias e os dois voltam ao supermercado. Mas o preço aumentou. Vendem o apartamento de cobertura. Mas o remarcador implacável frustra novamente o desejo dos dois.
Desesperados eles assassinam uma velhinha que ia saindo de uma agência da Caixa Econômica com a poupança da vida inteira pra comprar um fixador de dentadura. Ainda ensanguentados, interrompem a fuga diante de uma vitrine. Vários televisores ligados. Num deles, Albano Franco diz que não está havendo excesso, que as regras da economia de mercado, blá-blá-blá…
Ela se prostitui, ele aplica no over. Nada. Pedem esmola:
– Um iogurte diet, pelo amor de Deus!
Um coroa esfarrapado berra:
– Não peçam nada em Meu Nome a essa corja!
Comentários do produtor:
– Esse filme tem tanta baixaria que é preciso um final bem ortodoxo.
Sugestão do Diretor:
– Ortodoxo… Já sei! Termina com o cara esguichando iogurte na cara dela!
– Isso!
***
O roteiro seguinte visa uma faixa de público mais intelectualizada: Penetrações Estruturalistas.
Ouve-se ao longe uma flauta indígena.
Setor de pós-graduação de uma universidade católica. Suruba (troca generalizada) em sala de aula. Os estruturalistas recusam-se a participar. Ficam a um canto, apáticos, ressabiados. Não se desfazem sequer das merendeiras, com o lanche à base de sintagmas com germe de trigo. Uma loura de óculos espinafra o parceiro:
– Não sei por que você me imputa essa aptidão, seu selvagem!
Os estruturalistas ficam loucos e entram de cabeça na orgia. Seus gritos de prazer abalam as estruturas do prédio:
– Mete!
– Mito!
– Tá paradigmático, meu bem?
– Uma verdadeira metonímia, gatinha!
Súbito, no auge de uma variação estilística, alguém cai em pranto. Um padre fantasiado de Darwin pergunta:
– Que foi? Que foi?
– Hiii! O totem dele tava althusser mas levistrou de repente…
Consternação. Palavras de consolo. Alguém propõe um simpósio sobre o tema. Um feiticeiro brande o chocalho e evoca as divindades:
– Saussure! Jakobson! Barthes!
Mas os trópicos do moço continuam tristes.
Por sorte, uma professora da TVE entrou na sala por engano e mudou o código:
– Não fica assim, querido. Eu resolvo o teu caso. É só cair de linguística e… pronto!
Sobe a flauta.
***
O último roteiro mistura perversão na infância e o mais puro horror, fórmula de sucesso garantido: BAIXINHOS EROSTÉTRICOS!
Um casal de gastrônomos tem quatro filhos adotivos, duas meninas e dois meninos. Percebendo que as crianças estão falando sobre sexo, os pais xeretas ficam escutando atrás da porta.
– Eu sempre sonho que me casei com o Maguila.
– Às sextas-feiras, dia de feira, nossa empregada compra um robalo enoooorme. Assim que ela começa a untar a forma pra colocar o peixe no forno, eu fico excitado…
– Quando o Collor fala de nossas elites, hum, eu me arrepio toda…
O gordinho faz cara de choro:
– Eu não sei do que vocês estão falando! Eu gosto de miojo!
Os olhos da mãe saltam da cara e rolam escada abaixo. O pai se atira pela janela e é empalado pela barraca de uma carrocinha de Kibon.
A trilha sublinha o drama: “Ilaria, ilariê, ôôô”.
Miojo. Que horror, porra!