Setembro de 1991. Correligionário do deputado federal Átila Lins, o prefeito de Itamarati, Olegário Feitoza, vivia se queixando do atraso na liberação das verbas dos convênios federais realizados pelo município.
O deputado convidou o prefeito a visitar a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para discutir o assunto pessoalmente com os responsáveis pelos convênios. Feitoza, que nunca havia saído dos limites de Itamarati, resolveu encarar o desafio e viajou sozinho, para a capital federal, praticamente sem um tostão no bolso.
Dentro do avião, um vizinho de poltrona teve de pôr o cinto nele, mostrar-lhe como se move o banco, onde ficava o cinzeiro, o banheiro, e traduzir seus pedidos (raríssimos) à aeromoça. Feitoza recusou polidamente as ofertas de lanche e jantar a bordo da aeronave, intuindo, secretamente, que teria de pagar pela gentileza.
Na saída do aeroporto, o motorista de Átila Lins apanhou o prefeito e o deixou num hotel cinco estrelas. Apesar de morto de fome, Feitoza não teve coragem de abrir o frigobar e limitou-se a tomar um copo d’água, colhido na pia do banheiro.
De manhã cedo, o prefeito desceu para o saguão, para esperar o motorista. A mesa convidativa do café da manhã do hotel, com milhares de acepipes dos quais ele jamais desconfiara sequer da existência, quase lhe tiraram do sério. “Deve custar uma fortuna”, resignou-se, e acendeu o primeiro cigarro do dia para driblar a fome.
Chegando ao gabinete do deputado, o prefeito aboletou-se num sofá e ficou esperando, esperando, esperando. De meia em meia hora, pedia um cafezinho e acendia um cigarro, tentando pôr ordem na rebelião que estava acontecendo no seu estômago vazio, com o intestino grosso querendo comer o intestino delgado.
Por volta das duas da tarde, Átila Lins apareceu no gabinete, se desculpando pela demora, e, imediatamente, convidou o prefeito para almoçar. Suando frio, como se estivesse sofrendo de úlcera perfurada, Feitoza concordou em acompanhar o deputado até o restaurante Piantella, meca da gastronomia dos políticos brasilienses.
Infelizmente, como o cardápio do Piantella é escrito em italiano e os preços, em algarismo romano (pra nenhum desavisado sair correndo com medo de tantos zeros), o prefeito esperou que o deputado sugerisse os pratos.
Átila chamou o mâitre e mandou ver:
– Para começar, salada de bacalhau com lagosta, tomate seco, rúcula e azeite extravirgem. Para acompanhar, champanhe francês Gosset, safra 1989.
– Um desses pra mim, também! – reagiu o prefeito.
Átila continuou:
– A seguir, me traga ravioli de frango com molho de tomates e beringela, e vinho branco italiano Meriot Friulano Licio Frelluga, safra 1996.
– Um desses pra mim, também! – insistiu o prefeito.
Aí, empolgado, o deputado emendou de bate-pronto:
– Como prato principal, quero picanha de vitela holandesa com arroz selvagem, cenouras e batatas-baroas torneadas. Para beber, o bordeaux Chateau Les Haut de Pontet, 1995. De sobremesa, musse de torrone, com o vinho do Porto Grahms Vintage, safra 1985.
– Um desses pra mim, também! – devolveu o prefeito de trivela.
De repente, Átila tirou um monte de documentos da pasta presidente que carregava e, antes que o mâitre se afastasse, fez um novo pedido.
– Ah, me veja também um office-boy…
O prefeito não se fez de rogado:
– Veja um pra mim, também!
Átila tomou um susto:
– Que é isso, prefeito. Um office-boy é suficiente pra nós dois…
O prefeito não se deu por achado:
– Nada disso, deputado. O senhor come o seu, que eu como o meu. Com a fome que estou aqui, não divido nada nem com a minha mãe…
E começou a bater com os talheres no prato para apressar o mestre-cuca.