Causos de Bambas

Eleição braba na Princesinha do Solimões

Postado por Simão Pessoa

Novembro de 1955. O protético Mário Almeida, único dentista do município de Manacapuru, é candidato a prefeito. Ele vai enfrentar nas urnas o o conceituado Dr. Barroso, responsável pela Exatoria de Rendas do município.

Como fiscal de tributos, Barroso havia consolidado uma fama de homem sério, íntegro e honesto, e gozava de uma popularidade merecida entre os comerciantes e a elite local.

Mário Almeida era o preferido dos pobres porque fazia extrações dentárias de graça.

A campanha estava embolada, com a “Princesinha do Solimões” dividida entre o extrator de rendas e o extrator de dentes.

Os analistas políticos garantiam: a eleição seria decidida no dia da votação, numa disputa apertada, voto a voto, urna a urna, seção por seção.

O candidato que conseguisse levar mais eleitores aos postos de votação durante o pleito seria o eleito.

No dia da votação, inexplicavelmente, o Dr. Barroso amanhece com uma dor de dente irritante.

Depois de ingerir dezenas de analgésicos, sem sucesso, ele resolve dar o braço a torcer e ruma ao consultório odontológico de Mário Almeida, em busca de ajuda.

O candidato foi de uma sinceridade comovente:

– Olha, doutor Mário Almeida, eu sei que em alguns comícios andei ofendendo sua honra, mas aquilo fazia parte do jogo político! – começou. – Mas quem está aqui não é o candidato Barroso, mas o cidadão Barroso. Eu queria que você me consultasse e medicasse como consultaria e medicaria uma pessoa comum, que precisa da ajuda de um profissional.

– Claro, claro, claro, doutor Barroso! – derreteu-se Almeida em mesuras. – Vossa senhoria não pode esquecer que eu fiz o juramento de Hipócrates, de fazer o bem sem olhar a quem. Afinal de contas, antes de ser um político, eu sou um profissional da saúde com a obrigação moral de minorar o sofrimento de meus semelhantes. Vamos examinar esse dente e veremos o que pode ser feito.

Mário Almeida aplicou uma anestesia local, examinou o queixal (que apresentava apenas uma mancha branca na superfície, como se fosse um início de cárie), fez um curativo rápido e liberou o paciente.

Dr. Barroso agradeceu, aliviado, e saiu do consultório direto para as ruas, iniciando a árdua tarefa de convencer os eleitores a sufragarem seu nome.

Meia hora depois, passa o efeito da anestesia e a dor de dente retorna com uma ferocidade kamikaze.

Dr. Barroso sente as fisgadas no queixo descendo para o resto do corpo e a sensação é de que estão martelando a unha encravada do seu dedão do pé à razão de três marteladas por minuto. A dor é simplesmente insuportável.

Sem outra alternativa, Dr. Barroso freta uma “voadeira” no porto de Manacapuru e ruma para Manaus.

Durante a viagem, de quase seis horas, o candidato só falta rolar no chão, de tanta dor. O queixo vira um inchaço só.

Do porto de Manaus, Dr. Barroso vai direto para o consultório do dentista Luciano Martins, seu amigo há várias décadas e relata, rapidamente, o acontecido.

O dentista examina o dente do paciente e tem uma surpresa: o protético de Manacapuru havia “brocado” o queixal até o nervo ficar exposto. Aí, introduziu na cavidade um pequeno pedaço de goiabada e cobriu o buraco com uma camada de porcelana.

Quando o efeito da anestesia passou, a ação do açúcar no nervo exposto se encarregou de fazer o resto.

Mesmo depois de medicado, o candidato não quis voltar ao município, já que só chegaria na cidade depois do fim da eleição. E com Dr. Barroso fora do pleito, Mário Almeida sagrou-se prefeito de Manacapuru.

O fiscal de rendas só foi descobrir, muitos anos depois, que quem faz o juramento de Hipócrates são os médicos, não os dentistas.

Mas, aí, a Inês já estava morta.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment