Causos de Bambas

Monarco da Portela e Zinho da Ilha em Manaus

Postado por mlsmarcio

No início dos anos 90, Bosco Saraiva resolveu abrir uma filial da escola de samba Reino Unido no Olímpico Clube e fez um convênio com Almerinho Botelho, presidente do clube. Para marcar a inauguração do novo espaço, eles anunciaram a presença de duas feras: Mauro Diniz e Quinho da Ilha.

Nascido em Oswaldo Cruz, um dos bairros mais tradicionais do samba carioca, Mauro Diniz, aos quatro anos, ficava entre as pernas do pai, o lendário Monarco da Portela, deixando todos boquiabertos com a habilidade nos primeiros acordes no cavaquinho.

Aos oito anos, além de ter feito uma paródia de um samba de seu pai para ser o samba-enredo do Bloco da Alegria, foi presenteado com um violão por sua mãe, Thereza, pastora da escola. Assim, o moleque deu seus primeiros passos em direção à música guiado simplesmente pelos bambas da Velha Guarda da Portela.

Quinho da Ilha não tinha uma linhagem tão nobre quanto Mauro Diniz, mas tinha causado sensação em 1989, quando emplacou o samba-enredo “Festa Profana”, da União da Ilha, que deu à escola um histórico 3.º lugar. O refrão do samba-enredo (“Eu vou tomar um porre de felicidade/ Vou sacudir, eu vou zoar toda cidade”) era repetido, de cor e salteado, mesmo por quem não se interessasse por samba.

Bosco Saraiva e Almerinho Botelho foram receber os ilustres sambistas no aeroporto, mas nem sombra deles. Bosco ligou primeiro para Mauro Diniz. O sambista explicou o problema. Estava muito gripado, de cama, com uma febre de quarenta graus, mas, para não “furar”, havia despachado seu pai, o velho Monarco. Bosco localizou o homem perdido no saguão do aeroporto, foi falar com ele e o deixou conversando com Almerinho.

Aí, ligou para Quinho da Ilha. O sambista atendeu. Explicou que havia sido proibido pelo presidente da escola de se ausentar no Rio de Janeiro, mas, para não “furar”, havia despachado seu irmão, Alenício, mais conhecido como Zinho da Ilha.

Segundo Quinho, os dois tinham o mesmo timbre vocal e o mesmo repertório. Bosco localizou um sujeito parecido com o Reginaldo Rossi perdido no saguão vazio do aeroporto e foi falar com ele. O sujeito se identificou como Zinho, o irmão de Quinho, Bosco o apresentou a Almerinho e a pequena comitiva foi para o hotel.

Na noite do show, Bosco Saraiva estava nervoso e preocupado com a reação da plateia. A cada cinco minutos, ele repassava o texto que o apresentador oficial, Ivan Oliveira, iria dizer:

– Tudo bem, moçada, a gente não trouxe o Mauro Diniz, mas trouxemos seu pai, o grande Monarco, lenda viva do samba carioca, liderança inconteste da Velha-Guarda da Portela. Mostre serviço, meu rei, que a casa é toda sua!

Até aí, não haveria problema. Monarco, que completa 84 anos agora em 2017, está entre os compositores mais respeitados da sua geração. E, mesmo sendo um dos mais jovens integrantes da Velha Guarda da Portela, é autor de músicas que foram sucessos nas vozes de Martinho da Vila (“Tudo Menos Amor”), Paulinho da Viola (“Passando De Glória”) e Clara Nunes (“Rancho Da Primavera”). É um privilégio poder desfrutar de sua música. Ninguém comanda uma roda de samba como ele.

Mas, e o que dizer desse tal de Zinho da Ilha? Bosco Saraiva ruminava, ruminava, e não chegava a nenhuma conclusão. Ivan Oliveira foi mais prático:

– Não vamos esquentar a cabeça não, meu chefe. Na hora em que ele entrar, a gente diminui a intensidade de luz do palco e deixa o cara fazer a onda dele. Se ele tiver o mesmo timbre de voz do irmão, ninguém vai notar a diferença. Eu mesmo nunca vi pessoalmente esse tal de Quinho da Ilha…

Na hora combinada, Monarco subiu ao palco, cantou meia dúzia de canções e correu pro mato, já sem fôlego. Na sequência, entrou Zinho da Ilha. A única semelhança entre ele e o irmão famoso era que, em qualquer música que cantasse, Zinho dava um jeito de encaixar “ê, ê, ê, ê, ê, minha ilha! Minha ilha!”. Tirando isso, o vexame era completo. O sujeito não conhecia samba nem de cumprimentar. Um horror!

Depois do show, Bosco e Almerinho quase foram linchados pela plateia, que se sentia miseravelmente ludibriada. A filial da Reino Unido fechou as portas no dia seguinte e o Clube dos Cinco Aros levou vários anos para readquirir a credibilidade perdida.

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