Agosto de 1996. A trotskista Irinéia Vieira era candidata a prefeito pelo PSTU e resolveu visitar os eleitores na invasão chamada Monte Sião.
A sensação era de que a candidata estava entrando em um campo de refugiados. Cabanas miseráveis, crianças barrigudas e desnutridas, pessoas vestindo roupas esfarrapadas, ruas poeirentas e aquele sol a pino, sem a sombra protetora de uma única árvore.
Irinéia entrava nas casas cada vez mais resoluta, enojada com aquele espetáculo miserável da degradação humana. Aí, depois de recitar a ladainha sobre a revolução permanente, os mantras sobre a crise do capitalismo e o canto gregoriano sobre o acirramento das contradições dentro de uma sociedade de classes, ela passava a alertar as mulheres sobre o risco de contaminação de aids pelos próprios parceiros.
Quando acabava o bê-á-bá, dirigia-se a um dos três cabos eleitorais que lhe acompanhavam e fazia bonito:
– Ô, Ray, aproveita e dá umas “camisinhas” pra companheira, pra ela se proteger do vírus!…
E Ray enchia as mãos da “companheira” de preservativos.
Numa das casas, Irinéia encontrou uma senhora meio idosa e sete adolescentes, todas do sexo feminino. A conversa transcorreu normalmente, até que Irinéia dirigiu-se a um dos cabos eleitorais.
– Ô, Ray, aproveita e dá umas “camisinhas” pra companheira, pra ela se proteger do vírus!…
A dona da casa resolveu intervir:
– Olha, dona Irinéia, eu agradeço, mas a gente não tem precisão de “camisinha”, não, porque aqui não mora homem. Agora, se a senhora tiver uns “vestidinhos” ou umas “blusinhas”…
Foi só então que a trotskista Irinéia descobriu que a revolução socialista estava mais longe do que ela esperava. Choses.