Causos Políticos

A escaramuça entre Evandro Carreira e o Coletivo Feminino do PT

Postado por Simão Pessoa

No início de 1981, o vereador Fábio Lucena, presidente regional do PMDB, lança o nome do então senador Evandro Carreira como candidato do partido ao governo do Estado nas eleições de 1982.

Com a fusão do PMDB com o PP, em dezembro de 1981, o senador é descartado em favor da candidatura de Gilberto Mestrinho.

Evandro fica puto da vida e resolve abandonar o PMDB, assumindo uma postura de senador independente.

Em março de 1982, o senador é procurado por Márcio Souza, Aloysio Nogueira, Thiago de Mello e Frederico Arruda, todos eles membros fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), que o convencem a ser candidato a governador pelo partido recém-criado no Amazonas.

Conhecido como “senador pororoca”, por conta do barulho que fazia na tribuna do Senado discursando em favor dos povos da floresta, Evandro fica todo animado e resolve levar a candidatura a sério.

No mês seguinte, quando retornou de Brasília, o senador já trouxe um panfleto provocativo, intitulado “Quem vai pra conversa é mãe de moça. Trabalhador vota em trabalhador”.

No panfleto, ele denunciava as promessas inexequíveis dos candidatos Gilberto Mestrinho (PMDB) e Plínio Coelho (PTB), alertava para a compra de votos e as fraudes que fatalmente seriam cometidas nas eleições, e convocava a população para votar na oposição verdadeira, ou seja, nos candidatos do PT.

O Coletivo Feminino do PT não gostou nem um pouco da “chamada” do panfleto e convocou uma reunião de emergência para discutir o assunto com o senador, na sede do partido, localizado na travessa Huascar de Figueiredo, entre as avenidas Getúlio Vargas e Joaquim Nabuco.

No dia marcado, estavam presentes, entre outras, a socióloga Marilene Corrêa, a psicóloga Ida Souza (mulher do escritor Márcio Souza), as professoras universitárias Bebel Couto Valle e Marlene Pardo (candidata do partido ao Senado), a atriz Socorro Papoula e a metalúrgica Fátima Monteiro. Marilene Corrêa foi a primeira a falar:

– Senhor Evandro Carreira. O senhor aqui está acusando a mãe amazonense de ser analfabeta, de ser imbecil. Que história é essa de que quem vai pra conversa é mãe de moça?…

Evandro, que já conhecia um pouco das vicissitudes que norteavam o discurso dos militantes históricos do partido, não refrescou:

– Eu não estou entendendo, minha companheira… – reagiu ele, com ironia. – Primeiro, que a senhora não me tratou de companheiro. Se a senhora não me tratar de companheiro, vou arranjar um tratamento melhor para a senhora…

– E qual é o tratamento que o senhor quer me dispensar? – reagiu Marilene.

– Só pode ser o tratamento de fuxiqueira… – bradou Evandro. – Porque a senhora só pode ter fuxicado para as companheiras, exigindo esta reunião. Isso aqui (mostrando o título do panfleto) é um ditado popular. Todo mundo na Amazônia sabe disso, do Pará pra cá, do Maranhão pra cá. Por quê? É que a mãe da moça, pra querer casá-la, a mãe casamenteira e a moça querendo casar, qualquer sujeito mais ou menos apresentado que aparece no lugar, ela abriga, dá quarto, dá comida, dá tudo, o cara acaba fodendo a filha…

As mulheres ficaram horrorizadas com o linguajar chulo do senador e ameaçaram encerrar a reunião na mesma hora. Evandro não se fez de rogado:

– Se for o caso, chamem os seus maridos, chamem os seus machos pra ouvirem o que eu tenho a dizer!

Marilene resmungou que o senador estava faltando com o respeito para as mulheres presentes, ao utilizar, provocativamente, palavras de baixo calão.

– Ô Marilene, deixa ele se defender! – apartou Marlene Pardo. – Não interessam as palavras que ele vai usar. Depois a gente vê se ele faltou com a ética. O partido tem leis próprias para analisar essas questões…

– Obrigado, nobre companheira. Muito bem! – avisou Evandro. – Pois como eu ia dizendo. Depois de algum tempo, o sujeito vai embora e fica o arraial perdido, minha filha. Fica a deflorada dentro de casa, traumatizada, todo mundo traumatizado, porque a mãe da moça foi pra conversa… E tem mais uma coisa. Ainda na saída, o bem apresentado fode a mãe da moça…

Pânico no botequim.

– Ah, desse jeito não tem condições de conversar com o senhor – aparteou Marilene.

– É verdade. Vocês estão preconcebidas a meu respeito e eu não sei por quê… – devolveu o senador pororoca.

A mulher do escritor Márcio Souza se levanta:

– Não, senador, nós não temos nenhum preconceito contra a sua pessoa. Acontece apenas que nós estamos sabendo que o senhor está fazendo um jogo burguês, que o senhor não tem nada a ver com a nossa luta. O senhor quer apenas se eleger governador usando o Partido dos Trabalhadores como escada…

– Mas a senhora é muito infantil – reagiu Evandro. – A senhora já consultou o Márcio Souza sobre isso? Porque o Márcio Souza é uma inteligência respeitada, minha filha. Eu me admiro como é que a senhora não aprendeu nada com ele. A senhora acha que o PT tem condições de eleger o governador no Amazonas? Não tem a menor condição. Eu não estou me suicidando, eu estou defendendo a minha terra porque o PT tem um patrimônio cultural, tem uma mensagem. Com os votos que posso conseguir, senador que sou, entendam isso, nós vamos morder o bolo da oposição. Mordendo os votos da oposição, nós vamos tirar votos do senhor Gilberto Mestrinho, que é um mafioso, um celerado… Eu já disse a vocês e volto a repetir: se o boto se eleger, ele vai governar isso por 20 anos e nunca mais o PT vai respirar. Só ele e a canalha que puxa o saco dele é que vão mandar neste Estado…

– Ah, então o senhor está querendo eleger o Josué Filho! – atalhou Ida Souza, como se estivesse acabado de descobrir que o rei estava nu.

Evandro nem titubeou:

– Exatamente, entendam isso, pelamor de Deus! Nós vamos eleger o Josué, tirando votos do Gilberto. E quem é o Josué, a senhora sabe quem é o Josué? Ele é um debiloide, um mentecapto, um retardado mental… Então, com o Josué eleito, na eleição de 86 vai ser fácil derrubá-lo. Mas o Gilberto, não. O Gilberto é um supermafioso. Nem Al Capone alcança a inteligência do Gilberto. Metam isso na cabeça de vocês: Gilberto é inteligente e tem coragem para usar a inteligência dele. Ele vai urdir um plano e vai governar isso por 20 anos… Em 86, aí sim, eu serei candidato a governador, se vocês quiserem, candidato a vereador, se vocês quiserem, mas, agora (em tom dramático), não elejam o Gilberto, pelo amor de Deus, eu peço a vocês!…

Depois de recuperar o fôlego, Evandro voltou a bater duro:

– Tem mais uma coisa. Eu vou me retirar, mas vou ficar ali na esquina, porque não quero fazer arruaças aqui no partido. Eu vou ficar em frente da Beneficente Portuguesa esperando os maaaachos de vocês! Eu vou esperar meia hora. Se alguém se sentir ofendida e o marido quiser defendê-la pelo que eu disse aqui, que vá lá, se entender comigo. Ou vai ficar eu no chão, ou ele fica. Um dos dois vai ter de ficar…

Dito isso, Evandro deixou a sede do PT.

O senador esperou 45 minutos. Como ninguém apareceu, ele foi embora.

A partir desta reunião, as mulheres petistas iniciaram um movimento interno para expulsar o senador pororoca do partido, mas Evandro só abandonaria o barco depois das eleições.

Ele deixou de ser candidato a governador pelo PT, substituído que foi pelo professor Osvaldo Coelho, mas foi “candidato nato ao Senado” porque continuava exercendo o mandato de senador.

Sim, Gilberto Mestrinho foi eleito e passou 30 anos comandando o embalo. O senador pororoca era um profeta.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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