Causos Políticos

Dr. José Gallo tocando terror em Brasília

Postado por Simão Pessoa

Março de 2000. Líder do governo no Congresso, o deputado federal Artur Neto estava aplicando na cúpula do poder em Brasília um trote telefônico capaz de tirar qualquer um do sério.

A vítima era avisada pelo deputado tucano de que um certo doutor José Gallo, tratado com intimidade por “Dr. Galinho”, telefonou para tratar de um assunto da maior importância e deixou o número pedindo retorno urgente.

O número, claro, era de um telefone celular do próprio deputado, adaptado para a brincadeira.

Quando o incauto procurava o “doutor” pelo sobrenome no diminutivo, começava a ouvir uma gravação com 30 segundos de nitroglicerina pura, no mau sentido.

– Escuta aqui, ô fio da égua, eu já falei que meu nome é José Gallo! Doutor José Gallo, porra! Dr. Galinho deve ser o qualira do teu pai! E filho de galinha é a puta que te pariu! Se dê tenência, seu baitola cornudo e mequetrefe! Tu é ajudante de padeiro pra viver queimando a rosca? Então me erre, sêo fio da égua perôbo, babador de estrovenga! Dr. Galinho é o buraco da sua véia! Tu tá querendo tomar chá de pau-barbado no meio do rego, é?…Seje macho, corno véio, e me respeite! Que porra é essa?! Ficou doido, caralho, ficou doido?…

O discurso ia nesse diapasão mesmo com o interlocutor do outro lado da linha pedindo mil desculpas.

A gravação feita por um homem com forte sotaque nordestino e os palavrões ditos com um ódio homicida deixavam qualquer um com o coração na mão.

No final da gravação, o nordestino mandava o sujeito tomar naquele lugar e ainda batia o telefone na cara. O incauto que caía no trote levava uns cinco minutos para se recompor.

O trote foi aplicado no Congresso Nacional até chegar na reunião em que o presidente Fernando Henrique Cardoso iria anunciar o novo salário mínimo.

Enquanto ministros e parlamentares governistas esperavam a chegada do presidente, Artur Neto fez da brincadeira uma forma de passar o tempo. Aplicou o trote no secretário-geral da Presidência, Aloysio Nunes Ferreira. O articulador político do presidente ouviu a mensagem e caiu na gargalhada.

Na sequência, Artur aplicou o golpe no líder do PSDB, Aécio Neves, que também quase morreu de rir. Depois foi a vez do deputado Roberto Jefferson, líder do PTB, que ficou meio cabreiro.

Aloysio Ferreira sugeriu que a próxima vítima fosse o caretíssimo colega da pasta do Desenvolvimento, Alcides Tápias.

Conservador, religioso, sisudo e avesso a palavrões, Tápias atendeu ao telefonema, balbuciou um pedido de desculpas e resmungou que não estava entendendo nada. Na sala a gargalhada foi geral.

O nordestino desbocado terminou provocando mal-estar na reunião presidencial. O encontro era uma mera formalidade, porque todos já sabiam qual a proposta do governo.

Fernando Henrique abriu a reunião e passou a palavra ao ministro do Trabalho, Francisco Dornelles.

Líder do PMDB no Senado, Jader Barbalho já não aguentava o discurso chato do ministro quando resolveu afastar o tédio.

No meio da reunião, escreveu um bilhete ao amigo Geddel Vieira Lima, líder do PMDB na Câmara, dizendo que Dornelles precisava “ouvir os conselhos do doutor Gallo”.

Uma das primeiras vítimas do trote, Geddel teve um inesperado acesso de riso, que quase o deixou sem fôlego. Ele olhava para Dornelles, tentava cobrir a boca, mas continuava morrendo de rir.

O ministro do Trabalho começou a ficar incomodado. Vendo a aflição de Geddel, Jader baixou a cabeça fazendo força para não rir, o que aumentava as gargalhadas de Geddel, num típico caso de retroalimentação negativa.

Percebendo o inusitado da cena, outros parlamentares começaram a rir.

Imaginando que as risadas faziam parte de uma nova reação política à proposta do salário mínimo, o presidente Fernando Henrique fechou a cara e o resto da reunião transcorreu no maior baixo-astral.

Alguns dias depois, durante uma viagem de avião, Artur Neto explicou ao presidente o mal-entendido. FHC ouviu atentamente, mas não fez nenhum comentário.

Dez minutos depois, quando Artur começava a cochilar na sua poltrona, surgiu um ajudante de ordens:

– O presidente pediu para o senhor lhe informar, urgente, o número do telefone do Dr. Gallo, que ele precisa passar para alguém!

Até hoje ninguém sabe quem levou o trote presidencial…

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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