Por Simão Pessoa
Nos anos 70, o universitário Hiran Queiroz era fã de carteirinha do programa “Portugal Sem Passaporte”, apresentado pelo luso-brasileiro José Saraiva, na TV Amazonas, porque ele sempre encerrava o programa com um convite inusitado: “Conheça primeiro Portugal e só depois visite a Europa propriamente dita”. Leitor compulsivo de livros de Geografia e História, Hiran acreditava piamente que Portugal fazia parte da Europa, mas o apresentador José Saraiva lhe deixara com uma pulga atrás da orelha. Em abril do ano passado, o então chefe de Fiscalização da Sefaz resolveu tirar essa história a limpo.
Depois de discutir exaustivamente, via Skype, o roteiro turístico com um agente de viagens português, Hiran Queiroz foi contar a boa nova para seu chefe imediato, Ricardo Castro, na época Secretário Executivo de Tesouro da Sefaz.
– Porra, Ricardo, acertei com um gajo uma visita à cidade de Amarante, a 45 km de Guimarães, e o sujeito vai me levar até lá de Mercedes, com ar-condicionado, wi-fi e água gelada, por apenas 50 euros! De Mercedes, porra! De Mercedes!
Emérito conhecedor das quebradas de além-mar, Ricardo Castro não deu a mínima para a euforia do amigo:
– Olha, Hiran, convém você não ficar prosa desse jeito porque todo táxi português é Mercedes…
Foi o primeiro balde de água fria.
De qualquer forma, acompanhado de sua cara-metade, a contadora Eliete Medeiros, Hiran Queiroz se mandou para a terrinha.
O casal fez o circuito Elizabeth Arden tradicional de Portugal: Algarve-Alentejo-Vale do Tejo-Trás-os-Montes-Entre Douro-Minho, antes de visitarem Amarante e se mandarem para a Espanha.
Em Guimarães, Hiran Queiroz comunicou ao gajo que já estava na área e forneceu o endereço do hotel. O gajo foi apanha-lo numa van caindo aos pedaços. Da marca Mercedes, claro. Foi o segundo balde de água fria.
Ao ver o estado dos pneus – que teriam status de estrela em uma propaganda de Minoxidil –, Eliete desistiu da viagem.
Hiran Queiroz foi sozinho para Amarante. A van não tinha ar condicionado nem wi-fi. No meio da viagem, o gajo parou o veículo em uma quebrada, deu um assovio para um vendedor de água-de-bica, comprou uma garrafinha meio morna e deu para o ilustre passageiro que estava ao seu lado. Foi o terceiro balde de água fria.
Para quem não sabe, a cidade de Amarante é famosa por seus cenários pitorescos, seus habitantes profundamente religiosos e seus enormes doces em formato de pênis. Sim, a cidadezinha, com sua grande arquitetura religiosa e povo agricultor, também faz uma boa linha de produtos obscenos de confeitaria.
Visitando o lugar durante as festividades de junho em homenagem ao santo padroeiro da cidade, São Gonçalo, você não consegue dar um passo sem ver um morador local brandindo um falo confeitado na sua direção.
O certo é que Amarante se tornou tão famosa por seus doces fálicos, apropriadamente chamados de “caralhinhos de São Gonçalo”, que os fabricantes da cidade agora os vendem o ano todo.
Os bolos saborosos, no formato de pau e bolas, levam uma cobertura de glacê branco (para deixar a referência bem clara, ora pois, pois!) e quase sempre são recheados com um creme bastante adocicado.
Hiran Queiroz comprou uns 50 caralhinhos para presentear seus homeboys da Cachoeirinha e levou a encomenda de volta para o hotel em Guimarães.
Uma semana depois, já em Barcelona, na Espanha, se preparando para voltar pra Manaus, a sacola de mão onde estavam os caralhinhos de São Gonçalo não passou pelo teste de raio-xis do aeroporto basco.
Na pressa de fazer as malas, Hiran havia colocado na sacola dois saca-rolha Winemaster que havia recebido de brinde de uma das 300 vinícolas que havia visitado em Portugal. Teve que mostrar o conteúdo da sacola para provar que não era terrorista.
Os fiscais bascos começaram a tirar os caralhinhos e colocar na esteira. Aí, olhavam para o Hiran e cochichavam rindo entre eles alguma coisa, que mal traduzindo devia ser do tipo “porra, mas o garotão aí gosta mesmo da fruta, né não?…”
Sério que só cachorro andando de canoa, Hiran não movia um músculo do rosto e nem abria a boca. Limitava-se a olhar, com uma perplexidade não dissimulada, para os seus caralhinhos sendo desembrulhados e exibidos ao vivo e a cores para dezenas de curiosos.
A essa altura do campeonato, a contadora Eliete Medeiros já havia se enfiado no meio da multidão de passageiros para não ser confundida com a acompanhante daquele “sujeito tarado por caralhinhos de São Gonçalo”, que havia virado o centro de atenções do aeroporto.
Meia hora depois, os fiscais liberaram os caralhinhos, mas confiscaram os saca-rolha. Foi o quarto balde de água fria.
Faltou pouco para Hiran Queiroz não pegar uma pneumonia de tanto balde de água fria que levou.
Sim, aquele José Saraiva era um grande sacana, mas São Gonçalo também não ajudou em nada para evitar o vexame em terras espanholas de seu grande devoto brasileiro! Acontece. Cada uma.