Por Simão Pessoa
Fevereiro de 1976. Em pleno sábado gordo de carnaval, o comerciário Assis Bulcão resolveu fazer uma monumental “brincadeira” em sua casa, na Cohab-Am da Raiz, com comida e bebida dando no meio da canela.
Vendedor da famosa butique Embalo’s Modas, do empresário José Barbosa, Assis Bulcão não fez por menos e recrutou as vendedoras mais bonitas da cidade, selecionando a dedo as gatinhas da Lobrás, Disco de Ouro, Embalo’s, Credilar Teatro e Belmiro’s. As garotas marcaram presença na “brincadeira”.
Eram perto de 10 beldades, que logo despertaram a cobiça dos garanhões da festa. Só elas eram tiradas para dançar, enquanto as demais garotas presentes na festa ficavam a ver navios. Irritadas com aquela situação vexaminosa, as meninas escanteadas pelos garanhões, muitas delas até bem comíveis, diga-se de passagem, começaram a abandonar o covil.
Por volta das 10h da noite, só havia na brincadeira as belas comerciárias e uns 50 machos, dispostos a matar ou morrer para dançar com uma delas. E haja músicas lentas (Elton John, Pholhas, Terry Winter, Morris Albert, Bee Gees) tocando sem parar na eletrola Nivico pés de palito.
De repente, um estribado Opala SS de cor laranja, duas portas, seis cilindros, entra na Cohab-Am da Raiz a 100 km por hora, levantando poeira, e, então, depois de dar uma escandalosa freada cantando os pneus que fez toda a vizinhança correr para a frente das casas, estaciona em frente da casa do Assis Bulcão. De dentro dele sai o despachante Antídio Weil mais sério do que defunto em velório.
Na noite anterior, durante um canavial no Top Bar, o despachante havia comprado aquele Opala SS seminovo – na verdade o carro tinha rodado apenas 50 km – do empresário Adriano Antony, o “Bacurau”, com parte do pagamento à vista e parte em cheques pré-datados, e estava pilotando o carro pela primeira vez.
O Opala SS tinha volante de três raios, painel com conta-giros (com escala até 6 mil rpm), faixas esportivas com a inscrição SS nos para-lamas, bancos individuais forrados com couro de antílope, câmbio de quatro marchas no assoalho e estava equipado com pneus tala larga, aros de magnésio, descarga Kadron e toca-fitas Roadstar. Ou seja, o Opala SS era um objeto de desejo de dez em cada dez pessoas presentes na brincadeira.
Antídio Weil logo virou o quindim das belas comerciárias recrutadas pelo Assis Bulcão.
Aproveitando a maré de sorte, o despachante perguntou, como quem não quer nada, se as beldades não queriam lhe fazer companhia em um baile de carnaval (“Uma Noite nos Mares do Sul”, que levava a assinatura do famoso carnavalesco Alberto Carreira e seria realizado no Parque Aquático do Atlético Rio Negro Clube, dali a meia hora).
As comerciárias, evidentemente, aceitaram o convite na mesma hora.
Aboletando-se uma no colo da outra, as 10 beldades entraram no Opala SS e Antídio Weil se mandou para o carnaval barriga-preta levando a reboque seu novo harém particular.
A monumental “brincadeira” do Assis Bulcão acabou na mesma hora (antes das 11h da noite!) por absoluta falta de público feminino. Todo mundo foi embora. Uma desmoralização completa!
Os números do prejuízo, em termos de biritas e acepipes que “boiaram” por falta de consumidores: 20 litros de batida “leite de tigre”, 20 litros de batida de caju, 20 litros de batida de jenipapo, 20 litros de caipirinha, 5 garrafas de Ron Montilla, 5 garrafas de conhaque Palácio, 5 garrafões de vinho Raposa, 5 grades de cerveja Brahma, 5 grades de refrigerantes, 200 sanduíches de patê de fígado, 200 sanduíches de patê de carne, 200 sanduíches de patê de galinha, 200 churrasquinhos de gato, 20 quilos de amendoim torrado, 20 quilos de castanha de caju e 20 quilos de queijo coalho.
Sem se importar com a hecatombe nuclear que acabara de provocar na casa do Assis Bulcão, Antídio Weil estacionou o Opala SS em uma viela existente ao lado da sede do Atlético Rio Negro Clube e depois foi até a bilheteria do panavueiro onde comprou três mesas. O despachante estava com a macaca.
Para entrar no clima do carnaval, ele comprou de um camelô dezenas de colares de flores, bandanas multicoloridas e vários saquinhos de confete e serpentina, malocou duas bisnagas de lança-perfumes na bolsa de uma das meninas e, aos gritos de “aloha! aloha!”, rebocou seu harém para o parque aquático, onde o baile de carnaval estava começando a pegar fogo.
O despachante se tornou o cara mais invejado da noite, tanto pela quantidade como pela qualidade do plantel. E haja lança-perfume, risinhos, uísque com água tônica, beijos na boca, caipirinha de limão, abraços apertados, champanhe, acochos rápidos, cuba libre, a mão naquilo, vinho tinto, aquilo na mão, campari com água de coco, aquilo naquilo, vodca com suco de laranja, língua com língua, gin tônica, língua no ouvido e drink dreher, que o despachante estava abusado.
A pequena trupe deixou a sede do Rio Negro com o dia já amanhecendo. Ostentando vários colares de flores amarrados na cabeça e mais alegre do que cachorro com dois rabos, Antídio Weil, abraçado com três garotas, capitaneava o resto do harém e puxava o coro: “Bandeira branca, amor / Não posso mais / Pela saudade que me invade / Eu peço paz!”
Ao chegarem na viela, ao lado da sede do clube, tomaram um susto: estava o lugar mais limpo do mundo. Os amigos do alheio haviam levado o estribado Opala SS.
Antídio Weil ficou transtornado:
– Puta que pariu, cadê meu carro?… Puta que pariu, cadê meu carro?… Roubaram o meu carro… Roubaram o meu carro… Estou fodido!… Puta que pariu, estou fodido!… Roubaram o meu carro…
Aí, sem mais nem menos, transferiu sua fúria para as meninas:
– Eu me fodi por causa de vocês, bando de muquiranas! Eu me fodi por causa de vocês! Se eu não tivesse conhecido vocês na casa do Assis eu não teria vindo para essa merda de carnaval nesse clube de merda e meu carro novinho em folha não teria sido roubado! Vocês são um bando de filhas das putas, suas piranhas desgraçadas! Saiam da minha frente senão eu vou começar a dar porrada em todo mundo… Vocês cagaram o meu pau, suas putas safadas, muquiranas de merda, vagabundas mequetrefes! Vão embora, suas ratuínas filhas da puta! Vão embora, bando de quengas fuleiras, antes que eu perca a cabeça e provoque uma tragédia!
Assustadas, as garotas saíram caminhando apressadamente em direção ao Terminal da Matriz, na tentativa de descolar um ônibus que as levasse para casa.
Ainda completamente transtornado, Antídio pegou um táxi e se mandou para a Cachoeirinha, em busca de amigos motorizados para ajudá-lo nas buscas.
Quem tinha carro mergulhou de cabeça nessa nova caça ao tesouro: Sadok Pirangy, Sérgio Mubarack, Epitácio Almeida, Rui Assunção, Wilson Fernandes, Manuel Augusto, Chico Costa, Frank Cavalcante, Nei Parada Dura, Jones Cunha, Nilton Torres, Arlindo Jorge, etc.
A Rádio Difusora começou a divulgar o roubo do Opala SS a cada 30 minutos, prometendo uma boa gratificação para quem indicasse qualquer pista sobre o paradeiro do automóvel.
O carro foi encontrado por volta das 5h da tarde de domingo, nas proximidades do igarapé do Japonês, no meio da selva existente no entorno da Colônia Japonesa.
Estava sem os quatro pneus tala larga, sem os aros de magnésio, sem os bancos de couro de antílope, sem a descarga Kadron e sem o toca-fitas Roadstar.
Não posso provar, mas desconfio até hoje de que o Assis Bulcão foi o autor intelectual da presepada só para se vingar do prejuízo pela “brincadeira” miada na Cohab-Am da Raiz.