Por Simão Pessoa
Fevereiro de 1985. O bicheiro Ivan Chibata se comprometera em financiar a fantasia da bateria do GRES Andanças de Ciganos, que naquele ano tinha como enredo os bumbás de Parintins, e vivia sob a pressão constante do presidente Vilson Benayon para repassar a “bufunfa”.
Depois de muito protelar, Ivan Chibata se encontrou com Benayon numa tarde de terça-feira e se comprometeu em dar o dinheiro da escola no ensaio da próxima sexta-feira, desde que não pintasse nenhuma zebra no jogo do bicho durante a semana.
Na manhã de quarta-feira, um crioulo sarará, dois metros de altura, forte que só a peste, olho verde, um de onça, outro de cobra, o pescoço enfeitado de cordões de ouro, mais sério do que guri mijado, se aproxima do cambista que fazia ponto em frente à Banca do Chibata e diz, resoluto:
– Mil pratas no avestruz. Na cabeça!
O crioulo pagou, deu um beijo numa medalhinha que trazia em um dos cordões e foi embora. Ivan descarregou a aposta com o bicheiro Antônio Soares, pai do Jaider Soares, eterno patrono do GRES Grande Rio.
À tarde, na extração da Paratodos, deu avestruz na cabeça. Ivan mandou Vladimir Brother ir receber o dinheiro do prêmio na casa do bicheiro Antônio Soares, com uma recomendação:
– O seu Antonio é meio desconfiado e vai te fazer um bocado de perguntas. Não responde nada. Fala que tua função é apenas receber o dinheiro do prêmio e entregar na banca.
Dito e feito. Enquanto contava os 20 mil do prêmio, o bicheiro tentava tosquiar o carneiro:
– Esse Ivan Chibata tem quantos cambistas? Porque pra pagar um prêmio desses, ele deve ter pra mais de 100… Com outro descarrego desses, eu vou mudar de ramo… Quantos rotistas ele tem? Uns 20? Porque deve ser uma banca grande pra caralho…
Vladimir Brother entrou mudo e saiu calado.
Por volta das 7h da noite, o crioulo passou na banca para receber o prêmio. Conferiu a grana, separou uma parte do dinheiro e falou, resoluto:
– No jogo de amanhã à tarde, coloca cinco mil pratas no camelo. Na cabeça!
Dito isso, o crioulo pagou a nova aposta, deu um beijo numa medalhinha que trazia em um dos cordões e foi embora. Ivan descarregou a aposta com o bicheiro Antônio Soares.
Na quinta-feira à tarde, na extração da Paratodos, deu camelo na cabeça. Nervosíssimo, Ivan mandou Vladimir Brother ir receber o dinheiro do prêmio na casa do bicheiro Antônio Soares, com uma nova recomendação:
– Agora é que o seu Antonio deve estar mesmo desconfiado e vai te fazer um bocado de perguntas. Não responde nada. Fala que tua função é apenas receber o dinheiro do prêmio e entregar na banca.
Dito e feito. Enquanto contava os 100 mil do prêmio, o bicheiro tentava tosquiar o carneiro:
– Esse Ivan Chibata tem quantos cambistas? Porque pra pagar um prêmio desses, puta que pariu, ele deve ter pra mais de 500… Com outro descarrego desses, ou eu vou mudar de ramo ou eu vou descobrir o que está acontecendo… Quantos rotistas ele tem? Uns 200? Uns 300? Porque deve ser uma banca grande pra caralho, né não? Dê um recado pro Ivan Chibata: não é nada pessoal, mas se eu sentir cheiro de marmelo, o chifre de alguém vai feder a queimado… Vá pra porra!
Como da primeira vez, Vladimir Brother entrou mudo e saiu calado.
Por volta das 7h da noite, o crioulo passou na banca para receber o prêmio. Conferiu a grana, separou uma parte do dinheiro e falou, resoluto:
– No jogo de amanhã à tarde, coloca 20 mil pratas no pavão. Na cabeça!
Dito isso, o crioulo pagou a nova aposta, deu um beijo numa medalhinha que trazia em um dos cordões e foi embora.
Ocorre que a história do crioulo bom de palpite havia circulado dentro da banca e contaminado todo mundo (cambista, rotista, conferente, segurança, tesoureiro, servente, etc.). Tudo quanto foi funcionário da banca resolveu apostar no pavão, na cabeça.
Ivan Chibata ficou transtornado: se descarregasse o total das apostas (R$ 50 mil) com o bicheiro Antônio Soares e desse pavão na cabeça, ele era um homem morto. Ninguém pagaria R$ 1 milhão de prêmio sem deixar alguns cadáveres pela estrada.
Cada vez mais nervoso, ele fez o que lhe pareceu mais lógico: bancaria, ele mesmo, a aposta. Se desse pavão na cabeça, Ivan Chibata estaria desmoralizado pelo resto da vida e seria banido do jogo do bicho por não pagar as apostas, mas ainda assim teria um capital de R$ 50 mil para iniciar uma nova profissão. Talvez voltasse a ser um vendedor de produtos farmacêuticos, quem sabe.
Na sexta-feira, antes de começar o sorteio da Paratodos, ele trancou-se sozinho em seu escritório, reuniu todas as “pules” do pavão em um gigantesco maço, sentou-se em cima e ficou aguardando o resultado ao lado do telefone vermelho, mais angustiado do que barata de ponta-cabeça.
O telefone tocou. Pálido como um defunto, Ivan Chibata começou a anotar com giz em uma plaqueta os resultados que lhe eram transmitidos do Rio de Janeiro. Quando terminou a tarefa, chamou Vladimir Brother:
– Mete no rosto a tua melhor cara de corno triste, vai lá no salão e pendura essa plaqueta de cabeça pra baixo!
Vladimir Brother obedeceu. No salão, umas 80 pessoas, entre cambistas, rotistas, conferentes e pessoal administrativo, aguardava o resultado. Quando viram a plaqueta de cabeça pra baixo, foi o maior alvoroço, com todo mundo avançado ao mesmo tempo para ver de perto os números sorteados.
Nesse momento, Ivan Chibata entrou no salão:
– Deu urso na cabeça, bando de traíras! – vociferou. – Você se fuderam comigo!
Aí, jogou a pá de cal:
– Milka, minha filha, coloca a mala de dinheiro no carro e vamos embora gastar o dinheiro desses patos, que hoje nós lavamos a burra! Vocês se fuderam comigo, seus traíras de uma figa!
Na mesma noite, Ivan Chibata pagou integralmente o valor das fantasias da bateria do GRES Andanças de Ciganos.
O crioulo sarará nunca mais acertou um jogo e terminou ficando completamente “liso” uns seis meses depois. Devolveu para o Ivan Chibata toda a bufunfa que havia ganhado antes.
As duas apostas seguidas que havia acertado tinham sido apenas sorte de principiante. Acontece. Cada uma.