Por Simão Pessoa
Fevereiro de 1985. O GRES Andanças de Ciganos leva para a Avenida Djalma Batista o enredo “Caprichoso e Garantido: Cultura Popular de Parintins”, do carnavalesco Jair Mendes. Os carros alegóricos, os tripés, os destaques de luxo e as fantasias das alas estão tão bem-acabados e bonitos que, ainda na área da concentração, os jornalistas que cobriam o evento começaram a anunciar que o carnaval daquele ano já tinha uma escola campeã por antecipação.
O presidente Vilson Benayon está com o coração a mil por hora. Os diretores de harmonia sabem que basta não ter vacilo e o título vai estar no papo. O desfile começa sob o comando da possante voz do puxador Carlinhos de Pilares, secundado por Nei Viana e Paulinho do Império.
Ricamente estilizados de Amos do Boi Garanchoso (metade da roupa na cor vermelha do Garantido, metade na cor azul do Caprichoso), Sadok Pirangy, Wilson Fernandes, Zé Alfaia, Ivan Chibata, Juarez Tavares, Umberlindo Almeida, Antídio Weil, Maurílio, Petroba, Nelito, Galúcio, Luluca e Ruizinho estão participando da Comissão de Frente. O desfile apoteótico dos amos de boi levanta a plateia.
Pela primeira vez na história do carnaval amazonense, uma Comissão de Frente desfila como se fosse uma ala sincronizada: um apito, eles se deslocam garbosamente para a frente e, depois de doze passos, ficam imóveis. Outro apito, eles tiram o chapéu e colocam na altura do peito. Outro apito, eles se viram para a lateral da avenida, cumprimentam graciosamente o público e retornam à posição original. Outro apito, eles se viram para a outra lateral da avenida, cumprimentam graciosamente o público e retornam à posição original. Outro apito, eles colocam o chapéu na cabeça e começam a dançar o dois-pra-lá-dois-pra-cá como se estivessem no Bumbódromo de Parintins. Novo apito, eles retornam aos seus lugares e permanecem imóveis. O sincronismo perfeito é de encher os olhos.
Em frente da cabine dos jurados, um torcedor dos Ciganos, mais empolgado do que de costume, começa a gritar do meio da arquibancada:
– Aí, seu Juarez, tá mandando bem!… Vai dar Ciganos na cabeça! É isso aí, meu amigo, é isso aí! Vai dar Ciganos na cabeça! A Comissão de Frente está do caralho! Está do caralho!
Na hora em que se vira para cumprimentar a arquibancada, seu Juarez vê o sujeito e, apesar de estar visivelmente mamado, reconhece o cidadão. Aquele é o Zé Raimundo, seu velho conhecido e antigo freguês da sua metalúrgica, mas que ultimamente havia se transformado em um grande amigo da onça.
Uma descarga de adrenalina vai diretamente para os colhões roxos do empresário metalúrgico. Os gritos que seu Juarez deu para o amigo da onça devem ter sido ouvidos na cabine dos jurados:
– Zé Raimundo, filho da puta, me paga o que tu deve, desgraçado, ou então me devolve a porra dos vergalhões que tu levou! Já protestei três vezes aquele teu cheque sem fundo, corno de uma figa! Me paga o que tu deve, filho de uma rampeira leprosa com pai sifilítico! Me paga o que tu deve senão vou encher tua cara de chumbo, viado safado, corno da moléstia, cabrão com a mãe na zona, filho da puta bandido!
Dito isso, seu Juarez abandonou a Comissão de Frente e saiu correndo atrás do cidadão. O amigo da onça escafedeu-se no meio da multidão. Seu Juarez pulou o alambrado que separava o público dos brincantes e continuou sua perseguição no meio da arquibancada, derrubando quem estivesse pela frente, numa confusão da moléstia.
Metade da Comissão de Frente saiu correndo atrás de seu Juarez, que já havia tomado todas e estava pra lá de Marrakesh. Depois de muito puxa-e-encolhe, conseguiram trazê-lo de volta pra avenida na base da gravata. O tal Zé Raimundo havia sumido no trecho.
Como sói acontecer nessas ocasiões, os jurados não gostaram de ver aquela presepada no meio da avenida do samba e, claro, deram a nota mínima para a Comissão de Frente. O GRES Andanças Ciganos acabou em 3º lugar.
O presidente Vilson Benayon queria comer o fígado do seu Juarez.