Por Simão Pessoa
Dezembro de 1984. Casado com Mary Jane, uma das irmãs do jornalista Mário Adolfo, o boa-praça Humberto Menta Filho criava um bonito cãozinho da raça Beagle, que era seu verdadeiro xodó. Não era pra menos. Quem já teve a oportunidade de conviver com um beagle, sabe que essa raça possui um temperamento extremamente estável. Sempre alegre, sempre de bem com a vida, o beagle é simplesmente incapaz de morder uma criança. Para que chegue a isto, é preciso que sua paciência seja levada aos últimos limites. O fato é que o beagle do Humbertinho era quase como se fosse seu filho primogênito.
Com o passar dos anos, entretanto, o cãozinho desenvolveu uma doença incurável e, para evitar seu sofrimento, Humbertinho resolveu sacrificá-lo. Como ele próprio não teria coragem de matar seu primogênito, procurou a ajuda do policial Zé Guarda, que morava próximo do cruzamento das ruas Borba e Parintins, nas imediações do Bar do Aristides.
Chorando muito, Humbertinho contou seu drama ao policial, que aceitou a incumbência de sacrificar o animal sem provocar nenhum sofrimento adicional: com um simples tiro à queima-roupa no meio da cabeça.
Humbertinho entregou ao policial um revólver Taurus 38 previamente carregado, se despediu do cãozinho e foi para a casa da sua sogra, dona Inês, esperar pelo desfecho da tragédia.
Umas três horas depois, sem ter escutado um único estampido, Humbertinho voltou à casa de Zé da Guarda para saber o que estava acontecendo.
– Cadê o meu cachorrinho? – indagou Humbertinho.
– Ele já foi sacrificado. Não foi isso que você me pediu? – devolveu, ríspido, o policial.
– Mas eu não escutei nenhum tiro! – insistiu Humbertinho.
– Não carecia gastar bala com ele não! – avisou Zé da Guarda, enquanto devolvia a arma para Humbertinho. – As balas vão ficar comigo pelo pagamento do serviço…
Nervosíssimo, Humbertinho se encrespou:
– Se não foi de tiro, como foi que o senhor sacrificou o meu cachorrinho?
– Eu matei ele a pauladas e joguei o corpo no lixo! Os lixeiros já até levaram o corpo… – explicou candidamente o policial, apontando para um pedaço de cano de ferro banhado de sangue jogado no terreiro da casa. – Foi preciso dar umas seis pauladas com esse cano de ferro na cabeça do desgraçado pra ele conseguir morrer… O cachorrinho era tinhoso!
Humbertinho enlouqueceu de ódio ao imaginar o sofrimento do seu beagle nas mãos de Zé Guarda.
– Eu vou te matar, seu filho da puta, eu vou te matar! Eu vou te dar um tiro no meio da cara! Eu vou te matar, eu vou te matar! – dizia ele, tentando avançar em direção ao policial, mas sendo contido pela esposa Mary Jane e pelas cunhadas Marília e Mariluce.
Sem mover um único músculo do rosto, Zé Guarda apenas contemporizava:
– Mata nada! Mata nada! Tu não teve coragem de matar um cachorrinho, vai agora matar um policial?!… Mata nada! Mata nada!
Humbertinho ficou tão traumatizado que nunca mais quis criar cachorros.