Club dos Terríveis

O Dia do Orgulho Hétero

Postado por Simão Pessoa

Por Edson Aran

Esse texto foi publicado na revista “Vip” no distante ano de 2002. Era um tempo diferente. Existiam publicações masculinas como “Maxim” e “FHM”, séries de TV estilo “Sex and the city”, comédias do “Austin Powers” e programas sem noção tipo “The Man Show”, como uma versão bem mais doida do Jimmy Kimmel. E, mais importante, a ironia não precisava vir com hashtag para tranquilidade dos incultos, digo, incautos. Um texto como esse ainda pode ser publicado? Deixe suas impressões nos comentários. Eu só modifiquei a “sigla”, o restante ficou igual.

Como acontece todo ano, uma multidão de LGBTQIAP+ (lacônicas, gnomos, barmen, tapeceiros, quitandeiros, irlandeses, anarquistas, panamenhos plus) sai às ruas de São Paulo para comemorar o Dia Internacional do Orgulho Gay.

Dá para entender a existência de homens que praticam o amor que não ousa dizer seu nome. O.k. Tudo bem. Mas é motivo de orgulho preferir o Vampeta a uma… uma… bem, a uma… lambreta?

Sim, é! É, sim!

Não seja reacionário, leitor. Nesta época globalizada pós-freudiana e pós-marxista, com a civilização ocidental caminhando rapidamente para o declínio, fazer um sexozinho gostoso não é o suficiente. Não, não, não.

É preciso gritar nas ruas as nossas preferências (“Me chama de Big Brother Brasil e devassa a minha intimidadeeee!”). É preciso expor as nossa taras (“Me chama de pastel e me enche de carneeeeeee!”). É preciso, enfim, botar a cama na janela (“Me chama de World Trade Center e explode dentro de mimmmm!”).¹

Não temos motivos para nos envergonhar de nada. Nada. Vamos todos sair alegres e saltitantes pelas ruas. Os zoófilos e suas cabras. Os coprófilos e seus penicos. Os pedófilos e seus turíbulos. Os podólatras e seus sapatos. Os necrófilos e suas esposas inglesas.

Não nos acovardemos. Mesmo nós, homens heterossexuais, que gostamos simplesmente de mulher, não devemos temer a ira da sociedade. Gostamos de mulher, sim, e daí? Eme-u-éle-e-acento-no-e. Mulher. Por quê? Vai encarar?

Mesmo que sejamos discriminados, não podemos nos render. Vamos dizer bem alto: “Mulher é bom e é legal! Tenho orgulho de ser heterossexual!”.

Nós, a minoria heterossexual, temos que nos organizar e fazer também a nossa marcha. Por isso, a partir desta data, convoco os companheiros heterossexuais a entrar para o M.A.C.H.O. (Movimento de Ação Comum do Heterossexual Oprimido).

O M.A.C.H.O. vai organizar churrascos, peladas e campeonatos de monster trucks para ajudar o movimento a crescer e engrossar.

O M.A.C.H.O. vai montar um comitê de vigília para que a mídia não mostre heterossexuais estereotipados e caricaturas nos programas de humor. Carlos Maçaranduba denigre a nossa imagem. Buuu. Fora.

O M.A.C.H.O. vai promover e divulgar a obra dos mais importantes artistas e intelectuais heterossexuais de todos os tempos. Andy Warhol, não! Picasso, sim! Marcel Proust, não! Machado de Assis, sim! Virginia Woolf ruim! Ernest Hemingway bom! Gugu bobo! Ratinho bacana!

O M.A.C.H.O. vai criar o Dia Internacional do Orgulho Hétero para que possamos sair às ruas com a cara cheia de manguaça e vestidos de mulher! Oba, oba!

Pensando bem, é melhor rever esta última proposta.

O que importa é que nós, homens heterossexuais, estamos unidos por um mesmo ideal: ficar desunidos o mais rápido possível e arranjar uma mulher pra gente se unir!

Mulher é bom e é legal, tenho orgulho de ser heterossexual.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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