Por Edson Aran
No mundo dos algoritmos, fake news e mídia transnacional, o que importa não é o fato, mas a versão. O fundamental é construir uma narrativa que seja mais efetiva que a do vizinho. Só isso. Para explicar como a coisa funciona, vamos de Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Mau.
A FÁBULA CLÁSSICA
Era uma vez uma menina chamada Chapeuzinho Vermelho que morava com a mãe numa aldeia. Ela era chamada assim porque sempre usava uma capa vermelha com um gorro, presente da sua querida vovó. Um dia, a mãe da menina disse a ela:
“Aqui estão alguns doces para você levar para a vovó. Mas vá sempre pela estrada que contorna o condomínio e não entre na floresta. O caminho por lá é mais longo e perigoso”.
Logo na primeira esquina, Chapeuzinho Vermelho encontrou um Lobo Mau faminto que estava decidido a comer a menina ali mesmo. Mas o lugar era bem iluminado e cheio de gente, então o Lobo resolveu disfarçar suas intenções.
“Para onde você vai, linda menininha do chapeuzinho vermelho?”, ele perguntou.
“Estou levando doces para a vovozinha…”, ela respondeu.
“E ela mora sozinha?”
“Mora sim, coitadinha…”
“Ah, então você devia ir pela floresta, que é um caminho bem mais curto. Você pode ir e voltar rapidinho para jogar videogame…”
“Mas minha mãe falou que esse caminho é demorado, a floresta não é segura e está cheia de lobos…”
“Que nada! É que a sua mãe sai pouco de casa. Aqui tem muito mais lobos do que na floresta, pode acreditar. Vai por lá que é garantido.”
Chapeuzinho Vermelho acreditou no Lobo Mau e mudou a rota. Enquanto isso, o meliante correu pelo caminho mais curto, encontrou a vovó sozinha e comeu a pobrezinha. Depois vestiu as roupas dela, deitou-se na cama e ficou esperando Chapeuzinho Vermelho chegar para completar a refeição e degustar uns docinhos de sobremesa.
Finalmente, a menina apareceu e foi correndo ao quarto da vovó, mas percebeu que alguma coisa ali estava muito errada.
“Vovó, por que seu olho é tão graaaande?”
“É pra te ver melhor, minha netinha…”, respondeu o Lobo se aproximando.
“Vovó, por que seu nariz é tão graaaande?”
“É pra te cheirar melhor, minha netinha…”, disse o lobo abraçando a menina.
“Vovó, por que sua boca é tão grande?”
“É pra te comer, gostosinha!”, respondeu o Lobo Mau, apertando a Chapeuzinho Vermelho.
Desesperada, a menina gritou:
“Socorro! É o Lobo! É o Lobo! Socorro!”
Nisso, um caçador ia passando, escutou a gritaria e correu até lá. O Lobo Mau já tinha comido metade da Chapeuzinho quando levou um tiro bem no meio da testa. Morreu na hora. O Caçador abriu a barriga do animal com uma faca e tirou a Chapeuzinho Vermelho e a vovó, que ainda não tinha sido digerida.
E todos viveram felizes para sempre.
A NARRATIVA DA MÃE DA CHAPEUZINHO
Olha, o problema dessa tal Geração Z é que ela acha que sabe tudo, entende? Eu falei para ela ir pelo caminho seguro, mas ela escutou? Não! Claro que não!
“Eu ando por onde eu quiser e ninguém vai me impedir!”, ela disse.
“Mas fora do condomínio tá cheio de lobo, Chapeuzinho! É um perigo!”, eu falei.
Sabe o que desaforada respondeu? Sabe?
“Você foi tão doutrinada por essa sociedade opressora que nem sabe mais o que é verdade e o que é fake news, mãe! O lobo é uma vítima, tá ligada? Uma vítima!”
Agora virou esse rolo. Tô gastando uma grana preta com advogado pra provar que ela não conhecia o Caçador e que a morte do Lobo Mau foi apenas um acidente.
Filho só dá trabalho. A culpa é minha, eu sei. Fui eu quem educou essa malcriada. Agora, uma coisa tenho que dizer a meu favor: eu criei minha filha sozinha. Ou você já ouviu falar no pai da Chapeuzinho Vermelho?!
A NARRATIVA DA AVÓ DA CHAPEUZINHO
Eu tive filha muito nova, meu bem, por isso fiquei avó muito cedo. Eu me sinto jovem, por dentro e por fora, sabia? Uma mulher de quarenta anos é velha? Claro que não. Isso é etarismo! Isso é ageísmo! Isso é preconceito!
Aí aparece um Lobo na porta, cheio de maldade e dizendo que veio aqui pra me comer… Eu não ia abrir? É claro que eu abri, ora. Abri muito. Sempre gostei de caras peludos e com uma pegada meio animal… uma coisa selvagem, sabe. O problema é que ele queria me comer e não… me comer. Entende? O problema foi esse. Ainda bem que o Caçador estava passando, escutou os gritos da Chapeuzinho Vermelho e salvou a gente. Aliás, o Caçador é um gato, reparou?
A NARRATIVA DO CAÇADOR
É claro que eu ando armado, porra! Todo mundo devia andar armado. Todo mundo! Qual é o problema? Antigamente, a gente dormia de janela aberta, nenhuma porta tinha tranca. Agora não! Tem lobo pra todo lado e ninguém aguenta mais. Cadê a segurança pública, hein? Cadê a Segurança Pública?! É cada um por si nessa merda!
Quando escutei os gritos da menina, já cheguei de arma na mão. Ia levar o quê? Um buquê de rosas pra oferecer pro meliante?! O Lobo Mau quis reagir, mas eu enchi ele de bala. Seis tiros na cara. Pá, pá, pá. Vou lá dar mole pra vagabundo?
Agora fica esse pessoal dos Direitos Humanos dizendo que o bicho estava desarmado. Claro que estava, cacete! Ele é lobo, porra! Alguém já viu lobo andar armado?! E a menina que eu salvei? Disso ninguém fala E a coroa jeitosa?! Isso a mídia não mostra. Essa merda de floresta já virou a Venezuela, puta que me pariu!
A NARRATIVA DA CHAPEUZINHO
Não é que eu conhecia, sabe, mas a gente já tinha ficado. Fazia tempo, mas tinha. De qualquer forma, foi uma coisa de momento, tá ligado? Eu tinha umas balinhas e ele pediu para experimentar. Foi só isso. Quando o doce acabou, eu falei para ele me esperar na casa da minha avó, que eu ia conseguir mais.
Nem passou pela minha cabeça que ele pudesse comer a minha avó, gente. Credo! Ela tem idade pra ser minha… minha… bem, minha avó, né? Fala sério!
Quando cheguei lá e vi aquilo, dei um gritão, o Caçador escutou e já chegou atirando. Não perguntou nada, só foi atirando. Eu não tenho culpa, doutor. O Caçador é que é um homem cis-hetero patriarcal e naturalmente violento. Agora aprendi que lobo não é a minha. De jeito nenhum. Capivara, ariranha, tamanduá… isso, tudo bem. Lobo não. Lobo nunca. Aquilo foi só um momento, uma bobagem minha, doutor. Nunca mais vai se repetir. Eu só fui levar uns doces para a vovozinha.