Humor

O Guia Esnobe do EUROTRASH

Tudo o que você precisa saber sobre porcaria chique
Postado por Simão Pessoa

Por Edson Aran

Sou muito fã de Eurotrash.

Mas chi cazzo è questo?, pergunta a leitora. E ela está certa. Ninguém é obrigado a saber que porcaria é essa.

Eurotrash é um produto cultural europeu que mistura vulgaridade com pretensão. O Velho Continente é frequentemente associado à alta cultura: Renascença, Shakespeare, Cervantes, esses troços. Mas pra cada mozzarella italiana tem um queijo francês fedorento e pra cada Laurence Olivier existe um Jeremy Irons.

Um ótimo exemplo de Eurotrash é filme com halterofilistas besuntados atirando pedras de isopor uns nos outros. Lembra disso? Esses divertidos épicos italianos duraram dos anos 60 (“Hércules e Sansão contra Maciste na Atlântida”) aos 80, quando eram produzidos diretamente pro videocassete (“Os Irmãos Bárbaros enfrentam a Feiticeira Seminua”).

Mas foram nessas produções mezzo Novela-Bíblica-da-Record, mezzo filme da Marvel que Sergio Leone e Sergio Corbucci estrearam na direção. Sem Hércules não haveria o Estranho Sem Nome e nem as trilhas sonoras de Ennio Morricone. Além disso, os caça-níqueis kitsch fabricavam dinheiro para a Cinecittà financiar a opulência de Federico Fellini – que, aliás, flerta bastante com o Eurotrash. Mario Monicelli com sua “L’Armata Brancaleone” e Ettore Scola com seus “Feios, Sujos e Malvados”? Totalmente Eurotrash! Pasolini, então, é lixão no úrtimo.

Nada contra. O Eurotrash pode ser muito divertido, seja no cinema ou no Festival Eurovisão da Canção, a coisa mais brega que aconteceu na história da humanidade. E eu não me esqueci do programa Raul Gil. Quem cresceu nos anos 80, certamente se lembra de um grupo performático euro-esquisitão que cantava “Genghis, Genghis, Genghis Khan, deixa na história uma página de dor, era o Genghis, Genghis, Genghis Khan, e a todos que encontrava, matava e queimava, hahahahahaha, Genghis, Genghis, Genghis Khan…”

Bem, o grupo brasileiro era apenas uma franquia do original alemão, revelado no Eurovisão de 1979. Alemão adora uma porcaria. O programa de TV “Eurotrash”, um show de variedades apresentado por Jean-Paul Gautier e Antonie de Caunes, tinha até um quadro chamado “a hora do alemão pelado”, com comedores de chucrute mostrando o bingolim sem motivo algum. Exibido aqui pelo EuroChannel, a atração durou de 1993 a 2004 e teve 134 episódios.

Antonie de Caune e Jean-Paul Gautier no programa Eurotrash

Mas se você acha que Genghis Khan ainda é pouco, que tal os ingleses da banda Right Said Fred recitando “I’m too sexy for my shirt, too sexy for my shirt, so sexy it hurts, I’m too sexy for Milan, too sexy for Milan, New York and Japan…”

Ser sexy é fundamental ao Eurotrash. Pode ser Jane Fonda vestida (?) de “Barbarella” no filme do Roger Vadin, as noivas vampiras de Christopher Lee nas produções da Hammer ou a Jane Birkin gemendo em “Je t’aime…mois non plus”. Na linha pornô-chique ainda tem as HQs do Milo Manara, a inesquecível série cinematográfica “Emanuelle” e a eleição para o parlamento italiano da húngara Ilona Anna Staler, a Cicciolina.

E falando em gente sem classe, tem coisa mais Eurotrash do que o Karl Marx entregando o futuro da civilização pra proletada alemã? Ou Jacques Derrida num desconstrutivismo mais furioso que a especulação imobiliária em São Paulo? Ou Theodor Adorno escrevendo canções pros Beatles (hahahaha) a fim de destruir o Ocidente? Fala sério. Todo mundo sabe que os Sex Pistols são muito mais eficientes. “God save the queen, the fascist regime, they made you a moron, a potential H Bomb… no future, no future, no future… for you!”

O bom do Eurotrash é que você pode usar o termo sem receio de linchamento virtual. O europeu virou vilão de filme da Disney. Não importa se é Rosseau, Voltaire ou Sartre; Wagner, Bach ou Beethoven; Dante, Eco ou Calvino. Se é europeu, pode odiar sem medo de ser feliz.

Malditos vendedores de espelhinhos!

“I’m too sexy for my love, too sexy for my love, love’s going to leave”

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment