Memória Viva

Manaus350: A Vila da Barra

Postado por Simão Pessoa

No dia 24 de outubro de 1848, a vila de Manaus atingiu a maioridade política, recebendo a denominação oficial de cidade da Barra do Rio Negro. A mudança do nome era uma clara alusão às próprias origens da cidade: o antigo Lugar da Barra, que começou a se formar em 1669, ao redor da fortaleza de São José do Rio Negro. Manaus nasceu aldeia mestiça de índio com português, e de tanto ouvir dizerem “sou da Barra”, “aqui é a Barra”, o novo nome acabou sendo adotado. Lugar da Barra do Rio Negro. O termo “barra”, em português castiço, era sinônimo de foz.

O pequeno aldeamento conservou o nome de batismo até 1833, quando foi elevada a vila e se tornou a sede do termo principal da Comarca do Alto Amazonas. Passou então a se chamar Manaus e ganhou sua própria estrutura administrativa e judiciária, com juiz de direito, juiz de órfãos, promotor público, comandante militar, vigário geral e Câmara Municipal. O título de cidade somente seria conquistado em 24 de outubro de 1848, dois anos antes da criação da Província do Amazonas (1850), incansavelmente reivindicado pelos amazonenses desde antes do Império.

O nascimento de Manaus em 1669 e a conquista de sua maioridade política em 1848 são fatos históricos que não podem – nem devem – ser confundidos. Quando alguém diz que Manaus tem 171 anos, passa-se a ideia absurda de que convém destruir o passado e fazer uma grande fogueira com quase 200 anos de História que não interessam a ninguém. É como se a transferência da sede da Capitania de São José do Rio Negro, de Barcelos para o Lugar da Barra, em 1791, não tivesse ultrapassado os limites da imaginação de Lobo D’Almada. Ou se os amazonenses não tivessem ousado proclamar a Província do Rio Negro e pegar em armas para defendê-la na trincheira das Lages, em 1832. Ou, ainda, se a vila de Manaus não tivesse sido tomada pelos Cabanos em 1836. Em suma: é como se o Lugar da Barra fosse uma lenda e Manaus tivesse começado a existir por força da lei nº 147, de 24 de outubro de 1848.

Como já foi dito antes, a região onde está situado o Estado do Amazonas nem sempre pertenceu por direito a Portugal. Ela era parte integrante da Espanha, nos primeiros anos que sucederam ao descobrimento da América, mas foi ocupada e colonizada pelos portugueses e posteriormente foi incorporada definitivamente ao Brasil. Em 3 de junho de 1542, o rio Negro foi descoberto pelo espanhol Francisco Orellana que lhe batizou com esse nome. Entretanto, só em 1639, é que a expedição do português Pedro Teixeira tomou posse do rio Amazonas em toda sua extensão, em nome da coroa portuguesa.

Antes de os europeus chegarem à Amazônia, no século 16, os povos indígenas que habitavam a região eram muito numerosos e diversificados, estando divididos em várias e diferentes nações, com línguas e costumes próprios. Basicamente, dedicavam-se à pesca e à cultura da mandioca e promoviam um intenso comércio intertribal. Moravam em habitações amplas e arejadas, feitas de troncos de árvores e cobertas de palha, denominadas de “malocas”.

Dentre os povos que habitavam a parte ocidental da Amazônia, vários deles se destacavam pela valentia e heroísmo ante os conquistadores: os manaós, os mura, os baré e os baniwa. Os manaós constituíam o grupo étnico mais importante da área onde está localizado o município de Manaus e habitavam as duas margens do Rio Negro, com população estimada em cerca de 10 mil índios no século 17, número avaliado após os primeiros violentos choques travados com os invasores portugueses.

O período de povoação da Amazônia se inicia entre os anos de 1580 a 1640, época em que Portugal e Espanha permaneceram sob uma só coroa, tendo os portugueses penetrado no vale amazônico sem desrespeito oficial aos interesses espanhóis. Devido aos interesses comerciais portugueses, que não viam na região a facilidade em obter grandes lucros a curto prazo, pois a região era de difícil acesso e desconheciam a existência de riquezas (ouro e prata), a ocupação do lugar onde se encontra hoje a cidade de Manaus foi bastante demorada.

As primeiras tentativas de ocupação da região ocorreram através das tropas de resgate portuguesas que, com objetivo de capturar novos escravos para seus empreendimentos agrários, invadiram a região à caça dos indígenas. Ao redor do pouso das tropas começaram a surgir os aldeamentos dos índios, que em seguida eram pacificados pelos religiosos. Um outro motivo para a colonização da região foi impedir a intromissão dos inimigos (estrangeiros) da Coroa Portuguesa, principalmente ingleses, franceses e holandeses, que haviam se estabelecido na região posteriormente conhecida como “Guianas”.

A presença de portugueses na região onde está localizada a cidade de Manaus ocorreu pela primeira vez com tropas de resgate comandadas pelo cabo Bento Miguel Parente, que saiu de São Luís do Maranhão em 22 de junho de 1657, acompanhado de dois padres, Francisco Veloso e Manuel Pires. Rezam as crônicas que, à partida dessa bandeira, foi feita uma pregação pelo Padre Antônio Vieira, o grande orador sacro. A tropa fixou-se por algum tempo na foz do rio Tarumã, onde foi fincada uma cruz e, como de costume, foi rezada uma missa. Em 1658, a tropa expedicionária de Bento Maciel abandonou a nova povoação e tomou o rumo do Pará, sendo depois dizimada nas lutas com os indígenas daquela região.

A 15 de agosto daquele mesmo ano, uma segunda tropa de resgate partiu novamente do Maranhão, fixando-se as margens do rio Tarumã, no mesmo local em que Bento Maciel se detivera. Nesse período as tropas de resgate já procuravam também, além dos indígenas, as chamadas drogas do sertão. Os indígenas tinham suas aldeias saqueadas, aqueles que se rebelavam eram mortos, pois não pretendiam tornarem-se escravos. A expulsão dos jesuítas do Brasil, que eram os pioneiros e principais animadores desses empreendimentos, traria como reflexo o fracasso do plano de colonização, que só seria retomado muitos anos depois.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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