Por Luiz Carlos Miele
“Atenção, passageiros da ponte aérea com destino ao Rio de Janeiro.” Eu sou paulista, mas, por conta das produções de O fino da bossa e do Show em Simonal, tive que ficar mais em São Paulo que no Rio de Janeiro, pois os programas eram semanais.
Durante muito tempo, os artistas que ficavam em hotel em São Paulo se hospedavam no Normandie, no início da avenida Ipiranga. Não era um hotel de cinco estrelas, muito embora hospedasse dezenas delas. Os hotéis de luxo e demais mordomias aconteceram na geração que veio imediatamente a seguir. Muitos artistas participaram dessa mutação, como Caetano, Gil, Gal etc.
Elis morava num quarto-e-sala pertinho do hotel, cheio de bonecas, as que cabiam no pequeno apartamento. E já era líder do programa mais famoso de música brasileira. Os artistas brasileiros ainda não conheciam as listas que determinavam as dezenas de itens que hoje provêm os camarins.
As listas foram copiadas dos contratos dos artistas americanos e fizeram o maior sucesso. Eu participei da geração anterior e, no início do culto dos superstars, ficava muito surpreso ao me deparar com aqueles pedidos.
Hoje apenas me divirto, mas lembro como eram os pedidos para os camarins de Tom Jobim, Elizete Cardoso ou Dorival Caymmi, por exemplo: algumas doses de uísque, café, biscoito cream-cracker, água, um cinzeiro.
Relação do camarim de qualquer estrela atual (Pop-Sertaneja-Pagodeira-do Samba ou do Axé): duas garrafas de uísque (Black Label ou Old Rarety), três garrafas de vinho Maison de la Frescure-Safra 1996 tinto (resfriado), três garrafas de vinho branco no balde de gelo (já abertos), oito toalhas (quatro brancas e quatro pretas), sabonetes (um Dove e um Soapex-medicinal), papel higiênico (menos o Neve), uma garrafa térmica com café sem açúcar, uma garrafa térmica com café previamente adoçado, uma garrafa térmica com chá (aliás duas, sem açúcar e adoçado), uma TV em cores (com canais de TV a cabo), três linhas telefônicas (uma delas bloqueada, não podendo receber ligações), uma mesa de massagens (só a mesa, o personal massage é “personal”), duas garrafas de champagne Don Perignon (fechadas), biscoitos (integrais), frutas (da estação), salgados e frios (relação à parte, sujeita a alteração dependendo de uma ou mais apresentações). E, caso se trate de uma dupla, a produção providenciará duas listas diferentes.
De qualquer maneira, a ponte aérea me transportou de uma geração para outra. Ida e volta. Logo que cheguei ao Rio, depois de uma temporada difícil no Catete e em Laranjeiras, fui finalmente levado a Ipanema e ao bar Jangadeiro. Foi como se eu houvesse entrado num filme em que todos os figurantes eram famosos.
Nas mesas, como quaisquer mortais, estavam Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Luiz Bonfá, Rubem Braga, Glauber Rocha, Tonia Carreiro, Cesar Thedin, Marcos Vaconcelos, Jaguar, Ziraldo, Sergio Ricardo, Ronaldo Bôscoli, Albino Pinheiro, Sergio Bernardes, Caio Mourão e talvez mais umas dez ou quinze pessoas que não tinham saído (ainda) em fotos na primeira página dos jornais.
Isso foi numa terça-feira, pensei que era aniversário de alguém, mas a moça que tinha me levado garantiu que era toda tarde assim. E a noite mais ainda, é lógico. Fiquei fascinado com essa democrática aproximação com a “inteligência” carioca. Em São Paulo, você não encontrava o equivalente cultural paulista tão disponível no bar da esquina.
Como eu tinha vindo para a TV Continental, que não tinha uma grade completa de programação, passei a produzir um programa chamado Documentários de Arte. A cada semana levava alguém dessa “turma do bar”. Isso fez com que eu fosse imediatamente “adotado” por aqueles que eram os meus ídolos.
Marcos Vasconcelos, que citei no início, foi o mais importante deles. Excelente arquiteto, desenhista de humor do primeiro time, eventual compositor – escreveu para João Gilberto e Elis a letra de Samba da pergunta (“Ela agora, mora só no firmamento ou então no pensamento”) e, com seu parceiro Pingarilho, compôs ainda Samba de Rei e outras músicas – escritor de fino e raro humor (publicou Brasil, a marca da Zorra), era uma das figuras mais queridas e respeitadas pelos seus pares. Mas, de maneira estranha, foi o único deles cujo talento não ultrapassou os limites de Ipanema e do Rio de Janeiro.
Marcos ficava honestamente preocupado com minha ansiedade em tentar realizar o meu show, ou produzir em espetáculo de teatro ou dirigir um grande programa de televisão ou tentar o cinema, sem, na verdade, conseguir naquela época nenhum resultado. Sua tentativa de fazer com que eu me decidisse e me dedicasse efetivamente a uma dessas atividades se traduziu numa crônica que ele publicou no Caderno B, depois de me avisar pela manhã, pelo telefone:
“Olha aí, ô Miele, compra o Jornal do Brasil e presta atenção no recado”.
A crônica tinha o seguinte título, “A D’Ugo Miele – Um Bicho Tem Sete Cabeças” e contava a história de um empresário que procurava o dono do circo:
– O senhor é o dono do circo? Pois eu tenho uma atração especial.
– Todo dia me oferecem uma atração especial. Qual é a sua?
– Eu tenho um bicho que tem sete cabeças.
– Sei. E daí?
– Como, e daí? É um bicho com sete cabeças. Todas vivas.
– OK, tudo bem. Mas o seu bicho anda no arame?
– Não. Já disse, meu bicho é espetacular porque tem sete cabeças.
– Isso eu já entendi. Mas seu bicho é um palhaço, diverte as crianças, salta no trapézio, doma os leões?
– Não, não faz nada disso, mas tem sete cabeças. Isso não faz dele uma atração especial?
– Não. E não me interessa. Seu bicho tem muito talento, mas não tem aptidão.
Ainda sob o impacto do texto do Marcos, recebi um convite surpreendente do Paulo Cesar Sarraceni para ser diretor de produção do filme Porto das Caixas, que se tornou um dos marcos do Cinema Novo. Sarra tinha voltado da Europa premiadíssimo com seu documentário Arraial do Cabo, que havia realizado junto com Mario Carneiro, que seria também o diretor de fotografia de Porto das Caixas. Quando respondi que nunca havia feito cinema, além de algumas dublagens, o Sarra respondeu: “É isso que eu quero. Gente nova, com vontade de fazer.”
E foi com esse tesão, e talento é claro, que com pouquíssimas e precárias condições, ele realizou esse e outros filmes muito importantes.
Certa vez, recebi no Rio de Janeiro um diretor americano do qual não lembro o nome. Fui o cicerone para aqueles programas tipo ensaio da Mangueira. O americano havia dirigido Tai Pan e Pássaros feridos e havia sido diretor da segunda parte de Funny girl.
Mostrei o filme da Sarra para ele, que gostou muito, ficou impressionado com o material (nenhum) que o Mario Carneiro havia utilizado para algumas cenas de interiores. Perguntou quanto o filme havia custado e, quando eu disse, ele contou que com aquela verba, que era a verba total do filme, havia rodado uma cena de exatamente quatro minutos com a Barbra Streisand e o Omar Shariff.
“Atenção, passageiros da ponte aérea com destino ao Rio de Janeiro. Informando que, a partir dessa página, as histórias de Luiz Carlos Miele não obedecerão a nenhuma ordem cronológica.”
Pois bem, depois dessa aventura junto à turma do Cinema Novo, veio afinal o encontro com Ronaldo Bôscoli e o Beco das Garrafas, o que narrei em outro momento do livro. Lembro de alguns detalhes do apartamento na rua Otaviano Hudson.
Houve um tempo em que Ronaldo abrigava, além de Chico Feitosa, um rapaz chamado Luiz Carlos Dragão, pois soltava fogo pelas ventas, e este locutor que vos fala. Chico era um dos titulares da cama de casal. Mas não havia nada entre eles. Eram apenas bons parceiros. Como na canção famosa, É fim de noite, que deu ao Chico um dos mais charmosos e boêmios apelidos do Rio de Janeiro, “Chico Fim de Noite”. Charmoso e mentiroso, pois ele dormia antes da meia-noite, só ganhou o apelido por causa da canção.
Só havia a tal cama de casal. E um sofá. Acredito que foi nesse sofá que João Gilberto dormiu durante algum tempo. Usava o sofá e também algumas peças de roupa do Ronaldo. A suéter da foto da capa do seu primeiro disco era do Ronaldo. Tem também a história dele cantando O pato para Ronaldo, às quatro da manhã, que o Ruy Castro conta em seu livro Chega de saudade. Para mim, sobrou a história do sofá.
Quem chegasse mais cedo, eu ou Dragão, dormia na estrutura do sofá. O retardatário, nas três almofadas do mesmo, que a gente colocava no chão. Agora, tentem dormir em três almofadas. Cada parte do corpo fica numa delas, de maneira que, durante a noite, a bunda vai para um lado, a cabeça para outro e as pernas para uma terceira posição. Assim que a Debora Colker experimentar, teremos uma nova e maravilhosa coreografia.
O mais excitante do quarto-e-sala era o fato de que o banheiro ficava dentro do quarto do Ronaldo. Quer dizer, quando ele tinha alguma cliente no lugar do Chico, que, providencialmente, havia sido expulso para a casa dos pais, pintava o problema da ocupação do banheiro, por mim e pelo Dragão. Mas Ronaldo adorava a molecagem de embaraçar a namorada daquela noite:
– Ô Miele, pode passar para o banheiro que ela não vai reparar. Lembra dela, não lembra? Você conheceu lá no show do Tito Madi.
Era muito divertido e também muito embaraçoso. Ainda mais porque o único cobertor era todo queimado de ferro que usávamos para passar nossas camisas e que, invariavelmente, esquecíamos ligado. Ficava todo esburacado, de modo que se tornava difícil para a moça cobrir todas as partes. Muitas futuras capas de revistas encararam aquele cobertor.
Um pouquinho depois dessa fase… bem, a aeromoça já avisou que a cronologia dançou, não foi? Houve época do Jovem Flu. Eu, Ronaldo, Nelsinho Motta, Carvana, João Albuquerque, Leonam, Paulo Cesar de Oliveira e Otavio Afonseca frequentávamos o bar das cadeiras sociais do Maracanã, vendo inclusive o jogo. Otavinho já se foi, seu falso mau humor faz uma falta danada. Ele casou com Anna Maria Tornaghi, viramos compadres e amigos para sempre.
Num dos meus aniversários, Anna preparou em sua casa uma verdadeira festa de arromba para mim. Eu levei o conjunto que fazia o show, liderado pelo Aécio Flávio. A lista de convidados da Anna Maria foi a mais divertida que eu já vi. Artistas, a turma da sociedade, jogadores de futebol, modelos, maus exemplos, tinha de tudo, como convém a uma festa bem produzida. É claro que surgem “diálogos impossíveis”, como o de Nélson Cavaquinho e o ministro Severo Gomes.
– Nélson Cavaquinho, meu querido. Eu sou um grande fã de suas músicas e de seu talento. E me preocupo com a batalha de vocês. Sei como é difícil e sacrificada a vida do artista em nosso país.
– Pois olha, doutor Severo, o senhor vai me desculpar, mas eu já acho que, no Brasil, ser ministro é que é foda.
Ninguém sabe organizar uma festa como a Anna Maria. No Brasil, ou lá fora. E ninguém sabe como ela estar em vários lugares ao mesmo tempo. Uma vez, em Nova York, um brasileiro deslumbrado começou a pegar no pé dela, que não aguentou e sugeriu:
– Meu amigo, não chateia. Vai ver se eu tô na esquina.
O chato foi, ela estava na esquina.
Mas é campeã. Lá em Nova York, ela me ofereceu outra festa de aniversário.
– Obrigado Anna. Mas nós estamos em agosto, meu aniversário foi em maio.
– Mas aqui ninguém sabe, Miele. Pode convidar umas vinte pessoas para jantar, que eu garanto uma boca-livre.
A tal boca-livre foi simplesmente no Plaza, que eu já achava caro para um jantar, eu e Anita, quanto mais para vinte convidados.
– Miele, não esquenta, dá cem dólares para o maître e deixa comigo.
Quem tem amigos como Anna Maria não morre pagão. E janta no Plaza.
De NY pego de volta uma ponte para o Rio e caio nos braços de Cesar Thedin. Um abraço ao mestre com carinho. Cesar namorou algumas das mulheres mais interessantes do Brasil. Casar, achou que só casou com Tonia Carreiro. Segundo ela, melhor amante e pior marido do Brasil.
Viveu grandes romances, um deles com Leila Diniz. Ela, maravilhosa, fazia no Rio um show cujo título era Tem Banana na Banda, no Teatro Aurimar Rocha. Depois de um dos espetáculos, lá pela meia-noite, pegou o seu fusquinha e foi sozinha, guiando até Cabo Frio, só para dormir com o César.
Naquele tempo, a estrada era péssima e foi uma aventura para chegar até lá, ainda mais para quem tinha que voltar no dia seguinte para o show. Chegou finalmente e, graças a Deus, encontrou o Cesar dormindo sozinho. A chegada dela foi uma festa, é claro. Emocionado com o rali que ela havia feito, ele não quis ficar por baixo, já que daqui a pouco iria ficar por cima.
A casa era na beira do canal de Cabo Frio, Cesar mergulhou às quatro da manhã, pescou uma lagosta com o arpão, preparou e serviu com champagne etc. Foi o filme, ou não foi? As opiniões da turma se dividiram.
– Que mulher, heim. Guiar daqui até Cabro Frio de madrugada. Só a Leila mesmo.
– Tá certo – comentavam as outras garotas, invejosas. – Mas, e ele? Mergulhar àquela hora e preparar a lagosta…
Tempos depois, Cesar me confessou:
– Rapaz, a história da lagosta deu tanto ibope que eu passei a manter um viveiro em baixo d’água com três ou quatro de plantão. Cada mergulho, um flash.
Amigos, amigos. Negócios à parte? Nem sempre. Já trabalhei mais que uma vez com Ricardo Amaral e, mais do que amigo, eu virei seu fã. Chegamos a pensar em escrever um livro juntos, mas se eu consegui reunir algumas histórias, calculem o Ricardo.
Fiz vários shows na pioneira Sucata, no Hippopotamus, no Metropolitan. Certa ocasião, ele me chamou a Paris, pois estava estudando a possibilidade de abrir no Rio o Crazy Horse e eu iria dirigir os shows. Fui sozinho, era trabalho, Anita ficou no Rio. Quando cheguei, o prestígio do Ricardo e do seu Clube 78 podia ser medido por uma foto do Regine, até então rainha da noite parisiense. Na foto, ela estava muito abatida, a cabeça entre as mãos e os pés dentro de dois baldes de gelo. E a legenda era a seguinte:
– Regine está desolada, Monsieur Amaral chegou a Paris.
A despeito de todas as notas que comentavam o sucesso de Ricardo por lá, fiquei boquiaberto com a verdade, “ao vivo”. A mesa dele (no La cage d’or) ficava cercada como uma espécie de tenda até ele chegar no clube. Então, com seu tradicional “alô, alô”, ele ia recebendo Liza Minelli, Soraya, Pierre Cardin, Andy Warhol e Luiz Carlos Miele. Como, além de tudo, ele colocou uma Mercedes com motorista à minha disposição, no segundo dia, lembrei que o pecado mora ao lado e, antes que batesse a meia-noite e eu virasse abóbora, liguei correndo para Anita:
– Meu bem, vem logo que eu estou morrendo de saudade.
Gisela já estava lá, é claro. Ave, Gisela. Tão generosa, amada, mas amada pra valer. Gisela adora seus amigos, suas obras sociais etc. Antes da abertura do Metropolitan, Ricardo me avisou:
– Miele, capricha na produção da missa, que dona Gisela mandou benzer a casa.
Peter Gasper, cenógrafo e iluminador, premiado, fez uma cruz linda de acrílico, efeitos especiais, fumaça etc… e a missa foi no palco, ainda em fase de acabamento. Acho que, empolgado com a cenografia, o padre, depois de uma emocionante pregação, agradeceu a Deus e a outros seus superiores, como o empresário Ricardo Amaral, que criava ali mais um campo de trabalho para várias pessoas e agradeceu também a Fiat, à companhia de cigarros Souza e ao uísque JB. Amém.
Mestre também na arte de fazer amigos, outra grande figura da noite é Flavio Ramos. Uma de suas mais famosas foi o Au Bon Gourmet, onde se realizou o memorável encontro de Tom, Vinicius, João Gilberto e Os Cariocas.
– Tom, e se você fizesse agora uma canção para celebrar a nossa união?
– Olha, ô Joãozinho, eu não poderia sem Vinicius para fazer a poesia.
– Para essa canção se realizar só com o João para cantar.
– Ah, mas quem sou eu, eu sou mais vocês.
– Que tal se nós cantássemos os três?
– Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça…
Flavio realizou outros shows memoráveis e tinha também a boate Jirau. Da madrugada, perto da hora de fechar, avisava aos poucos retardatários:
– Daqui para frente é todo mundo meu convidado, mas, em compensação, só vou colocar as músicas que eu quiser.
O que representava um grande lucro para os fregueses, pois ele possui uma das maiores discotecas de música americana que eu conheço. Sócio durante algum tempo de um restaurante em Los Angeles, foi íntimo do Sinatra, Sammy Davies e outros cantores sertanejos.
Uma noite apareceu lá no Beco, com Jimmy Van Hoisen, letrista do Sinatra e proprietário de um clube chamado Vila Capri, em Los Angeles. Queria levar a Bossa Nova para lá e foi ver e comprar o show de Simonal, Marly Tavares e Bossa 3. Mas, segundo ele, só havia um problema:
– É o seguinte: eu tenho um sócio muito chato, que vai querer empurrar a esposa dele para participar do show. Tem que dar um jeito dela dançar um inúmero.
O sócio era um cantor-canastrão chamado Tony Martin e a esposa, Cyd Charisse, dona das pernas mais talentosas e bonitas de toda a história do cinema americano, que dividiu musicais com Fred Astaire e Gene Kelly. É claro que prometi a ele que ia tentar quebrar esse galho, mas o show não saiu. Parece que a Cyd Charisse estava disponível, mas o Bossa 3 tinha compromissos em Teresina e não deu para conciliar.
Será que essa história aconteceu assim? Bem que eu avisei no começo do livro que, com o passar do tempo, a gente vai colocando um champignon em cada história, a cada vez que conta. Na segunda edição dessas memórias, provavelmente já vou estar dançando e transando com Cyd Charisse.
Numa noite especial, a Jirau promoveu o lançamento de um compacto com Irene Singery. A música era These boots are make for walking, que havia sido gravada anteriormente por Nancy Sinatra, filha do homem. Foi um grande sucesso, mas as cópias que vieram ao Brasil se esgotaram e naquele tempo era difícil a reposição. João Araújo, presidente da Som Livre, tinha ouvido Irene cantar em uma festa e convidou-a para gravar. Foi no coquetel de lançamento que eu a conheci. Ela se apresentou:
– Você que é Miele da dupla Miele & Bôscoli? Pois vocês têm que me contratar imediatamente. Eu canto, danço. Sei que sou bonita e gostosa, divina e maravilhosa.
E era mesmo. Impressionado com aquele charme e descontração, falei dela para o Ronaldo e no dia seguinte fomos procurá-la para fazer um show ao lado do Lennie Dale, que era a grande sensação da noite carioca.
Ela concordou:
– Está bem, eu faço o show, mas quero ganhar a mesma coisa que ele.
– Mas o Lennie é uma estrela. Você vai começar agora.
– Pode ser. Mas quem vai lotar a casa sou eu. Todo o Rio de Janeiro elegante vai querer me ver.
E foi assim mesmo. Todo mundo queria ver a condessa descalça. Descalça, mas com os pés no chão. Irene fez vários programas de televisão, gravou um disco nos Estados Unidos com produção do Aloysio de Oliveira e arranjos do Oscar Neves. Depois, casou e mudou. Mudou para a ilha da Piedade, que ela transformou pessoalmente num centro de lazer maravilhoso. Tanto que foi durante algum tempo a Ilha de Caras. Quando a Irene achou que a ilha estava ficando com mais cada da revista, em vez de “ilha da Irene”, acabou com a festa. Quer dizer, com “aquela festa”, pois onde Irena estiver, ali é a festa.
Ela me convidou para fazer com ela a festa do cinquentenário do Country Clube, onde é figura queridíssima, e me abriu a porta da frente da sociedade carioca, na qual fiz amizades maravilhosas.