Por Jefferson Peres
A vida noturna de Manaus não tinha, é claro, a efervescência das metrópoles. Mas seria um engano supor que as noites se apresentassem vazias e sem opções. Longe disso, se levarmos em conta as dimensões da cidade, as atrações até que eram divertidas e variadas, embora ajustadas ao estilo e ao ritmo de vida da época. Além dos cinemas, naturalmente, havia, em primeiro lugar, as atividades dançantes, concentradas, para a classe média, nos dois tradicionais clubes de elite, Ideal e Rio Negro.
Ambos estão nas sedes que atualmente ainda ocupam, mas o Rio Negro recém-transferido da antiga sede da Rua Barroso, onde mais tarde funcionaram, sucessivamente, a Vara de Menores e a União Estadual de Estudantes, agora em ruínas. Durante quase todos os anos quarenta, os dois clubes se limitavam a cumprir uma programação anual preestabelecida e imutável, com a realização das festas de sempre, Chitão, Rosas Vermelhas, S. Pedro, Glamour-Girl, Réveillon e bailes carnavalescos, em traje passeio ou a rigor.
Somente no final da década o Ideal inovou, inaugurando uma boate, aberta todos os sábados e em roupa esporte. Após reformar um velho porão que servia como depósito, na ala norte, a Diretoria do velho clube deu-lhe um sopro renovador, com a criação da Juventude Idealina. Composta por um grupo atuante de moças e rapazes, à frente Bernardo Cabral, Carlito Cordeiro e Altino Azevedo, a J.I. passou a realizar suas sabatinas na noite que, devido à cor de suas paredes, era chamada carinhosamente de Vermelhinha e, mais tarde, de Moranguinho. Tendo como principal atração o piano de Aristóteles Melo, a boate do Ideal de tornou o ponto de encontro daquilo que os colunistas sociais chamavam de jeunesse doreé, reunindo tudo que Manaus tinha de mais bonito e elegante.
As festas desses dois clubes eram, de modo geral, tranquilas e bem-comportadas, transcorrendo rigorosamente dentro do figurino da época. As moças compareciam, sempre, em companhia de casais, com os quais, igualmente, regressavam a suas casas. Garota sozinha, ou acompanhada apenas de amigos ou namorados, nem pensar. E no decorrer da festa as jovens deviam permanecer sentadas à mesa, à espera de convites para a dança, com pavor de fazer crochet, isto é, de passar a noite sem dançar. Quando isso acontecia, eram alvos de gozação e algumas chegavam a chorar de humilhação.
Os rapazes, por seu turno, podiam sofrer, também, o vexame da recusa. Normalmente, o interessado procurava fazer sinal para a garota, de longe, e já ia na certa. Mas sempre aparecia algum mais ousado que resolvia correr o risco, sem prévio entendimento. Se dava sorte, a moça aceitava o convite e saía, educadamente, mesmo o contragosto. Mas às vezes a ousadia era castigada com um peremptório não e, nesse caso, o recusado fazia o caminho de volta no salão, sob olhares de zombaria, rubro de vergonha. Muitos abandonavam a festa, de cara no chão.
Os dirigentes dos clubes eram muitos zelosos da ordem e do decoro, que deviam ser preservados a qualquer custo. A vigilância sobre os participantes era bastante severa, principalmente no Rio Negro, que tinha em Aristóphano Anotny um férreo guardião da moral e do bons costumes. Não se permitia agarramento – há quanto tempo não ouço esta palavra –, beijos na boca nem passos de gafieira. Os infratores eram punidos sem apelação. Abordados discretamente, por um diretor, eram convocados à sala da diretoria, onde recebiam o convite para deixar a sede. Em outras palavras, eram simplesmente expulsos da festa. E obedeciam sem discussão, porque o rosto sisudo de Aristóphano não estimulava resistência nem protestos.
Tocava-se exclusivamente música romântica. Eram os foxblues americanos, como Summertime, Moonlight Serenade, Mona Lisa, Blue Moon, Again, Tenderly; ou foxtrotes, como Cheek-to-Cheek e Tea for Two; ou bolerões do repertório de Pedro Vargas, Gregorio Barrios e Lucho Gatica, ou, ainda, canções francesas, como Les Feuilles Mortes, La Mer, La Vie en Rose, Douce France e J’ Attendrai. A orquestra, ou o conjunto, tocava em surdina e deslizava-se no salão. Festa era uma oportunidade para se dançar, ouvir música e conversar. Conversavam os grupos, em voz baixa, nas mesas, e conversavam os pares, sussurrando, na pista de dança.
No final do período de que falo, abriu-se uma nova opção com a inauguração do Hotel Amazonas. O primeiro edifício de linhas modernas e, também, o primeiro hotel de categoria que aqui se construiu, fez de saída um enorme sucesso com o seu Mandy’s Bar, refrigerado, com instalações confortáveis e apesentando um serviço que a cidade desconhecia. Além disso, o hotel logo deu início às reuniões dançantes dos domingos, na Varanda Tropical, que ocupava todo o primeiro andar do edifício, aberta e agradavelmente arejada. Começavam à tardinha e se estendiam até às vinte horas. Com Aristóteles ao piano, tornaram-se um prolongamento da Moranguinho, completando os nossos fins de semana.
Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, a rotina da cidade, em matéria de divertimentos, foi quebrada com a abertura, em setembro de 45, da Feira de Amostras. Um empreendimento ambicioso, que se tornou possível graças à conjunção do arrojo de Gebes Medeiros, do capital (pouco) de Coriolano Lindoso e do talento de Branco e Silva. A idéia inicial era fazer apenas uma grande exposição de produtos regionais. Logo o projeto se ampliou, para incluir um parque de diversões e um teatro de variedades.
Obtido o apoio do governo do Estado, insuficiente, Gebes caiu em campo para vender stands da feira a empresários daqui e do Nordeste, conseguindo, com muita dificuldade, os recursos para tocar a obra. Em pouco tempo foram erguidas as construções em madeira, no terreno da Manaos Harbour, cedido gratuitamente, que se estendia desde o local onde hoje se encontra a Capitania dos Portos até o Trapiche Teixeira, próximo ao edifício da Alfândega.
Compreendia três grandes pavilhões de exposição, decorados por Branco e Silva, com dezenas de stands; um parque de diversões, transportado do Rio, que apresentava uma grande variedade de brinquedos, conhecidos alguns, novidades outros, como Roda-Gigante, Polvo, Dangler, Gruta do Terros; e um outro, o Water-Shoot, que nunca vi em lugar nenhum; incluía, ainda, um grande teatro ao ar livre, um restaurante em forma de navio – a Nave da Felicidade, na amurada à beira do rio – e mais o próprio Trapiche Teixeira, aproveitando para a prática de jogos de azar, que só viriam a ser proibidos alguns meses depois, no governo Dutra.
Em setembro a feira foi inaugurada, com uma enorme afluência de público, presentes o então interventor Álvaro Maia e o embaixador americano no Brasil, Adolfo Berle Jr., de passagem por Manaus. Tão grande foi o entusiasmo do diplomata ianque, que fez um convite a Gebes para visitar os Estados Unidos, às expensas de seu governo. A viagem não se realizou porque, semanas depois, Adolfo Berle, envolvido num episódio famoso, deixava o país, ao ser considerado persona non grata, por envolvimento em nossos assuntos internos.
A partir daí, durante três meses, a feira foi o grande centro de diversões da cidade, tendo como carro-chefe o teatro, onde se apresentavam os grandes astros da música popular brasileira. Por ali passavam Orlando Silva, Carmen Costa, Ciro Monteiro, Odete Amaral, Dircinha e Linda Batista, as Irmãs Pagãs, Moreira da Silva e Manezinho Araújo, além de um cômico, Canelinha, que se tornou muito popular na cidade, por ele visitada periodicamente. Trazer esses e muitos outros artistas a Manaus, num espaço de tempo tão curto, era uma tarefa quase impossível, não apenas pelos gastos exigidos, mas também pelas dificuldades de transporte.
Naquele tempo não havia linha direta Manaus-Rio. Os aviões faziam o percurso Rio-Belém pelo litoral e, da capital paraense, os passageiros, feito o translado, se deslocavam para cá. Os voos eram poucos e os aviões, pequenos, estavam sempre lotados. Gebes só conseguiu superar o problema porque, através de Álvaro Mais, obteve a proteção de D. Alzira Vargas do Amaral Peixoto, a Alzirinha, filha do ditador, só deposto a 29 de outubro – que interferiu junto a Salgado Filho, ministro da Aeronáutica, para a concessão de prioridade aos artistas que viajassem a Manaus.
A realização de um empreendimento daquele porte, na pequena cidade dos anos quarenta, é explicada pela tenacidade de um nordestino que aprendeu, desde cedo, a não recuar diante dos obstáculos.