Musicoterapia

A verve superbacana do mano Caetano

Renown Brazilian musician Caetano Veloso performs in the sidelines of the Rio+20 environmental summit on June 13, 2012 at the Fort of Copacabana in Rio de Janeiro, Brazil. The UN Conference on Sustainable Development opened Wednesday, launching a new round of debate on the future of the planet, its resources and people, 20 years after the first Earth Summit. AFP PHOTO/ARI VERSIANI (Photo credit should read ARI VERSIANI/AFP/GettyImages)
Postado por mlsmarcio

Caetano tem opinião sobre tudo. Fala com a mesma desenvoltura sobre política, música, cinema, literatura, ACM, Maguila, pasta de dente, caneta esferográfica, iogurte, achocolatados, chicletes, saias, vestidos, calças de veludo e bundas de fora. E sempre tem uma opinião inovadora, revolucionária e polêmica sobre qualquer assunto, até achocolatados e iogurte.

Nesta entrevista, Caetano mostrou que, como todo baiano, só não tem preguiça pra falar e pra sair atrás do trio elétrico. Como a entrevista não foi durante o carnaval, Caê só falou. Por mais de duas horas. Enfim, Caetano é massa! Caetano é beleza pura! Caetano é… uma coisa assim meio… uma coisa aí que Gilberto Gil diz e que a gente não entende muito bem, mas é massa. Beleza pura! (C&P, maio de 1994)

Você não tá de saco cheio de dar entrevistas?

Não, a entrevista é uma forma de narcisismo. Gosto de falar e de ser ouvido.

Qual a pior pergunta que você acha que vamos te fazer?

Não sei… Acho que vão me perguntar sobre humor e vindo pra cá pensei numa porção de coisas pra falar sobre isso… mas piadas não! Não sou muito bom pra contar piadas.

Tudo bem, a gente também não é.

Mas eu não decoro piadas! Quando eu era adolescente decorava poemas inteiros de João Cabral de Melo Neto. Uma vez decorei um conto inteiro de Clarice Lispector! Mas as piadas que as pessoas me contavam eu esquecia.

Mas nem de música de sacanagem – aquelas paródias de adolescentes – você lembrava?

Alguma coisa sim. No ginásio os meninos cantavam uma versão do Frevo dos Vassourinhas: “Tava o sapo-cururu, tava a rã, tava a gia / Tavam todos preparados pra fazer a putaria / Quando o sapo-cururu saiu de trás da melancia / Com três palmos de piroca pra meter nu cu da gia.” Não tô sendo fiel ao original porque na Bahia piroca não quer dizer pau. É diminutivo de Pedro. Devia ser diminutivo de Paulo.

Mas você tem umas letras bem sacanas: Mexe qualquer coisa dentro doida / já qualquer coisa dentro doida mexe… Essa aranha arranha o sarro…

É engraçado que essa música não teve problema com a Censura.

Você gosta muito de humor, né? Me lembro a primeira vez que vi um filme do Monty Python: O Santo Graal. Você tava lá eufórico…

Quando eu morava em Londres o programa de TV do Monty Python tava começando. Os filmes deles são engraçados, mas os programas eram geniais! Diferentemente do Woody Allen – que tem dois planos só neles, uma coisa leva à outra, e você fica maluco mesmo! Vocês também têm isso, embora eu gostasse mais do Planeta Diário, que tinha um português mais elaborado. Mas a fusão do Planeta com a Casseta foi melhor que a fusão da Guanabara com o estado do Rio!

Você odeia o Woody Allen só porque ele é judeu americano? Se fosse judeu baiano aposto que você gostava.

Os judeus baianos realmente foram muito importantes pra minha formação. Morei em Nazaré, o bairro judeu da Bahia. Mas gosto do Woody Allen, é que ele foi superestimado e pelas razões que não me interessam. É um diretor de cinema tateante. Os filmes mais antigos são precários. Quando foi aprendendo mais ficou semi-Bergmann e seus filmes nunca saíram inteiros. O que adoro nos filmes dele é Diane Keaton! É o máximo!

E Mia Farrow?

Woody Allen fez muito mal a Mia Farrow, uma moça atraente e bonitinha, com um ar de eterna adolescente. Em Rosemary’s Baby ela tá fascinante. Mas depois de muitos filmes, Woody Allen ficou com cara de cachorro triste. Ele é um bom comediante, mas tem a ilusão de que vai chegar numa área séria. Daqui pra frente é pra valer! Como é pobre se deslumbrar com a alta cultura! Fui hippie, estive duas vezes no festival da Ilha de Wright, vi Bob Dylan, a última apresentação de Jimi Hendrix, e não posso fingir que aquilo é normal! Sou pop! Então, gosto do Woody Allen, mas não gosto de dizer que gosto demais pra não dar colher de chá pra pessoas chatas.

Mas ele tem frases boas, né, como: “O humorista come na mesa com as crianças.”

Come na mesa com as crianças não assenta bem na biografia do Woody Allen!

Ah, os filmes dele podem ser metidos a besta, mas pelo menos fazem os americanos pensaram um pouco.

Sim, pra mim é uma bobagem, mas é bom pros americanos, que só veem perseguição de automóvel e tribunal. Três quartos dos filmes americanos são dedicados a automóveis que rolam e caem e depois todos os feridos vão parar no tribunal! Mas Woody Allen também foi parar num tribunal!

Qual foi a coisa de humor que mais te marcou?

Muitas. Minha família tinha loucura pela PRK-30, e eu também. Lauro Borges e Castro Barbosa. Quando o programa saiu da Rádio Nacional e passou para a Mayrink Veiga foi uma tristeza, porque a gente não pegava em Santo Amaro. Quando vim para o Rio, morando em Guadalupe, é que voltei a ouvir a PRK-30 toda semana. Ao mesmo tempo em que eu ouvia essas coisas, era apaixonado pelo Pif-Paf, no Cruzeiro. No princípio Millôr Fernandes, que se assinava Vão Gogo, só escrevia os textos – o traço de Millôr era indigesto pra imprensa brasileira da época – e os desenhos eram de Carlos Estevão. Eu adorava aquilo, tanto que eu tinha uma caixa com todos! E quando Millôr passou a desenhar, foi um dos impactos estéticos mais fortes da minha vida! Perecido com ver La Strada de Fellini e depois – o mais forte de todos – ouvir a Bossa-Nova.

Mas depois você ficou chateado com o Millôr.

Uma das maiores mágoas da minha vida foi Millôr – quando eu própria me tornei uma figura conhecida – ter me desprezado e me agredido, fazendo questão de dizer que não gostava de mim. Ninguém é obrigado a gostar, claro, mas foi uma coisa de eu ser baiano…

Os baianos não são mesmo uma grande agência de publicidade sobre os próprios baianos?                                                       

Isso não é necessariamente destrutivo. Você pode dizer o mesmo dos judeus. Existe um narcisismo dos baianos, mas eu, por exemplo, gosto de algumas pessoas não-baianos mais do que alguns baianos. Bairrismo existe em toda parte.

Mas os baianos acham que o bairrismo deles é melhor que o bairrismo de todo mundo.

Como tudo que vem da Bahia!

Você leu sobre a Conferência Mundial de McDonald’s? Os baianos bateram um recorde porque eram os únicos do mundo que faziam Big Macs em 35 minutos!

Tenho horror a McDonald’s, mas tenho intimidade com algumas pessoas que frequentam esses lugares e às vezes vou levar elas lá. Não como nada, acho intragável! Mas a gente passa naquele carro, no Drive-Thru, e chega num negócio que fala. Aí, a Paulinha, que é carioca, chora de rir, porque se ouve assim (COM SOTAQUE BAIANO): E aí? (PAUSA) Como é? E isso salva o McDonald’s da Bahia!

Mas os baianos exageram um pouco na baianice, não é?

Eles têm razões pra isso. A Bahia foi a capital do Brasil, a maior cidade das Américas e o porto mais importante do Atlântico Sul. Isso fica na memória da cidade. O Rio nunca vai esquecer que foi a capital do Brasil e Capital Imperial do Reino Português.

E o pior: foi trocada por Brasília!

Olha, eu gosto de Brasília.

(PROTESTOS GERAIS)

Você não sente uma falta de vida em Brasília? Sábado, durante o dia, é extremamente melancólico!

É… Pode ser. Eu não estava lá no mesmo sábado que você. Mas tenho passado momentos bons em Brasília. A sensação de estar no planalto é muito forte. O tamanho desmesurado do céu. Pôr-do-sol lindíssimo. O céu é tão grande que você vê um lado ensolarado e de outro, ao longe, uma mancha cor de chumbo com os raios brilhando. Aqui vermelho e ali azul. É a capital do país, nascida de um sonho antigo onde entram mitos interessantes de caminhar pro centro e de afirmação do território como um todo, pra não ficar um país só de litoral. Sem falar na profecia de Dom Bosco. E tem o desenho arquitetônico. A interferência de Lúcio Costa e Niemeyer é significativa.

É uma instalação bonita, mas enquanto cidade…

Gosto da ideia. Não como uma boa ideia, mas como se gosta de um conceito. A realidade não precisa confirmar aquilo. Como um mito. E os mitos têm força. Fico num estado diferente em Brasília.

Mas lá não é Estado, é Distrito Federal.

Vocês, com toda a licença que o fato de serem humoristas lhes outorga, não deixam de merecer em conjunto o pito por manterem uma imagem contrária a Brasília, fazendo a caricatura de que ela seja inóspita, desagradável e desumana, pra onde os deputados, senadores e ministros são obrigados a ir e de onde voltam correndo. A mágoa do Rio de Janeiro dá coração a esse espírito contra Brasília.

Mas que os deputados fogem de Brasília é verdade.

Isso é dos deputados. Encontro uma porrada de gente jovem que adora morar em Brasília. Por que aquela gente cuida tanto daqueles jardins? Os bairros residenciais de Brasília são imensos. Quem é aquela gente toda que mora lá, que cuida bem daquela cidade? É uma burguesia brasiliense que tira enorme proveito do modo de viver que aquela cidade oferece. E pode vir a ser um tipo de burguesia que tenha algo a dizer de novo ao Brasil sobre o Brasil. Isso de que Brasília serviu à ditadura é uma conversa fiada. Getúlio foi ditador no Rio, ali no Catete, o tempo que quis. Que prova existe de que se a capital fosse no Rio não haveria a ditadura?

E Salvador? Fale de Salvador.

Além de ter sido a capital, tem uma relíquia arquitetônica portuguesa que nenhuma outra cidade brasileira tem. Com o reboco caindo ou pintado de rosa-bebê e azul-bebê, tanto faz, é lindo. A joia arquitetônica que é Salvador lhe dá uma força cultural. Mais: a preservação da identidade negra. É a maior comunidade negra do Brasil. Lá se preservam elementos culturais da África Ocidental em melhor estado do que em qualquer país da África Ocidental. As religiões ioruba em Salvador são impressionantes.

O caldo de cultura lá é tão louco que dá um João Gilberto e um Antônio Carlos Magalhães.                                                                                                                                            

São Paulo produziu o Chico Buarque e o Maluf…

Mas o Maluf não é dono de SP como ACM é da Bahia.

ACM é Papa Doc, e sob esse ponto de vista é tudo que eu mais detesto. O Jornal da Globo na Bahia parece mais uma campanha dele! É sempre ele falando! Isso revela um atraso social terrível do qual a Bahia tem feito um esforço sobre-humano pra se liberar. ACM é o grande talento político que cresceu na Bahia, mas está ligado a forças arcaicas.

E agora parece que o povo baiano está gostando dele.

Ele faz coisas profundas e importantes pra cidade. Do jeito dele, mas a cidade ficou feliz com a recuperação do Pelourinho. Eu, sinceramente, admiro ele por isso, por ser um dos grandes talentos da política no Brasil, mas não é o que eu desejo.

Mas você não é carlista?

Sou roberto-e-erasmo-carlista.

Na Bahia todo mundo conhece todo mundo, né? Você conhece a turma do Genebaldo, Zé Lourenço, João Alves?

Genebaldo foi meu colega de sala desde o ginásio.

E você não aprendeu a roubar com ele?

Não, ele veio de outro distrito e ficou morando com Padre Antenor, o diretor do colégio, e por causa disso ficou com fama de puxa-saco. Me lembro que era pequenininho.

Já era anão desde pequeno…

Não.

Mas você fala como um deputado baiano.

Falo muito, quero me meter em tudo, quero resolver a vida coletiva, sei que é bobagem, mas é um tipo de temperamento. Isso também vem da minha geração.

Parece que você tem opinião sobre tudo. Tem alguma coisa sobre a qual você não opina? Por exemplo: mertiolate ou mercurocromo?

Tenho que pensar muito…

Você ficou puto com o Paulo Francis, ficou puto com a Veja, Ficou puto com o correspondente do New York Times… Qual é a próxima?

Estou planejando milimetricamente… A própria imprensa diz que sou esperto com a mídia, que sei conduzir os assuntos. Fico boquiaberto! Comecei a trabalhar em 67 sem conhecer nada, foi um sucesso, mas eu não tinha essas pretensões. O sucesso tava incluído no desejo de uma maneira simples e direta. Mas não deu pra entender quando a gente foi preso e, meses depois, foi pro exílio. Quando voltei, arrasado, querendo botar a cabeça de fora aos poucos, minha vontade era ser verdadeiro. E descobri coisas na impressa que nunca esperei. Começou um negócio esquisito no Pasquim, que era só piada, mas depois não era.

O Pasquim chamava vocês de baihunos.

Começaram mandando a gente voltar pra Bahia e isso nunca parou. E Paulo Francis, aquele a quem eu admirava mais! Não era aquele amor simples de uma criança como pelo Millôr, mas eu achava bacaníssimos os artigos dele na Senhor. De fato, ele é inteligente, com uma cultura ampla, confusa, interessante. Naquele tempo, então, ele era mais animado e menos arrogante. Na época em que todo mundo sacaneava, ele não falou nada, mas deixou pra mais tarde, vindo como se fosse de forma séria. Quando a Nara morreu, ele escreveu: “No dia em que Bethânia começou a cantar Carcará, o Rio de Janeiro que eu conhecia acabou. E aí, ‘toda essa gente’ penetrou no Rio.”

Na época e que vocês chegaram aqui, sentiram esse preconceito?

Não, mas depois que voltei de Londres, isso foi forte. Mas não acho de todo ruim. O Rio deve ser defendido. Hoje há um esforço para levar o Rio a se negar. Querem levar o Rio à depressão. Por exemplo: todo ano vou ao Prêmio Sharp. Adoro aquilo. Você encontra Braguinha, Altamiro Carrilho, Daniela Mercury, Adriana Calcanhoto, Xitãozinho & Chororó, Dominguinhos, Gilberto Gil, Paulinho da Vila, pô, você vê essa gente de uma vez! Você ter, ao mesmo tempo, no Teatro Municipal, Cássia Eller cantando, Ângela Maria dirigida por Ney Matogrosso e Tim Maia recebendo prêmio com frases de segunda intenção com a cocaína, enquanto Altamiro fica lá todo sério?! É a riqueza da música popular brasileira! Uma coisa estupenda, de ficar com lágrimas nos olhos! Isso só pode acontecer no Rio.

O Rio é o verdadeiro caldeirão cultural do Brasil.

O que acontece hoje? Um Prêmio Sharp como acabei de descrever e o que sai no JB no dia seguinte? Ângela Maria e Cauby Peixoto estavam ridículos. Esse Prêmio ainda não pegou. Não pegou praqueles caras chatos que escrevem lá! Dá a impressão de que o Rio é uma cidade suicida. Mas sabe o que é isso também? Ignorância!

Ignorância?

É, não sabem em que cidade nasceram, não sabem onde moram, nunca tiveram a coragem de realmente conhecer o Rio, como podem dar opiniões sobre escola de samba quem teve apenas o desejo de imitar jornalista de rock’n’roll ingês?! Quem botou aquela gravatinha e a carinha de imbecil inglês?! O que essa geração de jornalistas mais quis era ser inglês nos anos 80! Agora vem ensinar escola de samba a mim?! AMIM?! EU SEI O QUE É O RIO DE JANEIRO!! (ESMURRA A MESA) Eu conheço esta cidade. Conheço escola de samba. Agora vem um babaca imitador de inglês ensinar escola de samba a Maria Bethânia?! NÃO!!! O cara quer negar o que o Rio tem de maravilhoso pra poder dizer que o jornal dele é bacana. Fica uma merda! O resto do Brasil acha que o Rio não existe mais. Como não existe? Se Paulinho da Viola mora aqui, se Altamiro Carrilho, Roberto Silva, eu, Milton Nascimento, Chico Buarque, moramos aqui?! João Gilberto mora no Rio!

E o que esse João Gilberto tem afinal? Eu não consigo entender, só ouço aquelas musiquinhas, aquela voz fraquinha…

O long-play Chega de Saudade saiu em 1959. Quando vocês nasceram já estava tudo pronto. Mas João Gilberto criou um estilo, uma batida nova no violão, um modo de interpretar harmonias e um novo ritmo. O que o João deflagrou repercutiu pra vários lados, possibilitando inclusive que o Tom fosse o compositor que foi. Chico Buarque não seria possível sem João Gilberto.

Nós também fomos influenciados por João Gilberto!

A primeira vez que vi o João foi em santo Amaro, um amigo me levou ao Clube Santo amaro pra ouvir. Não foi nem no rádio, ele não tocava no rádio. Caetano, você que gosta de coisa maluca, tem que ouvir esse cara que canta esquecido, a orquestra vai prum lado e ele vai pra outro, tudo desafinado! Quando ouvi, falei: Isso não é desafinado, é uma coisa maravilhosa, tá tudo na afinação.

Sua besta! Isso não é Desafinado! Isso é Chega de Saudade! Mas por que João Gilberto é tão maluco? É gênero?

Cada um é como é, mas João Gilberto, sendo tudo isso que acabei de dizer, tem uma responsabilidade muito grande. Como Tom Jobim.

Ele não pode sair muito na rua pra não ficar influenciando as pessoas.

Ele tem que se preservar como pessoa pra manter seu modo de pensar puro. As pessoas que se tornam importantes, que têm uma visão influente precisam resolver isso, e cada um tem uma solução diferente.

A dele é marcar e não ir?

Isso tá meio mal posto… Aconteceram apenas dois episódios, no Rio, onde se pode descrever assim, e nos dois casos ele avisou com antecedência. A própria imprensa avisou que ele não iria. Da segunda vez ele desmarcou com sete dias de antecedência! O tom de respeito com que se aproximaram dele tinha que ser mantido até o fim. Não ficar falando em contratos.

Outra polêmica. O Aldir Blanc, que é psiquiatra, falou que as letras da atual música pop baiana poderiam ser feitas pelo Instituto Pestalozzi. Quando você ouve “Eu canto pra ele porque amo ela / ai que ela / ai que ela”, não concorda?

O Aldir recebeu um desses telefonemas d’O Globo, um bom jornal especialista em polêmica fake. N’O Globo, as polêmicas começam e terminam na mesma página. Aldeir foi tolo ao responder a um telefonema desses. Depois incorreu num segundo erro: tratou as músicas de carnaval como sendo do ano todo. Se esqueceu de Mamãe, Eu Quero, Alalaô, A Cabeleira do Zezé, Se a Canoa Não Virar. O carnaval tem tradição de letras imbecis. A canção pode ser imbecil e bacana.

Mas a música axé não tá sendo supervalorizada?

Depende. Carlinhos Brown tem uma importância cultural na Bahia de uma repercussão internacional. A inversão do samba-reggae, as novas batidas do Olodum são coisas de grandes artistas.

Mas de repente a mídia quer ver Carlinhos Brown como um grande intelectual.

Não é um intelectual, mas é um pensador. Do jeito dele. Não se pode dizer que Nelson Cavaquinho tocasse violão mal, porque o jeito dele era muito bonito.

Você concorda que Gil, com Filhos de Gandhi, e Moraes Moreira, com Pombo-Correio, foram essenciais pra nova música baiana?

Sim. Quer ver outros dois nomes de infinita importância? Amelinha e Zé Ramalho. Frevo Mulher é uma grande canção. Tem uma letra esquisita – “um olho cego vagueia procurando por um!” – mas é uma das maravilhas do carnaval.

Levando ao pé da letra, um olho cego vagueia procurando por um é esquisito mesmo!

Essa é daquelas: Melô do Coito Anal!! (CANTA) “Quero ver você não chorar / não olhar pra trás / não se arrepender do que faz…” Também tem aquela: “E que essa vida entre em mim / Desvirginando a madrugada / Quero sentir a dor dessa manhã! Entrando! Rasgando! (JOGA OS BRAÇOS PRA CIMA) Gritando! Meu corpo! E então!”

Por falar em entrando e gritando, explica pra gente como era aquela época de tietagem, quando todo mundo queria dar pro Caetano?

(CARA DE ESPANTADO) Todo mundo queria dar pra mim! Graças a Deus não me avisaram! Não queria ter essa responsabilidade!

Os baianos são assim. Nunca aconteceu com eles. E se aconteceu, eles tavam distraídos. Você não reconhece que pra muitas mulheres você é o arquétipo do homem brasileiro?                                                            

(COM EXPRESSÃO DE MODESTO) Sou aquele cara fraquinho, não sou muito másculo, não posso ser arquétipo do homem brasileiro.

Mas se Carlinhos Brown pode ser intelectual você não pode ser arquétipo do macho? Você fala as coisas abertamente, mas por outro lado é muito tímido, né?

Sou. Antigamente era mais. (MOSTRA UMA FOTO DELE NA PAREDE, EM INÍCIO DE CARREIRA, COM A CARA ABAIXADA.) O que mais via no mundo era meus pés: andava olhando pro chão.

E como você passou da timidez pra saliência?

Rapaz, eu era as duas coisas ao mesmo tempo! No ginásio em Santo Amaro eu já era um tímido espalhafatoso.

E já fazia sucesso com as mulheres?

Sim e não, viu. Eu sofria! Nos anos 50 a vida era diferente. A ideia de namorar era formal, tinha muito pouco a ver com promessas sexuais. A possibilidade que havia não era nem com prostitutas, mas com uma prostituta, gordona, a Felícia, que todos os meninos do ginásio comiam. Eu nunca comi, achava aquilo uma situação horrível.

Mudando de assunto, você tem saco de acompanhar as novidades musicais?

Não preciso nem fazer força pra isso, foi um gosto natural que sempre tive. Agora, com o passar dos anos, isso esmorece um pouco. Essa miríade de grupinhos americanos e ingleses que a gente não consegue distinguir tira a vontade de acompanhar as novidades.

Você ainda compra discos?

Sim, mas na verdade compro mais discos do selo Revivendo. Orlando Silva é o máximo! Tem um ótimo da Dalva de Oliveira!

E, pra fechar, confirma uma coisa: a gente leu numa revista uma entrevista com sua mãe dizendo que seu prato preferido era moqueca de miolo! É fato isso?

É, eu gosto muito.

(ASSOMBRADOS) Puxa, até pra comer o Caetano é cabeça!

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mlsmarcio

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