O perfil dos pioneiros do samba se cruza com a imagem das “tias” baianas que iluminavam a Cidade Nova, no Rio de Janeiro, da maior importância para a formação de quantos viriam a ser os pilares do samba carioca. Esse fato ganha relevo quando o focalizado é filho de uma delas, que, estando matriculado, por força do nascimento, na escola diária, pode beber na fonte oral, aprender com sua mãe o que ela soubera de sua avó, que, por sua vez, fora ensinada pela bisavó.
A batida característica do pandeiro de João da Baiana, ele aprendeu com a mãe, Tia Preseiliana de Santo Amaro, e nas andanças festivas pelos casarões de Tia Amélia do Aragão, Tia Veridiana, Tia Mônica e Tia Ciata. Foi o primeiro a ser visto raspando a faca no prato, um instrumento de ritmo inusitado, também fruto de seu aprendizado com as baianas.
João Machado Gomes nasceu no Rio de Janeiro em 17 de maio de 1887 e lá morreu em 12 de janeiro de 1974. Neto de escravos, único carioca dos doze irmãos, baianos como os pais. Sua mãe promovia festas na Cidade Nova, onde João aprendeu samba e candomblé até os nove anos. Foi quando ingressou no Arsenal da Marinha.
Aos dez anos saía como “porta-machado” (figurante que abria os desfiles dos ranchos) no rancho Dois de Ouro e no Pedra Sal, pioneiros no Rio de Janeiro, onde o rancho chegou também vindo do Nordeste. João contava que foi nessa época que introduziu o uso do pandeiro no samba.
Com a idade de doze anos dá baixa na Marinha, passando a ser ajudante de cocheiro de Hermes da Fonseca, futuro presidente da República. Trabalha no Circo Spinelli, na claque que aplaudia Eduardo das Neves, o palhaço Dudu, que se notabilizaria como cantor.
Aos 15 anos era auxiliar de carpinteiro de estaleiro e atração nas festas pela sua habilidade como pandeirista. Tornou-se conhecido o episódio no qual a polícia apreendeu seu pandeiro, impedindo-o de tocar na casa do senador Pinheiro Machado, que, ao saber do fato, presenteou-o com um instrumento novo.
Deixou o estaleiro pelo trabalho de estivador quando tinha 20 anos e em pouco tempo é promovido a fiscal. Recusa o convite para fazer parte dos Oito Batutas na viagem à Europa, não querendo trocar o emprego. Preferia viajar para a Bahia, em frequentes visitas à sua madrinha, mãe-de-santo em um terreiro no Gantois, em Salvador.
Sua primeira composição é Pelo Amor da Mulata, de 1923, seguindo-se Mulher Cruel, em parceria com Donga e Pixinguinha. Em 1925, faz Pedindo Vingança e, em 1926, O Futuro É Uma Caveira. Patrício Teixeira grava em 1928 o sucesso Cabide de Molambo, quando João já é ritmista famoso pelo prato-e-faca e pelo pandeiro nas emissoras de rádio.
Faz carreira em grupos como Conjunto dos Moles, Alfredinho no Choro, Grupo do Louro, antes de formar com Pixinguinha e Donga a orquestra Diabos do Céu e o Grupo da Guarda Velha, cujo grande sucesso, Patrão Prenda Seu Gado, é um arranjo de antiga chula-raiada criado pelos três.
Em 1940, participa das gravações feitas por Leopold Stokowski, que recolhia músicas brasileiras para ser estudada nos Estados Unidos. João teve a sua corima Ke-ke-ré-ke-ké selecionada pelo maestro.
Depois de algum tempo afastado, volta a gravar em 1954 com a Guarda Velha, a convite de Almirante, e, em 1968, com Pixinguinha e Clementina de Jesus. Além de ser compositor, ritmista e cantor, foi pintor primitivista de cenas de Carnaval e paisagens. Retirou-se para a Casa dos Artistas aos 85 anos, falecendo dois anos depois.