Monsueto Campos Menezes foi, essencialmente, um músico. Baterista de boate, atuou em diversos conjuntos na década de 1940, entre as quais a Orquestra de Copinha, no Copacabana Palace Hotel. Percussionista, cantor, ator comediante, foi também um excelente pintor naif no fim de sua curta vida (Pablo Neruda, certa vez, adquiriu um quadro dele). Foi, sobretudo, um compositor popular da pesada, dos melhores que o Brasil já teve.
O auge da popularidade de Monsueto como compositor se deu por volta do fatídico ano de 1964, quando Helena de Lima, experimentadíssima cantora de boate, gravou (ao vivo) o vinil Uma Noite no Cangaceiro (boate da moda na época) incluindo num eletrizante pot-pourri de sambas, duas músicas dele: “Mora na filosofia” (também gravada por Caetano Veloso no disco Transa de 1972) e “A fonte secou”.
Nascido no Rio de Janeiro em 4 de novembro de 1924, criado na Favela do Pinto, Monsueto perdeu os pais muito cedo, tendo sido criado por uma avó. Na adolescência, trabalhou como guardador de carros no Jockey Club. Quem é que ainda se lembra da Favela do Pinto? Lugar muito especial naquela época, também chamada de Morro do Pinto, a favela onde Monsueto foi criado era um gueto negro encravado na parte mais nobre da Zona Sul do Rio. Para os elegantes da área, um câncer a ser extirpado.
Monsueto estudou só até o quinto ano primário. Aos 15 anos, já tocava em baterias de escola de samba e aos 17 começou a trabalhar como baterista free lancer em bailes de gafieira e cabarés. Prestou serviço militar no Forte de Copacabana e ao sair casou-se com Maria Aparecida Carlos, indo morar em Vieira Fazenda, subúrbio carioca. Lá, abriu uma tinturaria, a exemplo de seu irmão Francisco, que também fora proprietário de uma tinturaria na qual chegou a trabalhar. Apesar de ter seu próprio negócio, continuou tocando na noite, frequentando os pontos de encontro de músicos, principalmente nas redondezas do Teatro João Caetano. Teve seis filhos.
Na década de 1940, atuou como baterista em vários conjuntos, entre os quais, a Orquestra de Copinha, que tocava no Copacabana Palace Hotel. Teve sua primeira composição gravada em 1951, o samba “Me deixe em paz”, parceria com Aírton Amorim, lançado por Linda Batista na RCA Victor e que fez bastante sucesso no carnaval do ano seguinte. Em seguida, teve várias músicas incluídas no show “Fantasia, fantasias”, do Copacabana Palace Hotel.
Em 1953, teve os sambas “Mulher de mau pensar”, com Elói Marques, e “A fonte secou”, com Tufyc Lauar e Marcléo gravadas por Raul Moreno na Todamérica. O samba “A fonte secou” foi o grande sucesso no carnaval seguinte e seu maior êxito comercial.
Em 1954, fez com R. Filho o samba “Maldição” gravado por Francisco Carlos na RCA Victor. Nesse ano, seu samba “Quando vem a noite”, com Álvaro Gonçalves, foi gravado na Todamérica por Virgínia Lane. Os sambas “Rosto bonito”, com Caribé da Rocha, e “Carrasco”, com Raul Marques e F. Fernandes, foram lançados por Carlos Augusto na Sinter e o xote “Sem amor”, parceria com João do Vale, foi gravado na Columbia por Índio e seu Conjunto.
Ainda nesse ano, Marlene gravou para o carnaval o samba “Mora na filosofia”, com Arnaldo Passos, que fez muito sucesso, fazendo com que a expressão “mora”, no sentido de percebe, entrasse para o vocabulário popular carioca. Esta música, aliás, havia substituído outra, “Couro do falecido”, em show do Copacabana Palace, apresentado pela mesma Marlene, em virtude do suicídio de Getúlio Vargas, um pouco antes.
Ele teve mais dois sambas gravados por Raul Moreno na Todamérica em 1955, “Me empresta teu lenço”, com Elano de Paula e Nicolau Durso, e “Cachimbo da paz”, com Raul Moreno e Plínio Gesta. Nesse ano, Marlene lançou na Sinter os sambas “Canta, menina, canta” e “Na casa de corongondó”, ambos parcerias dele com Arnaldo Passos.
Ainda em 1955, Monsueto gravou seu primeiro disco, pelo selo pernambucano Mocambo, com os sambas “Nega Pompéia”, de Estanislau Silva e Ferreira Gomes, e “Q. G. do samba”, parceria sua com Rossini Pacheco e Sebastião Nunes. Também em 1955, seu samba “Mora na filosofia” foi escolhido por uma comissão julgadora reunida no Teatro João Caetano como uma das cinco melhores letras e melodias do carnaval daquele ano.
Em 1956, Linda Batista gravou o samba “Levou fermento”, parceria com José Batista. Nesse ano, teve mais três sambas gravados na Todamérica, “Rua Dom Manoel” e “Senhor Juiz”, com Jorge de Castro, na voz de Raul Moreno, e “Tô chegando agora”, com José Batista, na voz de Odete Amaral. Na Sinter, Marlene gravou o samba “O lamento da lavadeira”, parceria dele com Nilo Chagas e João Violão
Em 1957, teve três sambas gravados na RCA Vcitor: “O gemido da saudade”, com José Batista, por Linda Batista, “Fogo na marmita”, com Aldacir Louro e Amado Régis, por Marlene, e “Não se sabe a hora”, com José Batista, por Dircinha Batista. Nesse ano, atuou no filme “13 Cadeiras”, com Oscarito, dirigido por Franz Eichhorn. Também no mesmo ano, gravou um disco pela Copacabana com os sambas “Prova real”, de Odelandes Rodrigues, Amado Régis e Edson Santana, e “Bola branca”, de Estanislau Silva, Otávio Lima e Antônio Guedes.
Em 1958, participou como cantor nos números musicais do filme “Na corda bamba”, de Eurides Ramos e compôs músicas para os filmes “O cantor milionário” e “Quem roubou meu samba?”, ambos de José Carlos Burle. Ao todo, teve participação em dez filmes brasileiros, três argentinos e um filme italiano.
Ainda em 1958, teve gravados na Todamérica o samba-canção “Boa noite”, por Ted Moreno, o samba “Giro pelo norte”, por Ari Cordovil, e o chorinho “Trote”, com Dilermando Rodrigues, por Cora Mar. Por essa época, fez vários shows com Herivelto Martins. Pouco depois criou seu próprio grupo com o qual excursionou pelo Brasil e países da América, Europa e África.
Em 1959, foi convidado a participar do programa humorístico “Noites Cariocas”, da TV Rio, onde recebeu o apelido de Comandante e fez muito sucesso com seu quadro, lançando gírias como: “castiga”, “vô botá pra jambrá”, “mora” e “ziriguidum”. Nesse ano, seus sambas “O bafo do gato” e “Comício no morro” foram lançados por Edgardo Luiz na Polydor. Ao final da década de 1950, teve composições incluídas em espetáculos de Carlos Machado como “Copacabana de tal” e “Zelão Boca Rica”.
Em 1961, gravou pela Odeon os sambas “Ajudai o próximo” e “Eu quero essa mulher assim mesmo”, ambos de sua autoria. Nesse ano, Agostinho dos Santos gravou “Na casa do Antônio Jó”, parceria dele com Venâncio.
Em 1962, lançou seu único LP, “Mora na filosofia dos sambas de Monsueto”, lançado pela Odeon e cujo destaque foi o samba “Lamento da lavadeira”, parceria com Nilo Chagas e João Violão.
No ano seguinte, também na Odeon, gravou os sambas “Chica da Silva”, de Anescar e Noel Rosa de Oliveira, e “Mané João”, de sua autoria e José Batista. Nesse ano, teve o samba “Ai meu calo”, com José Batista, gravado por Ivon Curi na Odeon. Ainda em 1963, gravou pelo selo Orion os sambas “Sambamba”, de sua autoria, e “Retrato de Cabral”, com Raul Marques. O samba “Mora na filosofia” foi regravado por Walter Santos no LP “Bossa nova – Walter Santos”, com acompanhamento do conjunto de Walter Wanderley.
Por volta de 1964, tentou sem sucesso criar um selo de gravações com seu nome, mas que, no entanto, somente lançou um disco com ele mesmo interpretando os sambas “O sucesso está na cara”, parceria com Linda Batista, e “Larga o meu pé”, com Aloísio França.
Em meados da década de 1960, começou a ser redescoberto pelos grandes nomes da MPB. Em 1968, Maria Bethânia regravou “Mora na filosofia”. Em 1971, Caetano também gravou “Mora na filosofia”, em seu LP “Transa”. No ano seguinte, Milton Nascimento gravou “Me deixa em paz”, em seu LP “Clube da Esquina”, ao lado de Alaíde Costa.
Nessa época, Monsueto passou a se interessar por pintura e acabou tornando-se profissional, sendo premiado com uma medalha de bronze no Salão Nacional de Belas-Artes do Rio de Janeiro, em 1972. Seu quadro mais conhecido é uma Santa Ceia em que Jesus e seus apóstolos são negros.
Sem nunca ter se ligado oficialmente a nenhuma escola de samba, passou por várias delas, sendo que a última foi a Unidos Vila Isabel.
Monsueto entrou pela última vez em estúdio para fazer uma participação na divertida “A Tonga da Mironga do Kabuletê”, ao lado de Toquinho e Vinicius, em 1971, no qual “xingava em nagô” aqueles que naquela época dura não se podia xingar em português.
Em 1973, quando participava na Bahia das filmagens de “O Forte”, filme de Olney São Paulo, passou mal, foi hospitalizado e veio a falecer, em decorrência de um câncer no fígado, no dia 17 de março daquele ano.
Nesse mesmo ano, Caetano Veloso regravou “Eu quero essa mulher assim mesmo”, em seu LP “Araçá Azul” com um arranjo de rock, popularizando ainda mais o compositor entre os jovens. Na mesma época, pot-pourris com composições suas foram gravados por Martinho da Vila e MPB-4. Na década de 1990, teve o samba “Lamento da lavadeira” regravado pela cantora Marisa Monte.
Em maio de 2002, foi um dos grandes homenageados no show “Marleníssima”, estreado pela cantora Marlene no Teatro Rival-BR, escrito e dirigido por Ricardo Cravo Albin, quando, em cena, eram lembrados e cantados um a um dos seus sucessos criados por ela, tais como “Aperta o cinto”, “Lamento da lavadeira” e “Fogo na marmita”, este um forte libelo social com versos que diziam: “Todo dia ele acorda pro trabalho / Levando a marmita na mão.”
Em 2004, recebeu homenagem especial durante a entrega do Prêmio Rival BR de música, que foi dedicado a ele. Na ocasião foram cantadas músicas de sua autoria e exibidos trechos de filmes nos quais atuou.
Num momento em que a sutileza praticamente desapareceu dos sambas mais populares, chega a ser chocante imaginar que sambas como “Me deixa em paz” chegaram ao topo das paradas, nos anos 50, sem a menor apelação. Com versos simples e eficientes como “Se você não me queria / Não devia me procurar / Não devia me iludir / Nem deixar eu me apaixonar”, acompanhados de uma melodia inesquecível, o samba estourou no Carnaval de 1952 na voz de Linda Batista. Os foliões não se importaram com seus versos tristes e caíram na esbórnia naquele ano, dividindo as atenções com concorrentes de peso como “Lata D’Água”, na voz de Marlene, e “Sassaricando”, com Virgínia Lane.
Depois dessa gravação, as coisas ficaram mais fáceis para o compositor. Ele teve várias músicas incluídas no show “Fantasia, fantasias”, do Copacabana Palace Hotel, e já no ano seguinte conseguiria que “A fonte secou”, samba que já trazia na gaveta há alguns anos, fosse gravado por Raul Moreno (Tufic Lauar). “Eu não sou água pra me tratares assim / Só na hora da sede é que procuras por mim / A fonte secou / Quero dizer que entre nós tudo acabou”, diziam seus versos cantados até hoje. Resultado: acabou sendo o melhor e mais cantado samba do Carnaval de 1954.
No ano seguinte, Marlene – que recusara “A fonte secou”, perdendo a chance de lançá-la – se redimiu (muito bem) gravando uma de suas mais célebres canções, “Mora na filosofia”, na qual seu lado espirituoso ficava bem claro no antológico verso “Botei na peneira você não passou”.
“Me deixa em paz”, “A fonte secou” e “Mora na filosofia” são seus sambas mais conhecidos, e embora lançados como carnavalescos, entraram para o hall dos clássicos da MPB, merecendo leituras mais jazzísticas ou lamentosas nas vozes de Maria Bethânia, Caetano Veloso, Leny Andrade, Paulinho da Viola, Doris Monteiro, Elza Soares, Lana Bittencourt, Martinho da Vila, Helena de Lima, Alaíde Costa e Milton Nascimento, Alcione, entre tantos outros.
Mas não foram somente esses sambas que Monsueto compôs. Foram muitos mais. Cheios de tiradas filosóficas e, vez por outra, um certo pé na crítica social. E melhor: acompanhados de melodias agradáveis que grudam no ouvido. Curioso é que o sambista normalmente distribuía as parcerias de seus sambas em troca de alguns caraminguás, já que estava sempre duro. Em geral, seus sambas – letra e música – foram feitos quase todos só por ele. A parceria era pró-forma.
Ainda na linha mais romântica, Monsueto teve bons sambas gravados por Demônios da Garoa e Ângela Maria. O grupo gravou “Não emplaca 61”: “De boca em boca / Já se ouve um zum zum zum / Que o nosso amor não emplaca 61”. Ângela gravou, entre outras, “Despejo da saudade”, no ano seguinte, 62. “Eu dei à saudade apenas pousada / Ela pensou que fosse moradia / Coitada! Ficou tão desapontada / Clareou o dia, foi despejada”. Tais versos cantados pela voz de cristal da Sapoti ganhavam ares ainda mais dramáticos.
Mas o sambista também tinha seu lado humorístico, afinal ele consagrou sua imagem junto ao público justamente como comediante em diversos programas de TV. “Aluguei a casa um / Meu amigo mora em frente / E a mulher deste amigo / Anda arranjando um tempo quente / Sempre a me provocar / Olha, a me conquistar / Sorri a me convidar / Até um cego pode notar / Eu sinto sede, eu sinto fome / Mas mulher de amigo meu pra mim é homem”, diz a divertida letra de “Casa 1 da Vila”. Na linha do humor, ele também compôs o partido alto “Eu quero essa mulher assim mesmo” (regravada por Caetano Veloso em seu disco experimental, “Araçá Azul”), em que repetia esse refrão, alternando com adjetivos como “baratinada, alucinada, despenteada, descabelada, embriagada, intoxicada, desafinada, desentoada”. Outro samba ótimo dessa vertente é “Larga meu pé”: “Nega, larga o meu pé / Vá quando quiser / Pra você não falta homem / Pra mim não falta mulher”.
Por fim, Monsueto fez também alguns sambas mais críticos. Caso de “O lamento da lavadeira”, com um trecho gravado por Marisa Monte, num medley com “Ensaboa”, de Cartola. “Trabalho, um tantão assim / Cansaço é bastante sim / A roupa, um montão assim / Dinheiro um tiquinho assim / Para lavar a roupa da minha sinhá”, dizia parte da letra lançada originalmente por Marlene, em 56. No ano seguinte, a mesma cantora gravou a pouco conhecida “Fogo na marmita”, que dizia “Todo dia ele desce para o trabalho levando a marmita na mão / Deixa o seu suor, mas traz o dinheiro do pão”.
Já a letra de Monsueto para o samba “Na casa de Antonio Jó”, gravado por Agostinho dos Santos, deve ter sido inspirada em sua própria vida já que ele foi nascido e criado na favela do Morro do Pinto: “Assisti um quadro na casa de Antonio Jó / Antonio tem oito filhos / Levou um pão para casa / Todos queriam um bico / Mas o pão era um só / Um prato de pirão d’água / Todos sentados ao redor / No centro do prato, um ovo / Mas o ovo era um só / Ao chegar a noite / A confusa foi maior / Quem dorme na beira da cama cai / Todos queriam um canto / Mas o canto era um só”.