Musicoterapia

Galeria dos Bambas: Nelson Gonçalves

Postado por Simão Pessoa

Por Vinicius Veloso

Jornaleiro, mecânico, polidor, tamanqueiro, engraxate, garçom e lutador de boxe. Essas foram as profissões pelas quais Antônio Gonçalves Sobral se aventurou antes de se tornar uma estrela musical. Nascido em 21 de junho de 1919 no Rio Grande do Sul, foi criado em São Paulo e passou por dificuldades antes de se tornar um cantor reconhecido.

No período escolar, o garoto chamava a atenção dos amigos e professores por conta da potência vocal. Possuía o estilo de um cantor, porém era conhecido também por gaguejar. Logo, recebeu o apelido de Metralha — por cuspir as palavras, que o acompanharia para o resto da carreira. Após seis anos de estudo de canto acadêmico, descobriu que poderia usar a disfunção fonética como aliada e resolveu ser um cantor popular.

Mas Antônio não era um bom nome para um artista. Escolheu um mais charmoso e tornou-se Nelson Gonçalves. Com apenas 20 anos, lançava o disco de estreia e recebia a alcunha de Rei do Rádio, após vencer um concurso popular. Mesmo com outros grandes cantores em destaque, a voz de Nelson era reconhecida pelas pessoas e as músicas caíram no gosto do povo.

“Ele apareceu quando Orlando Silva estava no auge, mas em breve ia perder o vozeirão. Nelson teve sorte de conseguir um repertório que caiu no gosto do público também e no segundo ano de carreira, teve um sucesso retumbante que foi Renúncia (1942)”, conta o Rodrigo Faour, historiador da música brasileira.

Depois do primeiro sucesso, a carreira deslanchou. Sempre acompanhando o ritmo da época, aventurou-se pela fox-canção, valsa e samba-canção, estilos românticos das décadas de 1940 e 1950. Com a ajuda de Adelino Moreira, definiu a linha musical com o sucesso A volta do boêmio (1957), caracterizada como uma composição comercial e de cabaré, com amores intermináveis.

“Embora antes e depois disso, ele também tivesse tido um sucesso incrível, não houve intérprete romântico de maior penetração quanto Nelson, para um público maduro, nos anos 1950 e 1960”, explica Rodrigo.

Com a decadência do rádio e a crescente venda de discos, quem não se atualizou ficou para trás. Muitos artistas de popularidade considerável perderam espaço e não conseguiram mais produzir. Diferentemente da maioria, caminhava Nelson. O sucesso do cantor se expandiu com a chegada da TV e dos LPs, em um período que durou dos anos 1970 até o fim dos anos 1990.

Até a morte, em 18 de abril de 1998, foram 183 discos em 78 rpm (rotações por minuto), 128 LPs e 300 compactos. Vendeu mais de 81 milhões de discos e ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina.

“Ele deixou um legado muito grande, com 2740 músicas gravadas para que todo o país possa ouvir. Uma vez, o ex-presidente Jânio Quadros definiu Nelson como “um cantor boêmio e sedutor”. Era um cantor que fascinava todas as pessoas”, conta Lilian Gonçalves, filha do cantor.

Ao mesmo tempo que levava a vida artística com muito sucesso, tinha que administrar o lado pessoal conturbado. As inúmeras relações que teve com mulheres durante os anos de carreira resultaram em muitos filhos, casamentos, traições e separações. Lilian revela que Nelson tem 51 pedidos de paternidade pendentes até hoje. “Ele teve muitas mulheres, em grande parte por causa do assédio que recebia. Sempre falo que não ficou devendo nada para a vida. As grandes inspirações dele eram da boemia.”

Durante um período do fim da década de 1960 ao início da década de 1980, se envolveu com a cocaína e tornou-se alcoólatra. Tais relações com as drogas quase destruíram a carreira de Nelson Gonçalves, que entrou em depressão e tentou o suicídio. Pensou em desistir da música quando foi preso por porte de drogas, mas reencontrou o caminho ao sair da prisão. Com tratamento psiquiátrico e psicoterápico, começou o processo de desintoxicação e diminuiu consideravelmente o uso de cocaína, retomando as condições de ser um cantor completo.

“Realmente, nem tudo foram flores na vida dele. Drogas, problemas familiares, mulheres demais, filhos demais, tudo por demais. Mas, depois, Nelson se tornou um exemplo por ter superado o vício da cocaína. Até superar, ele permanecia trancado em casa, brigando contra si mesmo, pois queria sair daquela situação. E conseguiu”, conta Lilian.

Várias homenagens estão sendo produzidas durante este ano, no qual o cantor completaria 100 anos. O musical Metralha (1996) e o documentário Nelson Gonçalves (2001), de Elizeu Ewald, são lembrados como referências biográficas mais próximas do período em que Nelson estava vivo.

A gravadora Sony Music disponibilizou parte da obra de Nelson Gonçalves digitalizada nas plataformas digitais, contando com 35 álbuns que foram remasterizados e playlists diversificadas com as músicas do cantor. Nega manhosa, Missão cumprida e Na cadência do samba são algumas das composições disponíveis, que contam com a curadoria do historiador Rodrigo Faour.

Em parceria com os Correios, Lilian Gonçalves assegurou que 25 milhões de selos com o nome, a foto e a logomarca do centenário de Nelson Gonçalves estarão disponíveis em todas as cartas enviadas pelo Brasil.

Duas perguntas para Rodrigo Faour, historiador musical

O artista tem um legado que se perpetua até hoje. No meio musical, onde podemos encontrar referências do trabalho que ele deixou?

Nelson foi um cantor romântico bem popular, embora tenha gravado também bons sambas e até carnaval. Acabou indo por uma linhagem cabareteira que está aí até hoje. Depois dele, veio Waldick Soriano numa linha ainda mais popular. Em seguida, Reginaldo Rossi, Leandro e Leonardo, Marília Mendonça… O cabaré brasileiro não tem fim. Mas poucos o fizeram com tamanha integridade e originalidade. Embora sua personalidade fosse mais irreverente, do tipo que gosta de contar vantagem e, às vezes, falar umas bobagens, no palco era de uma concentração e respeito enorme com o público. Era um artista coerente que passava muita emoção na interpretação, com um grave magnífico que nunca ninguém conseguiu imitar.

Você acredita que a vida pessoal conturbada do cantor influenciou positivamente ou negativamente na carreira?

Eu acho que a pessoa que tem uma vida intensa, interna ou externamente, necessariamente é um artista intenso na interpretação. Mas, incrivelmente, ele sabia separar as coisas. Tinha uma mentalidade bastante comercial, assim como Roberto Carlos. Sabia o público que tinha e só jogava para ganhar. Nem o vício em cocaína e o fato de ter quatro mulheres simultaneamente o afastou dos discos ou prejudicou sua voz. Impressionante o profissionalismo e a sorte dele nesse ponto. Para mim, o Nelson ao lado do Francisco Alves e do Roberto Carlos foram os três cantores mais populares do Brasil de todos os tempos.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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