Ele é o tipo do cara que quando a gente cruza na rua pensa logo “que cara esquisito”. Só pensa, não fala. Ele tem mais de cem quilos, é cheio de tatuagens nos braços, usa botas e roupas rasgadas. Dizem que é feio e escroto. Mas ninguém confirma, pra não levar na cara. Nós até que o achamos um rapaz simpático. A Globo diz que a banda dele é de metaleiros. Ele nega. Mas é certo que já foi torneiro mecânico antes de virar punk. Ele fuma Hollywood, mas nunca tocou no Hollywood Rock. Entre cervejas e salaminhos, entrevistamos Gordo, do Ratos de Porão. (C&P, maio de 1993)
Por que todo gordo punk é viado?
(RI) Tô sabendo disso agora… Aqui no Brasil não tem punk viado, mas lá fora tem os homocore.
Eles enfiam tachinha no cu?
Fazem fanzines, têm suas bandas punks que falam de coisas gays. Uns caras normais, mas são gay, né cara. Lá fora tá todo mundo dos dois lados, tanto as minas quanto os caras. Bissexual lá é normal, meu.
Bissexual é quem dá o cu e chupa pau ao mesmo tempo?
É quem faz sexo duas vezes em seguida.
Afinal, você é punk, metaleiro ou grunge?
Não sou nada por fora e punk por dentro. Tudo isso de rótulo é arrumação da mídia, as bandas não têm culpa. É culpa da Globo, que tacha os caras de metaleiro num dia e de grunge no outro.
É o Brizola do punk: tudo é culpa da Globo!
Lá em São Paulo os caras eram roqueiros, curtiam pauleira, aí veio o Rock in Rio e a Globo inventou os metaleiros. A primeira vez que ouvi a palavra punk foi no Fantástico, cara. Tinha doze, treze anos e estudava em colégio de padre! Gostava de rock, Deep Purple, mas quando ouvi esse negócio de Sex Pistols, o culto do lixo, roupa rasgada… Era um clip do God Save the Queen. Aí fui no dentista e peguei a revista Veja.
A Veja tem culpa!
Tinha uma matéria sobre Malcom MacLaren, aquelas coisas horríveis. Na segunda vez em que fui ao dentista, li tudo aquilo de novo. Na terceira vez arranquei um dente e arranquei a página de revista. Aí saíram os discos do Vibrators, Sex Pistols, Clash e Television. Vendi minha coleção de discos e comprei tudo isso. Pô, eu era moleque, era em 77, malandro, não tinha porra nenhuma acontecendo!
Qual foi a primeira atitude punk que você teve na vida? Rasgar a roupa?
Estudava em colégio de padre, cara, usava gravatinha, não podia ter nada rasgado. Ridículo! Não tinha quase ninguém de punk aqui em São Paulo, só os caras da periferia, da Zona Norte, e uns boys de Brasília que moravam aqui, esses que têm banda hoje em dia.
Renato Russo?
É. Esses caras tinham informações sobre os punks, iam pra Londres, viam os shows, baixaram no Napalm pra tocar. Trabalhava lá eu e o Clemente dos Inocentes – Calegari, tudo filho de peão, e vimos aquela coisa diferente que os filhos de diplomatas tavam fazendo. Eu era torneiro.
Já começou pegando no ferro?
Já. Fui metalúrgico de comer de marmita. Era tipo CUT, ó, vamos lá todos!
Quando você desistiu de entrar pro PT?
Pô, cara, lancei meu primeiro disco, falei: Sou artista, meu, não vou ser mais peão. Nunca mais trabalhei. Sou vagabundo até hoje.
Quer dizer que você começou influenciado pelo pessoal de Brasília?
Influenciado nada, nosso negócio era muito mais arrojado do que o deles. Ficaram assustados. Nossa coisa era mais real, era a periferia de São Paulo, cara. Em 81 tinha umas trinta bandas punks, inclusive a Ratos de Porão.
Você começou nos Ratos?
Não, tinha uma banda de pivetinhos chamada Extermínio. A Punk Rock Discos era uma loja onde se reunia todo mundo. Tinha uns ferros na galeria, tipo meia-bunda, e os punks passavam o dia inteiro sentados nos ferros.
Olha, você que falou isso, hein!
Essa loja então resolveu gravar Grito Suburbano, com o Ratos de Porão.
Qual a diferença de vocês pro Sepultura?
Tem aquele papo que eu falo sempre: eles são bonitos, a gente é feio. Eles tocam pra caramba, a gente não toca nada… Mas isso é brincadeira. É que eles tocam trash, cara, são metal mesmo. Heavy metal. A gente é punk, cara. No circuito de heavy rola muito mais grana. O circuito punk é por prazer e ideologia. Agora, no Brasil o punk é distorcido. Uns neguinhos babando de nazistas. Uns carecas pretos tudo Sieg Heil! Tudo cena. O punk se espalhou, né meu. Todo mundo coloca um coturno, uma calça rasgada, fica meio parecido com o punk. Acontece um negócio lá fora, até chegar aqui em São Paulo, espalhar a notícia, vai dar uns white power que são uns puta mulatos que nem eu.
Vai muito careca no show de vocês?
Vai pra xingar e pra cuspir! Uns carecas crioulos, né cara! Ridículo! A maioria é de filhos de nordestinos e trabalham nas fábricas do ABC, produzindo automóvel, o caralho. No meio dos baianinhos tem uns branquinhos que agora com a ascensão do neonazismo na Alemanha se ligaram que são mais bonitos, têm olho azul, e criaram essa subdivisão do white power. Tudo com um pé na senzala ou na sinagoga! Essas caras são os meus inimigos! Não tenho nada contra os carecas, mas tem uns puta ridículos! No Rio agora subiu um lá no palco pra me xingar e desci o microfone na cabeça do cara! Depois ele foi no camarim pedir desculpas. Falei: “Ô mano, você é crioulo e quer me pegar! Vai pegar os white power.
Sete notas musicais não são um pouco de exagero?
São sete, cara?! É mesmo? Com duas já dá legal! Com uma eu dou o maior som! A fórmula hoje é: quanto mais simples melhor. Frescura musical não tá com nada. Esses caras que tocam muito – (CARA DE VIAJANDO) que demais! –, é um passo pra dar o rabo.
Vocês têm músicas de amor?
Não tem, cara. É só porrada.
Mas você não tá amando?
Tô.
A mando de quem?
Ela é uma gatinha. Todo mundo fala: Como um cara feio como esse pode ter uma mulher tão linda como essa. A minha é loura, cara!
Ela é judia, né? Quem fez circuncisão: você ou ela?
Ninguém, mas não tem jeito, pra casar eu vou ter que entrar na faca. Tirar o cacharel!
Você contou no Jô que tua namorada limpa o teu umbiguinho. Porra, punk que limpa o umbiguinho… qual é cara?
É… mas antes de eu namorar eu era um podraço. Não dormia com muié, ia ficar tomando banho? Não tava nem aí.
Mas não lavava nem o pau?
Tinha que lavar pra não criar polenguinho. Tá louco, meu. Mas seguinte: a mulher me endireitou, cara. Ela fez eu emagrecer quarenta quilos. Hoje em dia eu tô só com cento e quarenta. Uso perfuminho… óleos importados nas dobrinhas.
Pra dar a bunda é um passo, hein! Mas que outros buracos ela limpa?
Esse negócio… olha, meu umbigo é uma cratera, cara! (TIRA A CAMISA E MOSTRA) Não tem como limpar isso sem ajuda! Mas não sei o que aconteceu, descobriram essa história, fico muito puto, cara! Acho besteira ficarem falando nisso, é um detalhe que não precisa ser pagação: Oh! Estão limpando o umbigo do Gordo!”
Você faz algum tipo de ginástica?
Tem uns seis meses que comecei a levantar peso.
E jogar na plateia?
Não, academia, essas porras. Fui dois dias e não fui mais. Não aguento! Pra emagrecer, prefiro não comer. (E ENCHE A BOCA COM MAIS SALAMINHO) A gente sua muito com nosso estilo de som, que é mais o lance de físico do que musical. Mas a gente treina muito também, cara. É rápido e tudo perfeitinho. Vocês podem nem entender – ah, que barulheira! –, mas se ouvir bem… (BATUCA UMA VRADA DE BATERIA NA MESA).
O que você gosta que seu público jogue em você?
Não jogando merda tá limpo. Não gosto muito que cuspam. Tem uns punks ignorantes aí… vá cuspir na mãe! Mas jogam camiseta, calça camiseta, calça, tênis, colar, pulseira…
Não precisa gastar grana com roupa, né. Quando vocês tocaram em Portugal, jogavam bacalhau ou tamanco?
Jogavam sangue, cara! Portugal é muito legal, cara, parece um Rio com Bahia, só que cheio de português. Mas as bandas que vão tocar na Europa passam batido em Portugal. Ninguém vai lá. Tem pouco show. Então se vai alguém… Quando a gente tocou em Almada foi Portugal inteiro pra lá. Destruíram a cidade!
Almada é um Niterói de Lisboa?
A gente tocou num lugar chamado… como era mesmo?
Adegão Português? O Rei do Bacalhau?
O Gigante de Almada, um negócio assim, era um anfiteatro com três andares de balcão. Pô, tudo lotado, gente sem poder entrar, maior zorra! Os seguranças descendo porrada na plateia, a plateia descendo porrada nos seguranças, todo mundo pulando do balcão, cara, aquela chuva de português! Caiu um moleque de saco em cima de uma grade! (MOSTRA COM DEDOS ABERTOS) Caiu outro de testa, espirrou sangue em mim!
E você continuou?
Numa boa. Só falava: “Calma, gajos! Calma, gajos!”
Você consegue acalmar uma plateia dessas?
Eu seguro legal. (ERGUE OS BRAÇOS) Tenho esse dom messiânico… Falo: Vão parar com essas palhaçadas, pô! Subi aqui pra quê?
Já aconteceu o contrário: uma plateia tão fria que você tem que dar porrada neles?
Teve plateia tão escrota que mostrei a bunda pra ela. Uma vez eu tava no Autódromo, nos treinos, escrevendo umas coisas pra Notícias Populares, então eu passava, ouvia (GRITA COMO SE FOSSE DE LONGE): Olha a rolha de poço! Manequim da Ultragás! Sócio do Bordon! Um monte de coisa de gordo. Aí eu: (GESTO DE ABAIXAR AS CALÇAS E MOSTRAR O TRASEIRO). No palco, fiz isso várias vezes.
E jogaram o quê? Cenoura? Você comeu muita mulher em Portugal?
Nada, a gente tava na praia e tava no inverno.
Punk vai à praia no inverno?
A gente foi almoçar num restaurante… parece piada de português, mas aconteceu. Pedi um bife com cogumelo. O garçom marcou um pauzinho (FAZ UM TRAÇO NA VERTICAL). Outro amigo meu pediu um bife com cogumelo. O garçom marcou outro pauzinho (OUTRO TRAÇO NA VERTICAL). Ficaram dois pauzinhos. Aí começou a chegar um bife… dois bifes.. três, quatro, cinco, seis bifes… A gente começou a gritar: Pára! Pára! O cara viu os dois pauzinhos e preparou onze bifes!
Onde mais vocês tocaram na Europa?
Olha, em 89, a gente tocou em Portugal, Holanda, Alemanha. Em 90, a gente tocou na Dinamarca, Holanda, Bélgica, a Itália inteirinha, da sola da bota até o cano… A gente rodou uns 22 mil quilômetros de furgão.
Foram na Dinamarca, o país da sacanagem?!
Cara, a gente tava no furgão, atravessando de ferry-boat da Alemanha pra Dinamarca, e fui dormir. Quando acordei, cara, as portas do furgão tavam abertas e tinha uma cabeça enorme, de português, com aqueles bigodes assim, fazendo aquela cara de chupeta pra mim. Uma cabeça de homem com um bigodão, assim ó! (IMITA A BOCA DE CHUPAR PAU). Os caras tinham parado em frente a um sex-shop, e era um boneco inflável. Tinha uns paus assim, meu, tinha uns braços (MOSTRA O MUQUE) enormes para fazer fist-fucking. Aquelas coisas todas! Falei: Puta que pariu, meu, que país legal!
Não te chamaram pra fazer um filme de sacanagem?
Não. A gente ficava muito nos squats onde a gente tocava. Squats são os punks que não têm onde morar, aí invadem uma casa, tentam tirar, eles não deixam. Aí fazem lá um centro cultural, com biblioteca, shows, pinturas, tudo.
Vocês já saíram daqui sabendo onde seriam os shows ou saíram por aí tocando?
Não, saímos daqui com a turnê toda marcada.
Até os Ratos de Porão são mais organizados que a gente! PQP!
Gravamos dois discos na Alemanha. Inclusive tava lá quando houve a união dos dois países.
Foi você que derrubou o Muro de Berlim? Encostou no muro e…
Foi um peido que dei lá.
Nas turnês vocês quebram muitos hotéis ou só ficam em hotéis quebrados?
A gente não é disso não. Depois tem sempre que pagar. Quebrar hotel é pra quem tem grana: The Who, Pete Townshend… Tinha uma época em que os Pinups começaram a quebrar tudo. Aí partiram o baixo no meio e na hora de arrumar ficou uma grana! Não quebraram mais nada. Eu acho lindo essas coisas no palco, mas pra quebrar um instrumento meu prefiro dar prum cara podre.
Você prefere dar prum podre?
Uma vez eu dei uma de Kurt Cobain. Tava muito bêbado, tomei um litro de uísque, chegou na hora do show não sabia de nada. Só sei que na hora do bis não tava funcionando um amplificador. AÍ POW (DÁ PORRADA NUM AMPLIFICADOR IMAGINÁRIO). Depois a bateria: POW! PLAFT! Vieram pra mim assim: Calma, Gordo, e eu PÁ neles! Fui pro camarim e PLEIN no espelho! Depois… o prejuízo! ( COBRE O ROSTO DE DESESPERO) mil e quinhentos dólares de iluminação!
Mas você agora tá rico, né, isso não é problema…
Não, eu tô rico é de problemas.
Quê isso! Você, o Jô Soares, o Faustão, esses gordos de São Paulo tão todos nadando em dinheiro! Com o punk não dá pra ficar rico?
Não, a gente não é como uma banda pop que sai tocando todo dia no rádio. Tem que ser uns showzinhos matados, por uns cachezinhos. Todo show a gente tem que negociar. A gente é meio maldito, eles têm medo da gente. Oh! (CARA DE PAVOR)
Vocês não são os Engenheiros do Hawaii, né?
Eu detesto esses caras! O batera deles é legal, mas o louro… eles tinham que ir fazer prédio no Havaí!
Se eles fossem pro Havaí, quem você mandaria junto pra ser peão da obra? Lulu Santos?
Esse tinha que ser o capaz! Ia mandar a maior galera, aquelas ilhas iam todas afundar!
Se botassem você junto com o Humberto Gessinger num estúdio, saía alguma coisa?
Saía o maior som! Pessoalmente, não tenho nada contra os caras. Uma vez fiz uma jam-session com eles… Me chamaram pra tocar com eles, não lembro onde era. Sei que era meio de boy. Aí bebo, bebo, bebo, fiquei gritando: Não sei o que tô fazendo aqui nessa merda! Mandei tomo mundo tomar no cu! Fiquei dando porrada no teclado do cara! Caí pro lado e desmontei toda porrada no teclado do cara! Cai pro lado e desmontei toda a bateria do outro cara! Fiquei em casa uma semana, de tanta vergonha! (ESCONDE A CARA, ENVERGONHADO)
Mas isso é uma performance genial!
Não, a vergonha foi pela mulher que peguei depois! Não lembro direito, só sei que era muito feia!
Você comeu uma mulher feia?
Não fui comer, ela é que me pegou e me levou embora, cara! Só lembro de um bar, eu deitado no chão assim quebrando umas garrafas, e uma cara de mulher horrível aparecendo na minha frente: (FALANDO ENROLADO) Oi meu amor! Sumiu tudo e só voltou depois com o Akira me dando uma grana e me pondo num táxi.
Mas houve penetração?
Não me lembro.
Aposto que as melhores coisas da sua vida você não se lembra. Que história é essa de Cazuza? Você comeu ele?
Cara, no auge do Madame Satã, todas as pessoas naquela porra tomavam ácido. Trezentas pessoas na loucura, cara! Eu tava Ben Johnson, pra lá e pra cá… na hora que volto do banheiro vem um cara e me agarra por trás, passa as duas pernas por baixo da minha cintura, tá legal? Aí eu quê isso! E PÁ na orelha do cara! Ele caiu, dou um empurrão, e o balcão do Satã, que era meio solto, veio abaixo! Veio outro bicha lá, o tal do Ezequiel Neves, e dei um toque no cara pra ele ficar na dele. Aí vieram dois macacos pra cima de mim: Esse aí é o Cazuza! Falei: Pau no cu do Cazuza!
Mas era essa a proposta metaleira dele?
Nessa época ele cantava ainda no Barão Vermelho. Então eu ficava nos shows: Aí, Cuzuza, Cuzão Vermelho! Cuzuza! Cuzão Vermelho! A noite inteira, louco, enchendo o saco. Na outra vez, tirei meu tênis – na época era podre mesmo –, esfreguei na cara dele! E ele: Ahhhh… Gozou nas calças! Na terceira vez, entrou Vania Toledo, Okky de Souza, camarim lotado, pra falar comigo, De repente olho pro chão e Cazuza tá lá agachado, abraçando a perna do Ezequiel Neves, berrando assim: “Eu odeio esse gordo!” Dei uma tapa no cara de sinaleiro de trem. PAAA! Ele deu um ataque histérico! Depois morreu de AIDS.
Culpa sua.
Não, ele era muito escrachado, gostava de levar porrada.
O que mudou no punk depois da peste?
Na Europa não mudou muito. Os punks já eram anti-sexistas. Lembro que uma vez a gente tava viajando num furgão que tinha escrito Show me your tits e quando a gente parava nos squats as meninas ficavam oh! Eram muito feministas… o que mudou realmente no mundo punk foi o negócio de tomar pico. Lá tem junkie pra caralho, né cara. Morria muita gente de overdose. Quando começou a morrer também de AIDS maneiraram um pouco. Porque morreu de AIDS, não adianta, fica sendo viado!
O cara tá lá morrendo de AIDS e gritando: Sou é junkie! Sou é junkie! O problema não é morrer, é a fama depois.
Tem uns punks lá fora que são uns puta radical, cara. São os caras mais honestos que você pode encontrar. Uma amiga minha perdeu cem dólares num squat em Amsterdam e entregaram pra ela. Se fosse no Brasil, cara…
Você curte cinema?
Ih cara, é a maior briga. Minha mina gosta de filme cabeça. Eu só gosto de Goonies.
E filme de sacanagem?
Viu um, viu todos…
E esses filmes trash, bem podres?
Assisti agora a um filme legal: Attack of the Mushroom People. Ridículo! O melhor mesmo foi um video que o Mike Patton, do Faith No More, gravou e mandou pra mim. Esse cara tem um gosto duvidoso, só tem cena merda! Tipo uma mina pregando o grelo com um martelo… O gran finale é um cuzão assim cagando e uma cara embaixo comendo tudo. Que demais! Sai aquela bosta e o cara come umas quatro vezes.
E você ali de pau duro!
Não, fiquei com nojo. Só vi ele comendo umas duas vezes.
Já tinha jantando, né.
Tem coisas como um japonês numa cadeira de rodas e uma mulher com caganeira e o cara mandando ver naquilo.
Você ainda toca punheta?
De vez em quando é bom.
E tá cobrando quanto?
Pra amigo eu toco de graça. Vem cá!
E além da bronha?
Baixo, guitarra e bateria, cuíca, surdão, repinique, caixa e agogô.
Qual a sua formação musical?
Oreia. Mas entendo de som. Tô dando uma de produtor agora.
(ACUSANDO) Você acha que isso que você faz é trabalho?
(TRANQUILAMENTE) Não. Eu não faço nada. Sou vagabundaço. Não trabalho nem fodendo, cara.
E playback, vocês fazem?
Uma vez fomos fazer a Angélica, cara! Milk-Shake! No mesmo camarim tava nós e o Serguei. Ele entrou, olhou pra nós, saiu lá fora e perguntou (COM VOZ AFEMINADA): Quem são eles? São os Ratos de Porão. Então ele voltou (COM VOZ GROSSA): Oi. Tudo bem. Tudo certo. Macho pra caralho. Acho que ele era meio louco, cara. Ficou batendo na mesma tecla: Porque os Hell’s Angels… Serguei parecia o Iggy Pop, cara. Aí chegou a hora de tocar. Antes da gente entrou Ruy Maurity.
Eu fiz chover eu fiz relampear…
Detesto fazer playback, né meu, só zoando mesmo. A gente trocou todos os instrumentos e fez umas palhaçadas. Não vou em programa de playback.
O que você acha do Axl Rose?
Um cuzão, cara! CUZÃO! Axila rosa? Babacão! Deu o cu muito quando era moleque, né cara, ficou revoltado porque o pai comeu ele… e fica jogando cadeira em cima do povo…
Quem é legal?
É difícil falar todo mundo, conheço muita banda, cara, acompanhei a história do punk de perto. Conheço quase tudo de música pesada.
E dos dinossauros do rock, quem você curte?
A Família Dinossauro!
Led Zeppelin?
Não gosto muito não. Gosto do Kiss. Myths of the Phantom in the Park é de chorar! Muito legal. Quando eu tinha dez anos fui num show de Alice Cooper, mas hoje não gosto não. Gosto de coisa antiga de Deep Purple. Black Sabbath pra mim só enquanto tinha o Ozzy. Não gosto de frescura, cara. Sempre odiei progressivo. E nunca fui numa discoteca na vida.
Nem pra dançar Bee Gees?
Pra quê? Ficar dando uma de palhaço? Época do Grease, me lembro que fui na feira comprar banana, e andava todo de preto, né meu. Tudo preto. Gritavam assim: Olha a banana, olha a laranja, olha o Travolta gordinho! Aquilo me deixou traumatizado… Odeio piada de gordo! Se vai entrar na piscina: Vai jogar a água toda fora! Se vai subir no carro: Tá afundando o pneu! Vai quebrar a cama, o avião não vai levantar vôo… Por favor, inventam novas piadas pra gordos!
Você é todo tatuado, né?
Todo não. Eu comecei a tatuar nas costas, fui descendo, descendo mais, mas quando chegou perto do Reagan… aí vai doendo, né cara. Acho que essa é a parte mais sensível do corpo.
Já foi preso?
Várias vezes, cara. (ENCHE A BOCA) Porte ilegal de drogas…
Porte legal de drogas é quando? Quando você não é pego?
Mas já faz tempo, e fui absolvido. Fui lá no juiz, coloquei um terno, passei gomalina no cabelo e falei que era crente. Foi tudo um embuste da polícia pra me sacanear…
A polícia já acabou com muito show dos Ratos de Porão?
Antigamente sim, em 82, 83, em São Paulo. Época de repressão, né cara, Figueiredo. A polícia chegava e botava homem prum lado e mulher pro outro. Tiravam os coturnos e os cintos de todo mundo. Viravam pros músicos (COM VOZ INVOCADA): “Aí! Pode descer!” Hoje em da a polícia se acostumou com os punks.
Teus pais ouvem Ratos de Porão?
Que é isso, cara! Minha mãe foi uma vez um show meu. Saiu toda bonita, arrumada, parecia que ia sambar. Chegou lá, foi empurrada, pisoteada… nunca mais foi. Lugar de mãe é em casa!
E se teu filho resolver ser corretor da bolsa?
Na boa, cara, menos dar a bunda, cara… o resto tá limpo.
E se for um homocore ou um clubber?
Não sei, acho que meu filho vai ser um puta dum careta. É sempre assim: pai louco, filho cuzão.