Programa Rouanet Norte

CAPÍTULO 5 – Banda Cabocrioulo

Igor Brasil, Milton Cabocrioulo, Daniel Oliveira e Marco Cileno curtindo a vida adoidados
Postado por Simão Pessoa

(Por se tratarem de textos longos que só cabem num livro físico, optamos por destrinchar o Capítulo 5 (“A Segunda Dentição do Reggae Manauara”) em várias partes, para poder caber nessa plataforma digital. So sorry.)

Cabocrioulo e a Maravilhosa Fábrica de Percuteria

Formada por Milton Cabocrioulo (voz e violão), Daniel Oliveira (guitarra, ex-Johnny Jack Mesclado), Marcos Cileno (baixo) e Igor Brasil (bateria), a banda Cabocrioulo foi fundada no dia 25 de julho de 2005 e desde sua primeira apresentação já causou um reboliço da miséria no cenário local. Com uma linguagem musical própria e letras autorais que não se encaixavam apenas em um único estilo, prezando pela mistura proposital de ritmos afros, a banda proporcionava uma sensação musical muito particular, criando um som que não pode ser explicado, mas sim absorvido por todos os poros. Mais ou menos como se fosse um jam session entre Jorge Benjor, Naná Vasconcelos, Itamar Assunção e a bateria do GRES Mocidade Independente de Padre Miguel, sob o comando de Mestre André.

Havia uma explicação possível. Apesar de serem todos manauaras, os músicos haviam sofrido influências musicais bem diferenciadas. O vocalista e compositor Milton Cabocrioulo morou 10 anos em Recife (PE), onde tomou gosto pelo maracatu de baque solto, maracatu de baque virado, frevo, coco-de-roda e afoxé. O contrabaixista Marcos Cileno, filho do cantor Cileno Conceição, trazia o reggae na veia. O guitarrista Daniel Oliveira vinha de uma banda de reggae, mas também gostava dos ritmos nordestinos da escola de Zé Ramalho, Alceu Valença e Geraldo Azevedo. E o baterista Igor Brasil era uma máquina de bater baquetas em qualquer ritmo, de samba a rock, de reggae a forró. Se não bastasse isso, ainda foram agregados ao núcleo inicial da banda os músicos Anderson Bessa (trombone), Juarez Monteiro (violão) e David Cardoso (percussão).

O primeiro CD da banda, “Percuteriaeletroacústica”, lançado em 2007, já sinalizava para o caminho das pedras em termos de sonoridade prêt-à-porter e trazia uma série de hits memoráveis que caíram no gosto do público. Basta ouvir “Outra Qualquer Coisa”, “Ar Mais Puro”, “Samba Do Zeca”, “Menino Quieto”, “Dona Júlia”, “É Só Fachada”, “Sapatinga” e “Manaus Cidade Grande, Costume De Interior Pequeno”. Esta última, cujo andamento lembra um samba esquema novo com nuances de samba de breque, faz uma radiografia irônica da capital manauara: “Oh! Grande pequena extensão / Uma parte do Brasil em evolução / Crescimento urbano e um verde se acabando / Onde empresários querem construir / Gigantes prédios, ganhar dinheiro e fugir / Fazer parcerias e se dar bem / Em falando em se dar bem / Ontem fui lá na praça e vi aquela menina que namora / com aquele fulano sabe? / Tava com um cara, me olhou de longe / Ficou sem graça / Pode deixar não falo nada / Não sou desses, mas tem quem faça / Num lugar onde o costume é de interior / Todos sabem, ficam falando o que rolou / Nada se esconde e tudo se viu / Seja no bairro nobre ou onde passa o rio / Manaus cidade grande costume de interior pequeno / BR-319 sair ou sobressair / Pensar no próprio crescimento / Ou querer que o Estado cresça / Decisões precipitadas mostram a real situação / Nada de oi, tudo bem? como vai irmão? / E digo mais: evolução na tecnologia e regressão nos valores morais / Mas este lugar ainda é pacato / É aqui que reina a paz da floresta / E onde o sol continua a brilhar / No coco, no coco, no coco do trabalhador caboclo.”


Em 2011, a banda lançou seu segundo CD, “Afroregionalizando”, que apresentava uma banda mais madura e firme em suas raízes, procurando mostrar as belezas da região e o cotidiano do povo do Amazonas. Entre as melhores faixas do álbum estão “Banho De Rio”, “Dia De Cão E Dia De Preguiça”, “Tem Muito Coringa Se Achando Rei”, “Mosaico Abstrato”, “Sossego Matinal” e “No Quartinho Da Maloca”. A exemplo do que havia feito anteriormente no primeiro CD e de olho nas redes sociais, a banda lançou dois videoclipes do novo álbum, “No Quartinho Da Maloca” e “Banho De Rio”. Os dois videoclipes anteriores foram “Ar Mais Puro” e “Mosaico Abstrato”. Todos eles estão disponíveis no YouTube.

– Está na hora do Brasil olhar mais para a música autoral do Norte, tem muita coisa boa sendo realizada por aqui – alfinetou Milton Cabocrioulo, durante o lançamento do CD no Espaço Cultural Muiraquitã, em Manaus.

Desde a sua formação, a banda Cabocrioulo participou de diversos festivais importantes no Brasil que valorizam a música autoral, entre eles Festival Varadouro (Rio Branco-AC), Domina Mundi (São Paulo-SP), TomaRRock (Boa Vista-RR) e Festival Amazonas Rock (Presidente Figueiredo-AM). Em Manaus, eles marcaram presença no Festival Até o Tucupi, Festival Cauxi, Festival Pirão, Dia da Música, Malaba Jam Festival, Virada Cultural e Virada Sustentável. A banda também abriu shows de artistas de renome nacional como Cordel do Fogo Encantado, Seu Jorge, Monobloco, Vanessa da Mata, Zeca Baleiro, Mundo Livre S.A., O Rappa, Cidade Negra, Ponto de Equilíbrio e Nando Reis, entre outros.

Em paralelo, a Cabocrioulo faz parte do projeto “Amazônia Music Conspiração”, uma parceria com outras bandas de Manaus visando divulgar o som que é feito na região Norte, por meio da internet, com o objetivo de chegar até os festivais e feiras de música que acontecem pelo País. Em 2016, foi lançado o primeiro DVD do projeto, também disponível na web.

Em 2018, a Cabocrioulo lançou o primeiro DVD da carreira do grupo. A mistura de ritmos e o som inconfundível da banda levaram uma multidão de fãs até o Largo Sebastião, onde ocorreu o show de lançamento do DVD, gravado ao vivo, em março do mesmo ano, no Teatro Amazonas. O nome escolhido para o show acústico da banda que deu origem ao DVD foi “Cabocrioulo no Casarão da Amazônia”, num total de 12 músicas – inéditas e versões exclusivas – gravadas com participações especiais de músicos como o roraimense Neuber Uchôa, o reggaeman Cileno Conceição e o rapper Jander Manauara. Com o tema “Cabocrioulo, Regionalidade e Nacionalidade”, a banda fez um resgate da sua origem, quando surgiu em 2005 e intitulou a banda com esse nome, que significa caboclos crioulos, desfilando por todos os segmentos musicais que incluem os dois povos.

– Na questão da musicalidade, como a gente teve essa proposta de fazer um show acústico, a gente pensou principalmente nos instrumentos – afirmou Igor Brasil – Quanto aos violões de aço, de náilon e eu dei a opção de chamar o Neto Armstrong e, na percussão, a gente teve os arranjos de samba, fazendo a mistura cabocrioulo, com samba raiz, afro, reggae, afoxé, por isso a ideia de reforçar a percussão.


Para o vocalista Milton Cabocrioulo, esse foi o maior trabalho da banda durante os 13 anos de história, e gravar no Teatro Amazonas deu um toque especial à proposta da banda.

– A gente tem uma equipe muito boa. A moçada toda da produção que teve essa ideia, não foi só nossa, não. Foi minando lugares, até que mudou de ideia umas 20 vezes e tava na nossa cara a ideia de ser no Teatro Amazonas. Com certeza foi o nosso maior trabalho, o trabalho mais bem feito, com a equipe mais profissional, foi tudo de alta qualidade – afirmou Milton.

Em comum acordo, eles optaram por não lançar o DVD em plataformas físicas, mas a gravação do show ao vivo na íntegra está no canal da Cabocrioulo no Youtube, com acesso gratuito para o público.

Em 2022, aproveitando sua participação no projeto Tacacá na Bossa, no Largo de São Sebastião, a Cabocrioulo lançou um novo single intitulado “Leite Ninho E Nescau”. Segundo Milton Cabocrioulo, a música era um resumo das emoções que os integrantes do grupo passaram no período da pandemia. A produção do single aconteceu no período de julho a agosto daquele ano, em parceria com o Estúdio Parixara, de Boa Vista, onde foi gravado.

– Não só essa música, mas muitas outras que criamos nesse período refletem os nossos sentimentos e todas essas mudanças pelas quais passamos. Sobrevivemos, mas agora com a perspectiva de olhar para a vida e para os novos projetos com mais carinho – afirmou o cantor.

– Temos muito material novo, que foi criado durante o período que passamos em isolamento. Agora chegou a hora de organizar tudo isso para lançar no próximo ano – comentou o baixista Marcos Cileno. – Vem muita coisa legal por aí.

É esperar para ver. Jah live!

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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