(Por se tratarem de textos longos que só cabem num livro físico, optamos por destrinchar o Capítulo 5 em várias partes, para poder caber nessa plataforma digital. So sorry.)
Ayahuasca e a Grande Trip da Floresta Encantada
Em 2006, o músico Da Lua resolveu levar um compadre seu, o violonista Yuri Reis, para conhecer o multi-instrumentista Agostinho Guerreiro, dono de um estúdio de gravação que também funcionava como ponto de encontro das bandas de punk hardcore da cidade. A simpatia entre os dois foi imediata. Compositor, Yuri Reis apresentou uma música autoral para Agostinho, que ficou mais impressionado com a potência de voz do novo amigo do que com a composição em si. Ele levou Yuri Reis para fazer um improviso dentro do estúdio com Michael (bateria) e Pipoca (guitarrista), da banda Rock Slide, e o resultado foi bastante promissor. A partir desse dia, Yuri Reis tornou-se habitué tradicional do estúdio e conseguiu convencer Michael e Pipoca a desenvolverem um trabalho com ele paralelo ao da banda Rock Slide. Os músicos Da Lua e o percussionista Mau Mau participaram desse núcleo inicial.
Depois de quase um ano de ensaios, com eventuais apresentações nos barzinhos locais, a banda já possuía um repertório autoral suficiente para fazer seu début no palco e a escolha recaiu no Ao Mirante, que pertence ao pai de Agostinho Guerreiro. O próprio multi-instrumentista já vinha ajudando o grupo como baixista, mas no início quem tocava o contrabaixo no grupo era Marcos Cileno.
A escolha do nome da banda coube ao vocalista Yuri Reis, depois que ele tomou ayahuasca pela primeira vez e compôs a música “Duende”, um dos primeiros sucessos da banda e que deu origem ao Festival Floresta Encantada: “Floresta encantada, vou tentar acreditar / Mas existe coisas estranhas acontecendo por lá / Um barato com orelhas apontadas / Segurando uma estaca de uma erva que ia fumar / O tal carinha tinha as pernas curtinhas / Um chapéu muito engraçado, que era fácil de notar / Me perguntando se eu sabia o que era seda / Respondi: Não sou careta, dessa erva um pega você vai me dar / Falou que o ayahuasca era uma raiz encantada / Uma força inigualada e do seu chá ia tomar / Bebi três dedos numa cuia de cabaça / Era amargo, era massa, só pensar em virar / Alguns minutos saí do meu corpo inteiro / Era forte, passageiro, foi bom, pode acreditar / Ô tal carinha desça desse cogumelo / E me conte o mistério da floresta / Tô aqui pra escutar / Não sou carinha, muito menos está o barato por aqui / Falam seu chato de gnomo, você pode me chamar / Eu posso lhe chamar de como? / Mas eu sou duende, tenho orelhas diferentes / Sou pequeno, inteligente / Eu sou verde, mas sou gente / Arco-íris aparece e faço festa lá, tem um pote de ouro / Que ninguém pode encontrar / Na floresta ensinei o índio a fumar, tomar chá de cogumelo / E ninguém pra atrapalhar / Pode ir embora, mas com uma certeza: / Sou maluco, sou beleza /Gente fina pra mandar”.
A ideia da banda, segundo o vocalista, que adotou o nome de “Yuri Rasta”, era a de fazer um reggae mais politizado, sem deixar de lado temas como o amor e a cultura regional amazônica. E é exatamente por esse cunho regional que os integrantes da banda optaram pelo nome Ayahuasca.
– A bebida é o vinho da alma e é servida nos rituais indígenas e do Santo Daime em um momento sagrado, embalado por músicas que preenchem a cena. É exatamente essa a nossa proposta – garante o vocalista.
Por outro lado, Agostinho Guerreiro já estava meio cansado daquele lance de tocar para tribos de adolescentes punks hardcore na banda Adesão, que ele havia formado. Assim, depois de ter recebido uma infinidade de pedidos de Yuri para entrar na banda e ter respondido “não”, foi a vez de o músico descer do salto e pedir humildemente a Yuri para participar da Ayahuasca. Os demais membros da banda torceram o nariz, mas Yuri bancou a parada e Agostinho foi aceito.
Se apresentando todos os domingos no Ao Mirante, a banda foi crescendo musicalmente e começou a produzir o já citado Festival Floresta Encantada, baseado na conscientização ecológica, nos sons e cores da floresta e na música alternativa. O principal foco do evento é a preservação ambiental, o que envolve desde a confecção dos impressos, com papel reciclado, até a decoração do evento com matéria prima residual.
Quer dizer, o trabalho da banda Ayahuasca vai muito além da sua veia musical e verbal, é pura dedicação e perseverança em defesa das florestas e do nosso verde, sem perder de vista o contexto social. Quanto ao som, seu gênero não é exatamente definido nem mesmo pela própria banda. Embora seja reggae, o grupo com o tempo incorporou elementos do raggamuffin, dubstep, música indígena, rock, dub e até mesmo o drill, aquela batida mais soturna e pesada do gangsta rap.
Para se ter uma ideia da dimensão do Festival Floresta Encantada, basta dizer que o line-up de uma das edições contou com as bandas Coletivo 333, Davi Fireman, Maracatu Pedra Encantada, Vibe Positiva, Selva Madre, Insane Ambient, Solar Roots, Casa de Caba e a própria Ayahuasca, com o lançamento do disco e clipe “Arvore De Pedra’”, uma homenagem póstuma à Deco Adimir Thiago, ex-baixista da banda. Além das atrações musicais, o festival contou também com uma sala de mídia e dois paredões, “Amazônia” e “Paredão de Papelão”, onde a música era non-stop, e o espaço healling, com serviço de massagem, reflexologia, yoga flow, dança circular e chás terapêuticos.
A semana do festival reservou outros microeventos de ativismo e ações socioambientais que aconteceram em várias regiões da cidade para todo tipo de público, principalmente visando as crianças, por ser um público com mais facilidade de absorver a mensagem de conscientização ambiental. Essa programação, que contou com a parceria de voluntários do “Greenpeace – Corais da Amazônia” e “EngajaMundo – Campanha da Água”, incluiu a apresentação do filme “Okja”, com direção de Joon-Ho Bong, no MUSA do largo do São Sebastião, aulão Acroyoga, com as crianças da Comunidade Parque das Nações, ministrado pela Kuma Yoga School, Varal Temático, com sensibilização ecológica, próximo ao Parque dos Bilhares, e ação de divulgação do jornal O Brado, que reúne 11 estudantes, todos moradores do Distrito do Purupuru, na zona rural de Manaus.
Em 2012, depois de dois anos de ralação incessante no Rio de Janeiro, para onde haviam se transferido, a banda Ayahuasca conquistou mais uma vitória: eles foram convidados para se apresentar na Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, batizada de Rio+20, que rolou na capital carioca. A Ayahuasca fez seu show no dia 22 de junho, às 19h, na Cúpula dos Povos, uma estrutura montada no Aterro do Flamengo. A banda tinha sido selecionada entre 600 grupos que se inscreveram no site da Rio+20.
O vocalista Yuri Rasta acredita que os organizadores do evento tenham escolhido a banda devido à temática de suas composições, que tratam sobre preservação da floresta, cultura indígena e outros assuntos ligados ao segmento ambiental. “O nosso repertório sempre foi feito somente de composições autorais. Continuamos com a mesma identidade que tínhamos em Manaus, com a mesma ideologia que o Rio de Janeiro adotou”, explicou. A intenção era comprovar que Manaus conta com bons grupos. “Queríamos mostrar que Manaus tem música de qualidade, que não tem só brega, que tem música boa, além do brega”, ironizou.
A lista de músicas do show trazia canções dos dois CDs da banda, entre elas “A Guerra”, “Becos E Favelas”, “Universo”, “Banisteriopsis” e “Canção De Liberdade”. Essa última fala sobre os animais aprisionados que deveriam estar soltos na natureza. “Também apresentamos algumas músicas do próximo disco, que estava em gestação e se chamaria ‘Uaranã’, que é a palavra que deu origem ao que chamamos hoje de guaraná”, adiantou Yuri. Além dele, a Ayahuasca se apresentou na Cúpula dos Povos com Daniel Tot (bateria), Pedro Sustage (contrabaixo) e Rafael Casqueira (guitarra).
Todos os integrantes da banda são moradores do bairro de Santa Tereza, que fica a poucos minutos da Lapa, local onde costumam acontecer seus shows. “Manaus, por ser uma ilha, acabou ficando pequena, o público se limitou. Para não ficarmos limitados decidimos fazer outros voos. O santo de casa fez milagre, tanto que na geral gostam muito da gente em Manaus. O público enchia a casa onde tocávamos. Mas é aqui no Rio de Janeiro que está o eixo do Brasil, onde as coisas acontecem, onde estão gravadoras, produtores… Viemos atrás disso”, disse Yuri Rasta. E parece que essa busca já estava dando resultados, pois já contavam com uma produtora, uma gravadora independente e um público significativo na Cidade Maravilhosa.
Em 2014, numa entrevista para o site Surforeggae, Yuri Rasta falou sobre a vibe da banda, que já havia lançado dois discos de estúdio, “Pés no Chão” e “Urucum”.
Nos fale um pouco sobre como foi formada a banda. Quem são seus integrantes atuais?
A banda foi formada em Manaus em 2006. Em 2009 a banda veio pro Rio de Janeiro onde só o vocalista Yuri Reis e o guitarrista Agostinho Guerreiro permaneceram na cidade. Lá, conheceram o baterista Daniel Tot que já tocava com o baixista Pedro Sustagem. Um ano depois o guitarrista Rafael Casqueira entrou pra banda, que atualmente também conta com os teclados de Gunter Fetter. Há quatro anos estamos atuando na cena carioca.
Quais são os seus artistas nacionais e internacionais favoritos quem de certa forma influenciam no som?
Gostamos de Nação Zumbi, Steel Pulse, The Congos, enfim, música jamaicana e brasileira. Gostamos também de rock pesado como Black Sabbath e Led Zeppelin. O rap também faz parte do nosso cotidiano – artistas como Black Alien, The Roots e Mos Def. Curtimos de tudo um pouco e termina virando influência.
Vocês utilizam elementos diferentes como, por exemplo, indígenas na música da banda?
Sampleamos alguns cânticos indígenas e apitos de pássaros. Temos algumas percussões trazidas da Amazônia que usamos também. A banda tem muita influência da música indígena.
Como surgiu a ideia do nome da banda?
O nome foi dado pelo vocalista Yuri Reis após uma sessão de Ayahuasca que se trata de uma bebida milenar cultivada por povos indígenas.
Como está a discografia da banda? O que está sendo preparado para o futuro próximo?
Temos dois discos, “Pés no chão” gravado em Manaus e “Urucum”, feito no Rio de Janeiro. Estamos preparando o nosso terceiro álbum que se chamará “Tribos”.
A banda se mudou pro Rio de Janeiro há algum tempo. Por que tomaram essa decisão e como está sendo?
Queríamos expandir os horizontes. Já estávamos na cena amazonense e era preciso respirar outros ares e buscar uma inserção maior no mercado para alcançar um número maior de pessoas.
Para vocês que viveram mais de perto, como é o movimento do Reggae no Amazonas?
Apesar de ter boas bandas na cena de lá, não tem muito mercado ainda, por isso sentimos a necessidade de vir pro Rio de Janeiro.
O que precisa melhorar para o reggae nacional atingir mais público?
Acreditamos que tem muita banda boa por aqui, mas falta autenticidade. Já que fazemos música de protesto, deveríamos nos importar mais com assuntos do Brasil, as florestas, nossos índios por exemplo. Talvez tivéssemos mais credibilidade se fôssemos menos jamaicanos e mais brasileiros.
Deixem uma mensagem para quem já curte o som de vocês e para aqueles que acabaram de conhecer um pouco mais o trabalho da banda aqui pelo Surforeggae.
Para quem já conhece e sabe da nossa proposta, obrigado pelo respeito! Para quem não conhece, convidamos todos a entrar no nosso mundo. Viva a floresta e todos os seres que nela vivem! Obrigado!
Como é o único integrante da banda que continua morando no Rio de Janeiro, Yuri Rasta acabou tendo dois grupos diferentes para lhe acompanharem nos shows. Na Cidade Maravilhosa, ele conta com os músicos Guilherme Brum (guitarra), Igor (bateria), Wagner Nascimento (baixo) e Philippe Gravetto (teclados). Em Manaus, onde costuma vir com certa regularidade, ele conta com Agostinho (guitarrista), Pipoca (tecladista), Michael (bateria) e Marquinhos (baixo).
Em 2021, a Ayahuasca lançou seu quarto disco, chamado “Casa dos Gorilas”, produzido por Villeroy, contendo 10 faixas e oito participações especiais, entre elas Bril, Allan Rastafeeling, Dagô Miranda, LK Marroquino, Villeroy (antigo 1kilo e produtor do disco), Wanderlean, além de contar com participações especiais de Dudu Santana (AfroJazz) nos trompetes e Bidu (Paralamas do Sucessos) nos trombones, entre outros. O álbum veio acompanhado de 10 clipes gravados no nordeste e sudeste do Brasil.
Nesse quarto CD, a banda investiu em batidas de soundsystem e drill, criando batidas marcantes e inéditas no Brasil, que não deixam ninguém ficar parado! A primeira faixa, “Vida Reciclável”, fala como nossas vidas parecem algo descartável em meio a insanidade do dia-a-dia e a batalha para se reciclar e se manter vivo, e teve a participação especial de Zila (Nazireu Rupestre) marcando presença na percussão. Todas as músicas da banda estão disponíveis nas plataformas digitais.