Por se tratarem de textos longos que só cabem num livro físico, optamos por destrinchar o Capítulo 6 (“As Vozes Femininas da Nação Cabocrioula”) em várias partes, para poder caber nessa plataforma digital. So sorry.
Natty dos Anjos e o empoderamento pelo reggae
Nascida e criada em Manaus, a cantora Natty dos Anjos tem sido uma presença constante na cena alternativa da cidade encantando a plateia com a bela mistura de ritmos que domina com maestria. Mas entre carimbó, ijexá, MPB e MPA, a artista defende que a sua própria essência musical está no reggae. “Gosto das palavras de positividade, da energia e da filosofia que o estilo prega. Além disso, procuro fazer interpretações únicas de toda música que executo. A música que me toca é aquela que tem verdade, que consegue acessar nossas terminações nervosas”, diz a cantora.
Mulher empoderada, cheia de alegria e borogodó, Natty dos Anjos está presente no cenário da música amazonense desde 2012, quando iniciou os primeiros trabalhos autorais, mostrando algumas obras em plataformas digitais e desenvolvendo o amadurecimento do seu processo criativo. Misturando uma grande palheta de ritmos, o repertório de cantora é composto por músicas autorais e releituras de músicas brasileiras com mensagens de empoderamento feminino e acolhimento, na qual criou versões marcantes para músicas como “Tombei”, da Karol Konká e ‘’P.U.T.A.’’ da Mulamba. “Minha intenção é sempre levar alegria, empoderamento e boas vibrações para quem me ouve”, afirmou Natty.
Entre outras coisas, a artista dividiu o palco com Cileno Conceição e foi convidada para participar de uma faixa do mais recente disco do reggaeman. Junto com Vivian Gramophone e outros artistas, participou do projeto “Na Batida do Reggae”, de Lucas Kastrup (Ponto de Equilíbrio), em 2017 e 2019. Ela também fez parte do elenco de artistas do Festival Somas, do Coletivo Difusão, em 2019.
A história musical de Natty dos Anjos começou cedo, quando ela começou a frequentar a igreja. No espaço religioso, ela se capacitou e desenvolveu as primeiras composições. O cantar na igreja abriu portas para a cantora, que começou a ser convidada para se apresentar em casamentos e festas particulares, não só interpretando músicas religiosas, mas também de outros estilos. A vontade de se mostrar como cantora só aumentou.
Foi somente em 2014 que ela subiu em um palco pela primeira vez. A partir daí, cantando em bares e casas noturnas de Manaus, as interpretações da cantora começaram a ganhar vida e um estilo próprio começou a amadurecer. ‘‘Porém, foi em espaços culturais que consegui divulgar meu trabalho. Conheci algumas parcerias musicais que me engajaram na cena alternativa manauara’’, relembrou Natty.
Em 2017, a cantora se envolveu em projetos de música acústica, lançando as canções pelas plataformas digitais. Desde então, ela produz e harmoniza as próprias composições para os lançamentos. “A música me proporcionou encontros com pessoas e histórias incríveis. Cantar com Cileno, fazer parte do Live Site nas Olimpíadas, em 2016, cantar no Teatro Amazonas com o baterista da Ponto de Equilíbrio, me fizeram perceber que meu lugar é no palco’’, se emocionou a artista. “E não falo de grandes plateias não, o meu palco interno, onde me conecto comigo mesma e consigo ser verdadeira e autêntica. Esses encontros me proporcionaram e ainda me proporcionam isso. A música cura, transforma, liberta e quando é compartilhada, transborda”.
Fruto de um projeto aprovado no Programa Cultura Criativa 2020 – Lei Aldir Blanc – Prêmio Feliciano Lana, o álbum de estreia da cantora foi intitulado de “Livre Mulher”, e pode ser acessado nas plataformas digitais. “Essas composições foram lançadas com a intenção de ter meu trabalho à disposição do público. Porém foi feito de forma orgânica e ao vivo, para demonstrar a mensagem de simplicidade nas canções”, contou. “Hoje, percebo que tudo precisa ser bem produzido antes de ser lançado. Apesar de ainda acreditar no orgânico, estou em um processo de amadurecimento e produção com banda para lançar essas mesmas composições e outras mais produzidas e remixadas”.
O reggae está na essência do trabalho, mas “Livre Mulher” vai além do poderoso ritmo jamaicano. O álbum traz oito faixas num verdadeiro melting pot de composições latinas, batidas regionais, carimbó, reggaeton, ijexá, música eletrônica e techno brega. O disco ainda conta com a participação do poeta Jorge Cavalcante assinando a letra da faixa “Nêga”, que abrilhantou ainda mais o projeto. A produção e mixagem é de Viktor Judah, integrante da banda local República Popular e produtor da nova geração manauara, responsável por abrir a mente da artista para o apelo da modernização dos sintetizadores.
Em suas canções, assinando todas as faixas de forma única e peculiar, Natty dos Anjos ainda contou com a participação de Gabi Farias, cantora, compositora e professora manauara, que cuidou intrinsecamente da preparação vocal da artista, além de assinar o backing-vocal de algumas faixas. O álbum “Livre Mulher”, portanto, é a personificação do poder, da criatividade, da força, da multifacetada mulher artista amazônida empoderada. Tendo em vista que cenário do reggae amazonense ainda é dominado pela figura masculina, Natty dos Anjos acredita que o palco é seu lugar de protesto, o que torna sua arte fundamental para a propagação de sua resistência.