Programa Rouanet Norte

CAPÍTULO 8 – Reggae 4Ever: de King Jammy a Majek Fashek

A voz envolvente de J C Lodge e as letras profundas dela, que abordam temas como amor, relacionamentos e questões sociais, continuam ressoando.
Postado por Simão Pessoa

KING JAMMY
Ele colocou a Jamaica no futuro. Dono de um dos sound systems mais populares da ilha, Jammy precisava de uma nova batida para acabar com seu concorrente – o Black Scorpio. Criou mais do que isso. Com um tecladinho Casio e um tecladista mediano – Tony Asher, que simplesmente transformou em notas as ideias do chefe –, ele inventou o dancehall, ritmo que domina a Jamaica. A música era “Under Mi Sleng Teng” e foi um dos grooves mais copiados pelos outros produtores da ilha naquele ano.

Assim como Coxsone Dodd nos anos 60 e King Tubby na década de 70, Jammy foi o grande produtor do dancehall. Não apenas por ser o pai da criança, mas também pelo fato de ter os melhores astros da ilha sob contrato. Entre os bambas que cantavam para King Jammy estavam o DJ Pinchers (autor de “Bandolero”, canção que o Skank venera até hoje), Chaka Demus (mais tarde parceiro do cantor Pinchers), Admiral Bailey (sucesso nos terreiros com “Punnany”) e Josey Wayles.

O sound system dessa fera da produção – que está na ativa até hoje – também viu surgir a maior estrela do reggae depois de Marley. Um DJ com voz de lixa e discurso sexista, que tentou em vão uma carreira como DJ Co-Pilot. O nome da fera? Shabba Ranks.

KING TUBBY
Osbourne Ruddock já tem lugar garantido na história por ter inventado o dub. Engenheiro de som de Duke Reid, ele criou este novo gênero musical ao aumentar a potência de baixo e bateria, esmagando os outros instrumentos na mixagem.

Mas King Tubby também se revelou um produtor de mão cheia, ao trabalhar com Augustus Pablo e a dupla Sly & Robbie. Seus trabalhos com dub entortam qualquer usuário de LSD, com baixo e vozes que parecem surgir do nada e uma caixa empapuçada de eco. King Tubby morreu em 1988 de um modo estúpido. Foi baleado por um meliante durante uma discussão de rua.

O china Leslie Kong sendo premiado na Jamaica

KONG, Leslie
Jamaicano descendente de chineses, ele tinha todas as qualidades e defeitos que alguém pode ter na indústria fonográfica. Por um lado, lançou e bancou o início da carreira de gente como Jimmy Cliff, Bob Marley e Desmond Dekker. Por outro, trabalhava num esquema sujo de “your ass is mine” (“você me pertence”): pagava uma merreca aos artistas que mantinha sob contrato.

Kong era um simples dono de restaurante até ser convencido por Cliff a lançar um single, “Hurricanne Hattie” (1962). Pouco depois Kong acolheu o então soldador Bob Marley e com ele gravou, pela bagatela de 15 dólares, “Judge Not”.

Em agosto de 1971, quando Bob e seus Wailers já estava trabalhando com Lee Perry, Kong soltou uma coletânea sem pedir autorização. Bunny Wailer foi tirar satisfações com o produtor e, depois de uma acirrada discussão, esbravejou: “Você não vai ter muito tempo de vida para aproveitar nosso dinheiro.”

No dia seguinte, Leslie Kong apareceu morto. A causa mortis era um problema no coração, mas ninguém tira da cabeça dos jamaicanos que o chinês foi para o vinagre graças a uma mandinga do místico Bunny.

KELLY, Pat
Outro rei das radiolas do Maranhão, Pat está identificado com o período do rock steady. Cantou nos Techniques – substituindo Slim Smith – e estourou a canção “I Don’t Care” para o então mecenas Duke Reid.

LEVY, Barrington
Surgido em meio à febre do dancehall, na segunda metade dos anos 80, este jamaicano se destaca por seu estilo original, que mistura cânticos de devoção rastafari com vocalises yodel (aqueles do tiroleite). Barrington é responsável por um dos grandes clássicos do cancioneiro enfumaçado, “Under Mi Sensi”.

O selo americano MCA o contratou em 1994: no mesmo ano saiu Barrington, discão cheio de convidados especiais (entre eles Vernon Reid, do Living Colour) e regravações de singles jamaicanos. A experiência não deu certo – ele está de volta aos selos independentes –, mas o cantor ainda é capaz de causar comoção nos shows que faz na Jamaica.

LODGE, J.C.
Cantora jamaicana, gravou seu primeiro álbum sob a coordenação de Gussie Clarke. O sucesso valeu contrato com o selo americano Tommy Boy, especializado em rap, por onde relançou “Telephone Love” (um reggae tele-sexo que tocou nas noites reggae de São Paulo no começo dos anos 90) e alcançou os primeiros lugares da parada dance americana.

Dona de grandes recursos vocais, J.C. varia entre o dancehall e a música romântica, gravando covers bem interessantes (uma delas é “It’s Too Late”, de Carole King). Quem quiser tirar a prova dos nove, basta conferir Love For All Seasons (1996) que junta romantismo e refinamento sob a produção do maestro do dub Mad Professor.

LUCIANO
Ao lado de Garnet Silk (precocemente falecido num incêndio), é um dos grandes expoentes do revival rastafari que domina a Jamaica atualmente. Debutou em 1992 com uma cover de “Ebony And Evory” (de Paul McCartney) e chamou a atenção do veterano cantor Freddie McGregor, que o contratou para seu selo Big Ship Records.

Na época, ainda usava o nome artístico de “Luciana” (por esquisitice mesmo, sem conotações andróginas – impensáveis na machista Jamaica). Sob a batuta de McGregor e dos técnicos do Music Works, de Gussie Clarke (em especial Fatis Burrel), lançou “Shake It Up Tonight”, primeira posição na parada de reggae da Inglaterra.

O acontecimento atiçou os executivos da Island, que o contrataram em 1995. No mesmo ano, soltou Where There Is Life, pedrada rasta produzida por Burrel. O próprio Luciano, porém, quase põe tudo a perder quando, no meio de uma apresentação para a imprensa mundial, anuncia que vai dar um tempo na carreira. A tal paradinha não aconteceu: dois anos depois, ele atacou com Messenger, que traz uma novidade: a faixa “Life”, definida pelo próprio Luciano como “um cruzamento entre samba e salsa.”

LEE, Byron
Baixista e dono de dos Dragonnaires, uma das bandas mais quentes da ilha – que acompanhou até Jimmy Cliff – Byron fez tudo tudo: ska, rock steady, reggae. Atualmente centra forças no calipso e outros ritmos calientes.

O aloprado Mad Professor

MAD PROFESSOR
Neil Fraser é um nome cada vez mais estranho para este produtor nascido na Guiana inglesa e criado na Inglaterra, onde se tornou um dos grandes nomes do dub. O apelido vem dos tempos de escola. “Meus amigos me chamavam de Professor Maluco porque eu preferia ficar brincando num estúdio de gravação a jogar bola”, revela.

A nerdice compensou: Mad estreou no começo dos anos 80, com o álbum Dub Me Crazy, cheio de barulhos espaciais, cortes abruptos de melodia e outras invencionices. Antecipou o cenário drum’n’bass ao lançar “The Heart Of The Jungle” (de 1984) e criou o selo Ariwa, que projetou os talentos Macka B. e Pato Banton.

Também ciscou no terreiro do Massive Attack, a última palavra em dance contemporânea, sendo responsável pelas entortadas dub da banda no álbum No Protection e no single “Risingson”.

MAJEK FASHEK
Os africanos o consideram não apenas um dos melhores performers da terrinha, mas um artista visionário e excelente “fazedor de chuvas”. Ele nasceu na Nigéria e se iniciou no mundo artístico tocando kpangolo, uma música tradicional africana cuja sonoridade é bem próxima do reggae.

Fashek, porém, costuma dizer que optou pelo chacundum jamaicano após um sonho místico. E mesmo falando de Jah em suas letras, ele não se considera um adepto da filosofia rastafari. Prefere se autodenominar um “prisioneiro da consciência.”

Ex-integrante da banda Jah Stix, Fashek se lançou como artista-solo em 1988. Foi nessa época que cresceram os boatos de que era “fazedor de chuva”: todos os locais que Fashek tocava eram “visitados” por autênticos pé-d’água. Sua versão para “Redemption Song”, de Bob Marley, e a canção “Send Down The Rain” são os destaques de seu repertório.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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