Manaus-Babilônia Extended

CAPÍTULO 6 – Márcia Siqueira

A talentosa Márcia Siqueira, uma das referências musicais da Amazônia
Postado por Simão Pessoa

Nascida em 1972, no município de Itacoatiara, Márcia Siqueira começou sua trajetória musical aos quatro anos de idade, vencendo um concurso de jovens talentos na igreja batista em que sua mãe frequentava. Uma década depois, com apenas 14 anos, ela passaria a cantar em bares da capital amazonense. Entre 1988 e 1997, a cantora morou em vários estados do Norte-Nordeste e chegou a ter certo sucesso no Piauí, sob o pseudônimo de Edna Lago. Ela também conquistou o prêmio “Canta Nordeste”, realizado pela Rede Globo, em 1995, em Recife (PE), e o troféu de “Melhor Cantora”, do Sistema Meio Norte de Comunicação, de Teresina (PI).

Em 1998, de volta a Manaus, Márcia Siqueira foi convidada pelo compositor Sidnei Rezende para gravar a música “Amor Proibido”. A partir daí, deu continuidade à sua brilhante carreira musical, arrebatando prêmios de melhor intérprete em quase todos os festivais e concursos que participou. Márcia já se apresentou duas vezes na Alemanha. A primeira, durante a Expo 2000, em Hannover, a segunda, na Mostra do Cinema Brasileiro, em Munique, no ano seguinte. Bastante requisitada para gravações, seja para participações-solo ou backing vocals, ela participou de CDs de vários artistas regionais como David Assayag, Tadeu Garcia, Regional Vermelho e Branco, Raízes Caboclas e muitos outros.

Em 2002, lançou seu primeiro disco solo, “Canto de Caminho”, repleto de ritmos regionais, andinos e caribenhos, envolvendo lendas indígenas, mitos, mezinhas e mistérios da floresta amazônica, numa espécie de radiografia sonora desse nosso mundo verde. O álbum teve uma boa acolhida de crítica e de público e está disponível na plataforma da cantora no YouTube. No mesmo ano, Márcia Siqueira foi um dos destaques no projeto “Cantoria Amazônica”, realizado no Rio de Janeiro, em recital ao lado do grupo Raízes Caboclas e do poeta Thiago de Mello, representando o Amazonas. Ela também se apresentou no programa Sr. Brasil, de Rolando Boldrim, e no Amazon Green Jazz Festival, no Teatro Amazonas, sendo acompanhada pela Amazonas Filarmônica, sob a regência do maestro Luiz Fernando Malheiros.

Para se ter uma pálida ideia do talento da cantora, basta ouvir esse depoimento do baixista Fred Paulus, da banda de reggae Johnny Jack Mesclado:

– O nosso quarto disco estava sendo masterizado em São Paulo e o produtor nos ligou cobrando os backing vocals. A gente já havia decidido que iríamos colocar uma voz feminina na parada e a escolhida foi a Márcia Siqueira, que eu ainda não conhecia. Ela chegou no nosso estúdio, em Manaus, por volta das 22h. Não conhecia nenhuma das letras. Colocamos as músicas para ela escutar. Ela ouviu o disco uma, duas, três vezes, aí entrou no estúdio de gravação e soltou a voz. Por volta da meia-noite, ela havia gravado todos os takes com uma qualidade absoluta. Deixou todo mundo de queixo caído ao fazer em pouco mais de uma hora o que a gente gastaria uns três ou quatro dias. A Márcia Siqueira é de outro planeta! Ela é gigante!

Criadora do “Sambinha da Márcia”, uma roda de samba em que apresenta convidados cantando pagode, sambas-enredos e partido alto sob a batuta musical do violonista Dudu Brasil e dos instrumentistas Rogério do Cavaco, Fred Teixeira (bateria e vocal), Casqueta (percussão) e Alexandre (trombone), detentora de quatro álbuns solo no currículo (“Canto de Caminho”, “Márcia Siqueira”, “Nada a Declarar” e “Ritual”), participação em disco de Maria Bethânia e de diversos cantores locais, Márcia Siqueira teve a vida e a carreira retratadas no livro “Márcia Siqueira – A Voz da Floresta”, da jornalista Betsy Bell, lançado em 2020. Nesse mesmo ano, a cantora se tornou a primeira mulher levantadora de toadas do boi-bumbá Garantido, rompendo um preconceito machista centenário que silenciava a voz feminina no auto do boi.

O livro-reportagem da jornalista Betsy Bell, em parceria com o jornalista Fabrício Nunes, é uma biografia autorizada. Ricamente ilustrado, apresenta um relato completo e inédito, da vida e da carreira de Márcia, desde seus primeiros minutos de vida até se tornar a primeira mulher Levantadora Oficial de Toadas do Festival Folclórico de Parintins. Prestes a completar 35 anos de carreira, a cantora é um arquivo ambulante de histórias e memórias sobre a produção musical no Amazonas nas últimas três décadas, o que mostra a relevância deste livro de Betsy Bell e Fabricio Nunes.

Entre os destaques da obra estão revelações sobre a trajetória pessoal da cantora, incluindo a sua inusitada formação musical, o primeiro show, a carreira que começou aos quatro anos de idade, a agitada adolescência, uma inusitada fuga de casa, a criação de um alter ego musical e também o retorno à Manaus, quando desponta nas casas noturnas da cidade para se tornar um dos principais fenômenos musicais do Amazonas.

– Conhecemos a excepcional Márcia cantora, a artista que domina os palcos como poucos e que é referência musical no Estado. Mas, neste trabalho de pesquisa e de horas de entrevistas, fomos buscar a mulher, a mãe, a guerreira que, desde sempre, quis cantar e não mediu esforços, praticamente sozinha no mundo, para atingir seu sonho – diz Betsy Bell.

Para coroar sua trajetória de sucesso, Márcia Siqueira fez uma participação especial no Carnaval de São Paulo, em 2024. Estreando pelo Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mocidade Alegre, a amazonense desfilou na ala musical da escola com a responsabilidade de interpretar a abertura do desfile, intitulado “Brasiléia Desvairada: a busca de Mário de Andrade por um país”, em que foi abordado as viagens que o escritor modernista fez pelo Brasil, percorrendo o Norte, o Sudeste e o Nordeste.

Durante os primeiros meses de elaboração do samba-enredo, segundo o diretor musical da escola, Júnior Denden, foram realizadas diversas buscas sobre as vozes do estado por onde Mário Andrade transitou que melhor se identificassem com a proposta do enredo, até a identificação da cantora como um retrato da cultura amazonense.

– Fizemos diversas pesquisas durante alguns meses e chegamos ao nome da Márcia através das redes sociais. Além da musicalidade, encontramos na Márcia a imagem marcante da mulher indígena e uma grande representante da cultura do Amazonas. Uma excelente representação da passagem do escritor modernista pelo Amazonas – diz o diretor.

Até então campeã do Carnaval paulista, a Mocidade Alegre foi a terceira escola a desfilar e Márcia Siqueira também teve a responsabilidade de entoar durante o desfile um trecho da toada “Prece Cabocla”, de autoria de Enéas Dias e Marcos Moura, em que o final foi adaptado para enaltecer o tema da escola. Mostrando que a cantora é mesmo pé quente, a Mocidade Alegre conquistou o bicampeonato e o seu décimo segundo título do Carnaval de São Paulo.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment