“Experiência política em forma de música”. É assim que é descrita a banda de rock Grupo Tariri, que fez sucesso em Manaus no final dos anos 70 e início dos anos 80, com sua mistura de sons regionais, pop rock, rock sinfônico e luta pelas causas sociais. Diante da ausência de registros audiovisuais do grupo, mesmo diante da sua importância em defesa da Amazônia, a cantora e sambista Tayra Jatobá, a “Tatá”, resolveu tirar da gaveta o projeto “Com Tayra e Tariri”, onde faz uma releitura das principais canções do conjunto. O álbum foi gravado na Pousada Cirandeira Bela, em Manacapuru.
Filha de dois fundadores da banda – o flautista Alfredo Jatobá e a vocalista Jane Jatobá –, Tatá Jatobá recorda que o Grupo Tariri surgiu do encontro de estudantes de música, que faziam questão de discutir sobre o extermínio da fauna e da flora e a poluição dos rios e igarapés, bem como sobre a internacionalização da Amazônia e a saga pela preservação dos povos indígenas. De acordo com ela, apesar de serem um marco de luta na história local, cantando temas ainda atuais com força e beleza, há poucos registros do trabalho musical do grupo.
– Eu tive a sorte e o privilégio de nascer e crescer entre eles. Então hoje, depois de anos imaginando, planejando, pesquisando e ouvindo histórias, resolvi apresentar o meu olhar sobre a obra dessa banda vanguardista e progressista, que até hoje nos emociona – explica.
Além da cantora e sambista Tatá Jatobá, o projeto “Com Tayra e Tariri” contou com a direção artística de Antônio Bahia, a direção musical de Arlen Barbosa, a produção de Otávio Oliveira e a cenografia e figurino de Sisi Rolim. Já a performance musical foi feita em parceria com Romulo Augusto (violão), Mauro Lima (baixo), Arlen Barbosa (charango), Gabriel Lima (violino) e João Paulo (percussão).
O Grupo Tariri ficou conhecido por percorrer a capital amazonense fazendo shows gratuitos, sem apoio financeiro de entidades ou empresas, tendo como gancho discussões sobre o meio ambiente e as causas indígenas. Além de Alfredo e Jane, a banda – que misturava o rock com a musicalidade e os temas da região – contou com outros membros ao longo de seus pouco mais de cinco anos de existência: Carlos Eugênio, Natacha Fink, Félix Fink, Nildete Amaral, Ronaldo Medina (“Bob”), Adalberto Holanda, Danilo Benarrós, Pedrinho Dantas, Aloysio Neves, Regina Melo, Ronaldo Uchôa, Elson Jonhson, Elson Camarron e Claudinha Alves. No repertório, não podia faltar engajamento social, cravando a importância do grupo para o cenário musical do Amazonas e a necessidade de um registro.
De acordo com o produtor Otávio Oliveira, o Grupo Tariri não deixou nenhum material de áudio oficial e muito menos visual, por isso, Tatá Jatobá decidiu gravar as principais canções. Com o projeto “Com Tayra e Tariri”, as faixas musicais “Codajás, “Latinizada”, “Caminhos De Rio”, “Caracóis”, “Se Você Soubesse”, “Biônico”, “Para Os Olhos De Quem Quiser”, “Sanhaçu”, “Tututu”, “Olho De Peixe”, “Pirarublues” e a icônica “América” – que tem como trecho “Manchas negras nos rios / Sangra a terra de dor / Todos eles mortos de passo lento / Braços cansados / Sem terra e sem voz” – finalmente ficarão eternizadas na história da música amazonense.
Com 20 anos de carreira, a cantora e compositora Tatá Jatobá nasceu em Manaus, em 1981, e iniciou sua carreira musical no início do novo milênio cantando reggae, blues e jazz em vários bares e casas noturnas da cidade, mas hoje realiza um trabalho mais voltado para o samba e para a música popular brasileira. Ela estudou música clássica, piano e canto popular no Centro de Artes da Universidade do Amazonas (CAUA).
Tatá também participou de alguns festivais de canções, como 5º e 6º Festival Amazonas de Música (FAM), Fecani e Fecanção, sendo vencedora deste último como melhor intérprete no ano de 2017. A sambista já foi contemplada em três editais de cultura da Lei Aldir Blanc, realizando os projetos “Lição de Samba”, “Com Tayra e Tariri” e “Pra Santo Sambar”.
Em 2023, Tatá Jatobá resolveu prestar uma homenagem a Clara Nunes com o show “Claridade”, que estreou no Espaço Cultural Luar de Uaicurapá, no Vieiralves, em Manaus, no mês de julho. No repertório musical, os maiores hits da cantora mineira: “Feira De Mangaio”, “O Mar Serenou”, “Conto De Areia”, “Canto Das Três Raças”, “Tristeza Pé No Chão”, “Morena De Angola”, “A Deusa Dos Orixás” e “Juízo Final”, entre outras.
– Além de todo o seu talento musical, as questões que a Clara levantou durante sua trajetória artística ainda estão muito presentes e ainda precisamos muito exaltar. A fé, a luta contra a intolerância religiosa, valorizar as raízes afro-brasileiras e eu acho que tudo isso está no trabalho da Clara, por este motivo nós a escolhemos para realizar esta homenagem – explicou Tatá.
Clara Nunes foi a primeira mulher brasileira a vender mais de 100 mil discos, marca antes somente atingida por homens, quebrando um tabu de que mulheres não vendiam álbuns. Ao todo, durante sua carreira, vendeu quatro milhões e quatrocentos mil discos. Sempre com um estilo e identidade muito próprios e singulares na música, Clara Nunes firmou a sua carreira no samba – foi uma das principais intérpretes de compositores da Portela, sua escola do coração – mas teve influências da música romântica, principalmente do samba-canção, e referências como Elizeth Cardoso, Dalva de Oliveira e Ângela Maria.
Trazia em suas pesquisas e nas canções que escolhia defender, uma proposta de reflexões imprescindíveis acerca da identidade de gênero, etnia e credo. Levantou debates sobre o preconceito étnico-racial e a intolerância religiosa, quando esses temas ainda se apresentavam timidamente no Brasil, trazendo luz à história sociopolítica e sociocultural do país. Em toda a sua obra, temas afro-brasileiros marcam presença em letras e arranjos que sempre remetem aos elos que unem Brasil e África.
Clara Nunes desempenhou importante papel na popularização e desmistificação das religiões de matriz africana, colaborando para o rompimento dos estigmas e preconceitos que, até então, prevaleciam em relação aos seus adeptos em nossa sociedade. A amazonense Tatá Jatobá está em boa companhia.