Verso & Prosa

A filosofia zen de Alan Watts

Postado por Simão Pessoa

Por Paulo César Coutinho

O filósofo inglês Alan Watts (1915-1973) foi um guru das décadas de 60 e 70. Suas ideias libertárias eram amplamente discutidas pelos jovens. Seus livros eram um must, sequiosamente procurados. Ler a sua autobiografia (“Em Meu Próprio Caminho”, no original “In My Own Way”, tradução de Murilo Borges, Editora Siciliano) e seus textos sobre o Tao (“Tao, o Curso do Rio”, no original “Tao”, tradução de Teresinha Santos, Editora Pensamento) pode possibilitar o contato das novas gerações com esse místico contemporâneo.

Watts foi um precursor no questionamento dos valores da sociedade ocidental e da teologia cristã. Seu grande mérito foi divulgar as filosofias e as religiões do Oriente, em linguagem acessível, quando essas eram ainda bastante desconhecidas. Alan Watts era um erudito, com domínio fluente do idioma chinês e profundo conhecimento de religiões comparadas.

Sua busca de autenticidade, no significado da existência e na dimensão do sagrado, o levou à ruptura com as instituições acadêmicas e eclesiásticas. A defesa do “amor livre”, com a recusa da monogamia, levou o sacerdote episcopal a desliga-lo de sua escandalizada igreja. Watts manteve-se cristão, questionando dogmas do cristianismo.

A amplitude de seus interesses estendeu-se a temas políticos, econômicos e comportamentais, tornando-se figura proeminente da contracultura. A sua procura coincidiu com a dos jovens rebeldes que o elegeram porta-voz. Quarenta e cinco anos depois, seus textos revelam atualidades, mas também os comedimentos revolucionários. Watts, supreendentemente, nunca aceitou a astrologia, e com toda a liberação sexual manteve preconceitos contra o homossexualismo.

Contudo sua evolução é significativa. De jovem fascista, discípulo de Ezra Pound, defensor do sangue e da guerra, tornou-se um baluarte do pacifismo e da luta contra a guerra do Vietnam. Como é comum aos gurus atuais, sua autobiografia mostra um ego inflamado, enquanto prega a superação de todo egoísmo. No entanto Watts nos lega uma herança de sábios pensamentos.

O filósofo é sincero ao expor-se: “Sou um amante descomedido de mulheres e das delícias da sexualidade, da cozinha, vinhos, fumos, jardins, florestas, mares, joias, pinturas, tecidos, livros”. Esse culto à vida não o impede de ser um crítico feroz do Ocidente: “Fui criado numa cultura que, por mais de mil anos, foi obscurecida e adoentada pela religião. Sob o pretexto de zelo religioso, ela começou as cruzadas, a inquisição, a subjugação e a destruição cultural da Índia, da África, da China e das civilizações nativas das Américas. Estou envergonhado dessa cultura e procuro domá-la com princípios pacíficos e sociáveis da filosofia hindu, budista e taoísta”.

Alan Watts foi um dos críticos mais consequentes da psicanálise. Contudo, como os antipsiquiatras da época, não conseguiu superá-la totalmente, mantendo-se preso ao mito do inconsciente: “A psicanálise chama de resistência o enfado com o processo analítico, com a mesma ladainha de um sacerdote que atribui suas dúvidas intelectuais à falta de vontade de se arrepender dos pecados. A religião psicanalítica não mostra deleite real na sexualidade, não reconhece sua beleza metafísica. A psicanálise é uma religião e a psiquiatria uma lavagem cerebral”.

As experiências com LSD levaram Watts a identificar-se com a Gestalt, terapia americana, um sincretismo de psicanálise e zen-budismo. Pelo livro desfilam ainda figuras como Carl Jung, Timothy Leary, Fritz Pearls, Ronald Laing, Allen Ginsberg, Theodore Roszak, Norman Brown, hippies, artistas, intelectuais, drogados, dalai lamas e místicos de várias procedências.

“Tao, o Curso do Rio”, o último livro escrito por Alan Watts, em colaboração com Al Chun-Liany Huang, é ricamente ilustrado com a caligrafia chinesa de Lee Chih-chang. O livro é um manancial de sabedoria taoísta. Há considerações atualíssimas sobre o poder político, visto como “a profunda loucura da ambição, um fardo para aquele que o detém”. Ou “o poder total é a própria monotonia, de tal forma que até Deus renuncia a ele e finge ser uma pessoa, um peixe, inseto ou planta”.

O Tao – “um manual de conselhos para governar, um livro de filosofia natural ou um compêndio de sabedoria metafísica” – segundo Watts é um instrumento de revelação: “Você é tudo que experimenta (…) A lembrança da morte – o aniquilamento total – é o que confere importância à vida”.

Esse predecessor da psicologia contemporânea mais lúcida ensina: “Fluir com o momento, não existe outra coisa a fazer, pois não existe experiência que não seja o agora. Toda tensão provém da dualidade entre o que conhecemos e o conhecimento. Amanhã e os planos para o amanhã não podem ter significado algum, a menos que você esteja em pleno contato com a realidade do presente, já que a vida acontece no presente e é somente no presente que você vive.”

O Tao, diz Watts, difere do budismo que prega ausência de desejo: “Desejar não desejar é um desejo. Alegria e raiva ocorrem tão naturalmente como as quatro estações.”

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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