Cantadas Literárias

Gosto que me enrosco de botar os bofes pra fora

Postado por Simão Pessoa

Por Joaquim Ferreira dos Santos

Aliás e não obstante, como eu estava dizendo. Meter a língua onde não se foi chamado é esticar a dita cuja cheia de palavrinhas antigas e deixar de lero-lero e mas-mas. Não amolar com nhenhenhém muxiba, mixuruca e xarope. É soltar o verbo como se fosse um bife do Lamas. No capricho.

Esticar a língua na maciota é se valer de todo o baita charivari de expressões que fomos deixando pra trás, mais ou menos lá onde o Judas perdeu as botas. É deixar de lado essa prosa cheia de nove horas, cheia de dedos desses otários metidos, gente que paga a maior goma para falar alavancar e customizar, achando que isso é coisa de quem tomou tenência na vida. Ora, vão pentear macaco, seus convencidos! Conversa mole pra boi dormir!

Gosto que me enrosco é de botar os bofes pra fora. Deixar a língua no vai-da-valsa, sacumé?, metendo bronca, ora aqui ora ali, sem lesco-lesco e derrubando os paradigmas tacanhos de que as palavras, como o bambolê e o óleo de fígado de bacalhau, foram feitas para passar. Eu te proponho nós nos amarmos, nos entregarmos e ainda por cima, por obséquio, arrumar o maior bololô com esse papo pancada.

Ou quantos discursos mais desses serão necessários ainda até que se reinstaure na língua praticada a evidente beleza sonora de anunciar que fulano, ou que sicrano, ou que beltrano, infelizmente, não virá. Que o energúmeno tá borocoxô! Ou seja, garotada, o cara da pá virada tá totalmente down.

Eu sei que um bom menino não faz pipi na cama, que uma boa menina não fica falada nem se de paquete e sei acima de tudo que um bom cronista, por mais que lá de baixo a turbamulta grite “pu-la, pu-la”, um bom cronista nunca deve repetir o truque sob o risco de, atendidos os pedidos, diante do corpo estendido no chão, alguém passe a muxoxar macambúzio – ih, caramba, olha aquele cocoroca tantã azucrinando de novo com a parada da língua retrô!

Para alguns pode parecer que é fogo na roupa, de lascar o cano. Que ganhar o ordenado assim é sopa no mel. Mas, se vale a pena ver de novo as novelas da Globo, a leitora Cecília Pontual Romano quer ver de novo todo mundo, seja manteiga derretida ou aquela bruaca cheia de goró, todo mundo falando beleléu, cucuia, fuinha, desmilinguida e o que mais couber nesse estrogonofe de letrinhas que lembra a mãe dela, a minha escola, a nossa rua.

De uma mulher gostosa, boas pernas, dizia-se possuidora de um tremendo mocotó! Era uma uva. Vestida de négligé preto, era supimpa. O rapaz não tinha bíceps, mas muque. Era um pão, embora quase todos sofressem de espinhela caída. Uns bilontras. Parlapatões. Biltres. Jilós. É um tipo de memória verbal que foi sendo demolida do patrimônio comum da mesma maneira neurastênica, um faniquito, um fricote, que fizeram com o Monroe da Cinelândia. São idéias furrecas, estabanadas e escalafobéticas que entram de chanca, como se um quarto-zagueiro fossem, no joelho da nacionalidade.

Vamos, pois, meter de novo a língua, de fuzarca, frege ou fuzuê que seja, no borogodó delas. Feche os olhos e sinta o peso da bilabial explodindo sonora a boca do balão: tem bububu no bobobó! É bárbaro! Meu bambambã! Que bu-zan-fã!

Ao contrário do Morro do Castelo, que caiu em 1922 mas se deixou registrar em milhares de fotos, algumas dessas palavras sequer foram dicionarizadas – e não adianta, no meio de algum rififi, quando estiver esculhambando geral com a patota, você ficar repetindo para os seus filhos que eles são garganta, ó, só gogó. Eles têm todo o direito de não acreditar que ainda há pouco, não só à boca pequena, não só num sururu rastaqüera, todos falavam assim. Eles vão ter um treco de tanto rir e você, depois de gastar tamanho tremelique, depois de chamá-los de entupidos, é que vai ficar no ora veja.

À bangu, tá me entendendo? À neném, saca? Língua também brinca de moda. É mais fácil, para um garoto de 15 anos, enfiar um piercing nela do que enfiar ela nas palavras muquirana, estrupício, desengonçado e encasquetar. Fazer o quê, mano maluco? As novas gerações ouvem essas palavras e, da mesma maneira que avaliam o mocotó das certinhas do Lalau, acham que eram apenas senhoras gordas. Embromação chué, perrengue invocado e o escambau a quatro.

É bem provável que se a vovó disser pára de se enrabichar por aquela porqueira, e o vovô responder que a oferecida quer rosetar mas não é com ele – é bem possível, e com toda a razão, que o netinho ponha ordem nessa balbúrdia gritando ei, óia o auê aí, ô!

Não se quer, de jeito nenhum, folgar com a evolução semântica. Seria de amargar, forçar a natureza do português. O vestido trapézio foi esquecido, é natural que tenha acontecido o mesmo com o conheceu, papudo!? De vez em quando, porém, tire uma onda. Da mesma maneira que o rock toda hora vai ao túmulo do Elvis e pega um fio de idéia no topete do cara, o papo deveria brincar também com essas sonoridades supimpas. É preciso apenas o timing certo.

Eu seria pamonha demais, coió mesmo, se chegasse com a corda toda para a estagiária e achasse que teríamos um cacho se lhe elogiasse a tribal no cóccix com o sussurrar galante uau, broto, ficou um estouro.

A língua, quando mexe e muda de lugar, você sabe, aí é que aumenta o prazer. Brinque com a memória dela. E que ninguém venha com o muxoxo de azia, não é minha tia. Língua é mãe.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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