Cantadas Literárias

Marius Bell e Benício: uma extraordinária irmandade de gigantes!

Postado por Simão Pessoa

Por Simão Pessoa

Foi em alguma noite de 2008. Eu estava em casa, trabalhando no escritório, quando surgiu a doce figura do artista plástico Marius Bell para uma visita de cortesia.

Nos conhecemos desde o curso primário no Grupo Escolar Getúlio Vargas, na Cachoeirinha, circa anos 60. Ele estudava na classe da minha irmã Silene Pessoa.

O melhor aluno da turma era o Mário Cortez, atual dono da Cortez, Câmbio e Turismo, que só tirou nota 10 em todas as matérias do primeiro ao quinto ano primário.

Não, não foi ele que me contou.

Um dia, eu, ele e Marius Bell fomos no grupo escolar tirar a prova dos nove e pedimos para ver as notas daquele período (1961-1965). Está tudo lá. O Mário Cortez era um bicho cascudo. Ninguém vai conseguir quebrar esse recorde dele.

Voltando à visita do Marius Bell no meu mocó da época, que ficava ali na rua da Igreja de São José Operário, paralela à rua Belo Horizonte, também em Adrianópolis.

Conversa vai, conversa vem, começamos a falar dos ilustradores estrangeiros que haviam feito a nossa cabeça na fase áurea das revistas em quadrinhos: Will Weisner (The Spirit), Burne Hogarth (Tarzan), Alex Raymond (Flash Gordon), Phil Davis (Mandrake), etc.

Aí, entramos para os ilustradores nacionais: Jayme Cortez (Kripta), Nico Rosso (Drácula), Eugênio Colonesse (Mirza, a Vampira), Eduardo Baron (O Judoka), Julio Shimamoto (Combate), Miguel Penteado (Múmia), etc.

De repente, lembrei do Benício, que não havia feito histórias em quadrinhos, mas havia ilustrado a capa de centenas de livros de bolso (“pulp fiction”), muitos dos quais se tornaram clássicos como “Gisele, a espiã nua que abalou Paris”, “Brigite Montfort, a filha de Gisele”, “F. B. I.”, “Coyote” e “K. O. Durban”.

Aí rola a primeira surpresa. Marius Bell havia conhecido o Benício pessoalmente no Rio de Janeiro, nos anos 80, chegaram a trocar cartas, mas as atribulações do dia a dia haviam interrompido a correspondência. Marius Bell não tinha notícias do amigo e ídolo há mais de 20 anos. Sequer sabia se ele continuava vivo.

Fiz a única pergunta possível:

– Por que você não procura ele pela internet?…

Marius Bell tomou um susto. Explicou que tinha um medo pânico das novas tecnologias. Mal se aproximava de um computador. Tinha uma vaga ideia do que fosse internet, buscadores, algoritmos, Orkut, essas coisas.

– Ok, você venceu! Batatas fritas… – ironizei, enquanto vestia meu equipamento de escafandrista para mergulhar de cabeça no desconhecido mar tenebroso da Web.

Depois de meia hora de busca frenética, chego a um telefone supostamente do estúdio do homem. Devia ser oito horas da noite (ou 9h no Rio). Resolvo tirar a prova dos nove.

Pego o meu celular e digito aqueles números cabalísticos. O telefone toca uma, duas, três vezes. Na quarta, alguém atende. Meto um twist carpado meio de revestrés:

– Boa noite, meu amigo. Aqui é de Manaus! Eu gostaria de falar com o ilustrador José Luiz Benício…

– É ele! – devolve uma voz miudinha, mas bastante simpática. – Pode falar…

– Tem um fã seu aqui na taba, chamado Marius Bell, que quer levar dois dedos de prosa com vosmecê. Pode ser?…

Aí, antes que ele respondesse, passo o celular para o Marius Bell. Os dois ficaram conversando por quase uma hora. Trocaram telefones, endereços, bajulações recíprocas, o diabo a quatro. Uma farra!

Em 2015, Marius Bell foi participar de uma exposição coletiva no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro. Intimei que ele fizesse uma visitação ao Benício, que havia sofrido um AVC no ano anterior.

De quebra, intimei o poeta e jornalista João Bosco Gomes, outro amigo nosso dos tempos do grupo escolar e morando no Rio de Janeiro há mais de 40 anos, que o acompanhasse junto na visitação. Cumpriram a promessa.

Em 2017, Marius Bell foi convidado novamente para participar de uma exposição coletiva no Forte de Copacabana. Avisei logo: “Não esquece de convidar o Benício e o João Bosco Gomes”. Ele convidou e os dois foram.

No ano passado, salvo engano, o Benício sofreu um novo AVC. Ainda assim, mesmo com dificuldades para falar, costumava enviar vídeos para o Marius Bell.

Sim, os dois faziam parte de uma extraordinária irmandade de gigantes.

Nessa terça-feira, dia 7, via Marius Bell, chegou a porrada na boca do estômago: Benício havia atravessado o espelho.

O que qui se pode fazer quando o planeta perde um gênio como o Benício?

Talvez não deixar cair em esquecimento a sua saga, talvez mostrar para as gerações futuras que ele foi um artista tão brilhante que ganhou contornos de lenda.

É o que modestamente estou tentando fazer aqui neste portal.

Valeu, Benício! Os que vão morrer, te saúdam! E thanks a lot por tudo. R. I. P.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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