Por Moacyr Luz
Nos tempos idos da repressão política, alguns grupos de movimentos revolucionários usavam todo tipo de recurso para financiar a luta armada.
Alguns assaltavam bancos, supermercados, mas um grupo em especial resolveu partir para dentro de um bar tradicional do litoral carioca:
– Todo mundo pro banheiro! É um assalto!
Foi uma loucura: garçom com madame, rivais de mesa, chatos e chatos, ninguém escapou de ficar espremido no banheiro do estabelecimento.
Aqui cabe um parêntese: a emoção de um pênalti perdido às vezes é mais forte do que o frio cano da arma apontada em tua direção; a irritação do chope mal tirado e da gordura no pastel arde mais no peito que um assalto assustado em qualquer butiquim, até porque, a princípio, você pensa estar se tratando de um delírio, como se fosse a lagartixa fumando um Monte Cristo ou borboletas entre batatas fritas.
Dito isso, voltemos ao apertado banheiro: um pé no mictório, naftalinas e casca de limão, duas guimbas desmanchadas na boca do ralinho e o vaso corroído de memória etílicas, lembranças de tudo o que caiu mal na vida, do cozido à última namorada, o reflexo no espelho-d’água de que a bebida é para profissional.
Quanta volta…
Todo mundo assardinhado e um barulho de abre e fecha caixa registradora.
– Procura atrás do santo! Do São Jorge! Deve estar na latinha florida…
A pressa fez revelar o óbvio: ladrão sabe onde fica o dinheiro do gerente. No cofre é que não fica.
Quase dez minutos de corre-corre, quando Ernesto, que de tanto socar a porta já tinha derrubado cartola do indicado, grita num último suspiro:
– Ô seu ladrão? O caderno! O caderno!
Tirando a máscara de tanto suor, procurando além do dinheiro, uma brisa para respirar, o homem indaga:
– Que caderno?
– É o do nosso pendura, rasga para a gente, faz esse favor.
E assim, em quase farelos de papel, várias doses caprichadas, chopes na pressão e outros traçados mais, o gerente assistiu ao fim de um futuro garantido, a passagem de volta à santa terrinha, e vai por aí.
Daquele dia em diante, ficaram suspensos todos os tipos de supérfluos segundo a nova economia: palitos, lata de azeite e até os guardanapos, motivo de orgulho da casa, sempre quentinhos…
Ah, o guardanapo…
Papo reto com Antônio Pedro
Você já pendurou conta sabendo que ela ia morar no caderninho?
Já. Até porque o sujeito já percebia que eu não tinha mesmo como pagar, e o dinheiro era muito flutuante, nem se sabia que valor cobrar. No Antônio’s, eu levava até a babá pra comer com meus filhos aos domingos. O caderninho já tava parecendo um catálogo telefônico.
Você acredita que bar que não aceita fiado não merece consideração?
Isso é lógico, até porque o verdadeiro frequentador de butiquim tem uma vida um tanto quanto volúvel: uma hora tá rico, outra hora tá duro!
E já fez uma conta maior só pra trocar o cheque?
Isso também tem que existir, e digo mais: o Luna Bar trocava o cheque no caixa sem precisar fazer conta pra despistar. Até cheques de terceiros já troquei.
Já aconteceu de, com preguiça de ir ao banco, você sai recolhendo o dinheiro da mesa e depois passar um cheque pré-datado?
Nunca fiz, mas é uma boa sugestão. Ainda mais pré-datado.
Já fez pendura em locação distante, onde você acredita que nunca mais vai voltar?
Pois é: o cara vai gravar em Barbacena, termina a noite num bar qualquer, esquece de pagar e já acorda viajando. Essa ficou pendurada.
Na sua área dá pra sair de casa sem uma prata no bolso?
Eu me sinto mal, uma coisinha qualquer no bolso tem que ter, mesmo que não use, que não seja nada significativo.
E beber a ponto de depois não lembrar que pendurou a conta na véspera?
Acontece constantemente e eu nem reclamo, porque como no português e no bar que eu frequento. Eu já esqueci até carro, de o garçom levar depois na garagem. Pior é que dei parte na polícia com o carro na garagem. Uma confusão danada.
Tem alguma dica especial para curar a ressaca, daquelas em que ficou no prego uma garrafa de uísque?
Olha, bebendo logo, o organismo se entende, não para pra te incomodar. É o fígado falando pro pâncreas: “Ih, o homem tá bebendo de novo, depois a gente conversa…”
E como se prepara a cara para quando for gritar: “Pendura!”?
Cara de sofrimento faz o sujeito que pede a primeira. Amarga o rosto, mostra com os dedos que quer uma purinha, bebe descendo enviesado e depois, com a mesma cara, pede outra.
Você conhece algum português que não faz cara de raiva quando você assina a conta?
Hoje tem um e ele é açoriano: o Gabriel, da Cobal do Leblon. Presto aqui essa homenagem.