Boemia

Quadrilha de Duelo: uma invenção 100% manauara

Postado por Simão Pessoa

Por Simão Pessoa

No dia 22 de fevereiro de 1987, no Bairro da Paz, os irmãos Francisca e Klingerlander Cascaes de Souza criaram uma quadrilha caipira tradicional chamada Os Matutos na Roça, que durou três anos. Foi quando os dois irmãos, em concordância com a maioria dos brincantes, resolveram mudar o nome da quadrilha para Os Pistoleiros na Roça e, em vez de encenar um casamento caipira, resolveram encenar um duelo entre mocinho e bandido, tal como acontecia nos filmes de faroeste. Estava criada a primeira quadrilha de duelo do país, já que, aparentemente, esse formato criativo só existe em Manaus.

Com coreografias ousadas que deixavam o público surpreso com tudo que estava acontecendo no tablado e um enredo diferente em que bandidos e mocinhos pareciam estar sempre lutando por terras, poder ou pelo amor de uma mulher, Os Pistoleiro na Roça recriavam o Velho Oeste no coração da floresta amazônica e injetavam adrenalina de verdade no nosso folclore baré.

“Nossa principal inspiração foram os filmes western spaghetti do Sergio Leone, que a gente assistia em fitas de videocassete alugadas nas locadoras do centro”, recorda Klingerlander. “Nós assistimos mais de 20 vezes Era Uma Vez no Oeste, Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito. Também assistimos inúmeras vezes os filmes O Último Grande Duelo, Se Encontrar Sartana, Reze pela Sua Morte, Django, Uma Pistola para Ringo, O Dólar Furado, Três Homens em Conflito, A Morte Anda a Cavalo, Réquiem Para Matar, Trinity é o Meu Nome e Sabata – o Homem que Veio Para Matar. Ficamos especialistas em pistoleiros do velho oeste, daí o nome da quadrilha”.

“Era Uma Vez no Oeste”, de Sergio Leone, é o ápice do faroeste, um monumento cinematográfico que consagra as expressões artísticas mais belas de um diretor na sua melhor forma.

Mas não foi apenas na escolha dos figurinos dos cowboys – aquela espécie de sobretudo que vai até quase o tornozelo, marca registrada dos filmes de Sergio Leone – que Os Pistoleiros na Roça se apropriaram e fizeram um bom uso do spaghetti western. Havia outras coisas. O western italiano subverteu os valores e o estilo dos westerns clássicos para se adequar a uma nova geração. Foram adicionadas maiores doses de violência e sangue na tela. Os diálogos eram sarcásticos e escassos. Todo o filme era dublado posteriormente, ou seja, não era gravado som direto do set, deixando as filmagens mais rápidas e baratas. Os irmãos Cascaes levaram isso para as apresentações da nova quadrilha.

“Era como se fosse uma peça teatral. A gente ensaiava os diálogos, fazia as marcações das cenas e depois gravava e editava tudo em um estúdio caseiro, acrescentando as vozes dos personagens, os barulhos de tiros, os gritos, as músicas do Ennio Morricone, enfim, era quase como se fosse uma novela radiofônica dos anos 60”, diverte-se Klingerlander. “Ninguém sabia como o público ia reagir a uma quadrilha caipira encenada com trilha sonora, mas quando nos exibimos pela primeira vez a reação foi a mais positiva possível. Muitas pessoas se emocionaram, dizendo que haviam feito um retorno à infância, quando assistiam filmes de bangue-bangue no cinema Guarany”.

Não demorou muito para que novos grupos se irmanassem na brincadeira: Os Justiceiros na Roça, Os Intocáveis na Roça, Os Anjos do Faroeste, Os Renegados na Roça, Os Reis do Faroeste, Os Mexicanos na Roça, Anjos Bandidos Show, Em Busca da Paz e Rápido no Gatilho.

Mas quem é rei nunca perde a majestade: depois de conquistar 15 títulos em diversos festivais da cidade, incluindo o Festival Folclórico do Amazonas, Os Pistoleiros na Roça participaram, em 2008, do Festival Folclórico da América Latina, na Venezuela, e se sagraram campeões sul-americanos na categoria “quadrilha”. Os caboquinhos manauaras são mesmo bons de tiro!

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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