Morreu na última terça-feira, 7, aos 84 anos, no Rio de Janeiro, o ilustrador José Luiz Benício, o Benício, considerado o “rei das pin-ups” brasileiro e responsável por cartazes de diversas produções do cinema nacional dos anos 1970 e 1980.
Desde 2014, ele estava debilitado devido a dois acidentes vasculares cerebrais, que lhe tiraram parte do comando da mão direita. A morte foi confirmada pela família nas redes sociais. A causa, no entanto, não foi divulgada.
Nascido em 1936 em Rio Pardo, Rio Grande do Sul, Benício foi autor de mais de 300 cartazes do cinema nacional e centenas de capas de disco, além de incontáveis capas de livros e anúncios de publicidade. Entre os seus trabalhos mais icônicos, está o cartaz do sucesso “Dona Flor e seus dois maridos”, de 1976.
Após ingressar na publicidade ainda nos anos 1950, Benício ganhou fama desenhando uma versão brasileira das pin-ups – mulheres voluptuosas e fatais que apareciam nas capas dos livros de bolsos populares vendidos nas bancas.
Na extinta editora Monterrey, o ilustrador se tornou referência nas capas da chamada ficção pulp, publicadas em papel barato dedicados a narrativas policiais, de terror ou ficção científica.
Seu traço foi essencial para o sucesso da série “Memórias secretas de Giselle, a espiã nua que abalou Paris”, escrita pelo jornalista David Nasser como folhetim em 1948, e que ganhou nova publicação como livro de bolso na Monterrey nos anos 1960.
Com o desenho de Benício na capa, que traduziu toda a carga erótica da história, a série vendeu mais de 500 mil exemplares nas bancas.
Nos anos 1970, Benício virou xodó da indústria do cinema, assinando cartazes de diversas produções nacionais, uma arte hoje perdida. Saiu da sua prancheta, por exemplo, a sinuosa Sonia Braga, entre José Wilker e Mauro Mendonça, do pôster de “Dona Flor e seus dois maridos” (1976). Ou a jovem Vera Fischer, nua, de pernas trançadas, da pornochanchada “A Superfêmea” (1973).
Havia dias em que desenhava até três cartazes por dia. Seu traço realista, que rabiscava desenhos que ficavam entre um kitsch e os catecismos de Zéfiro (“Mas nunca fiz pornografia como ele, minha referência é o americano Norman Rockwell”, dizia), estamparam principalmente as produções de Pornochanchada.
Só para os filmes de Os Trapalhões, foram cerca de 30 cartazes. Benício conta que era procurado próximo ao lançamento dos filmes e tinha que trabalhar a partir de stills, fotografias tiradas durante as filmagens, que reinterpretava em guache. Muitas vezes, não chegava a ver os longas. Para “Independência ou morte” (1972), por outro lado, Tarcísio Meira, que fazia o papel de Dom Pedro, posou para o ilustrador.
– Sou um cinéfilo preguiçoso e a maioria das pornochanchadas não me interessava – contou ele ao jornal O Globo em 2010.
Em 60 anos de carreira, só ouviu uma reclamação. Foi de Renata Sorrah, que pensou em processá-lo (a Justiça considerou que o caso não merecia nem ir a julgamento) por causa das pernas e barriga de fora no cartaz de “Lua de mel e amendoim”. Hoje, ela ri, e diz que gostaria de ter um pôster do filme considerado cult.
Por ilustrar frequentemente musas com pouca, ou nenhuma roupa, tinha fama de pegador, mas não era bem assim.
– Pensavam que meu estúdio era uma orgia, que eu era um tremendo devassa, mas nenhuma delas posou para mim. Eu as conhecia pelos retratos, e só – disse ele, em uma entrevista ao jornal O Globo em 2014.
O trabalho do ilustrador sofreu dois baques. Primeiro em 1992, após o fechamento da Embrafilme no governo Collor, que praticamente inviabilizou a indústria cinematográfica do país. Depois, já na retomada, com a ascensão da mídia eletrônica nos anos 2000, que tornou a produção de cartazes mais rápida e barata.
Paralelamente ao cinema, Benício se dedicou à publicidade. É dele a arte que ilustra rótulo da bebida Catuaba Selvagem. Realizado em 1992, é inspirado no personagem Conan, o Bárbaro.
Recentemente, lançou uma coleção de cadernos para a Cícero Papelaria, e desenhou duas capas: a do livro “Monica(s)”, em que 150 artistas, entre eles o americano Will Eisner, retratam a personagem infantil de Mauricio de Sousa, e a da coletânea “A comédia mundana: três novelas policiais sacanas”, de Luiz Biajoni.
Em 2010, o ilustrador ganhou o documentário “Benício – O mestre das pin-ups”, dirigido pelos irmãos Eduardo e João Calvet, dedicado à sua trajetória. Seu trabalho também é tema de dois livros: “E Benício criou a mulher”, do jornalista Gonçalo Junior, e “Sex & Crime: The Book Cover Art of Benicio”.