Por Leonardo Fuhrmann
Uma das maiores tristezas do jornalista Jardel Sebba nos últimos meses era saber que nunca mais pisaria em Copacabana, no Rio de Janeiro. O agravamento do câncer veio em um momento em que ele planejava visitar – ao lado da esposa, a designer Carolina Lacreta – o bairro em que nasceu e foi criado.
Mas a Copacabana de Jardel nada tinha de Princesinha do Mar, como na música de Alberto Ribeiro e João de Barro. Era mais o microcosmo do Brasil, do compositor e escritor Fausto Fawcett. Ele sentia falta mesmo da mistura de malandros e otários e do cheiro de fritura nas ruas.
Formado neste caldeirão cultural carioca, Jardel passou pela Universidade Federal de Goiás –estado onde moram seu pai, o ex-deputado Jardel Sebba, e seus irmãos, o deputado estadual Gustavo, Eveline e Marília – e desembarcou depois em São Paulo, onde trabalhou nas revistas Vip, Sexy e Playboy. Do Rio de Janeiro, trazia um sotaque que nunca o abandonou, gírias típicas – como o “qualé, mermão?” – e a paixão recheada de causos pelo Flamengo.
De costas para o mar, Jardel foi formado na paixão pela música e pela cultura pop, em especial pelo rock inglês do The Smiths e do Joy Division. Mas sua cultura musical ia muito além disso. Como lembra o jornalista Fábio Peixoto, seu colega nos tempos de Editora Abril, ele era um cara capaz de passar horas em um papo sobre as diferenças entre o jazz da Costa Leste e o da Costa Oeste sem ser arrogante em momento algum. Assim, ajudou muito na formação de estagiários e recém-egressos do Curso Abril.
Evidentemente, tinha muito mais discos, livros, CDs e DVDs do que amigos. Mas sabia cultivar a amizade com o mesmo carinho que dedicava às coleções. Se parecia calado e introspectivo em um primeiro contato, se revelava um amigo dedicado e cuidadoso para quem o conhecia melhor. Assim, não era difícil ganhar dele “o livro que é a sua cara” ou “o disco que você precisa conhecer”. Tudo isso sem perder um sarcasmo que tornava as conversas mais divertidas, inclusive quando falava da doença, que tratava desde 2019.
O seu humor fazia com que as reportagens e entrevistas que renderam se tornassem causos tão bons quanto as que não deram certo. Fez uma entrevista antológica (termo que usava sempre) com o ator Paulo César Pereio e o compositor Gilberto Gil e, mesmo com inúmeras tentativas, jamais conseguiu a entrevista do compositor Caetano Veloso para a Playboy. Passou até os últimos dias falando com paixão sobre música, livros, pautas e reportagens, mesmo quando não conseguia mais trabalhar.
Nos últimos meses, tentou retomar sua paixão pelo trompete, mas o fôlego já não lhe permitia tocar. Desde a última segunda-feira (20), as memórias soam livres, como as notas de um solo do trompetista norte-americano Miles Davis.
Em sua newsletter tri-semanal, o escritor Edson Aran publicou o seguinte texto nesta sexta-feira, 24:
Na segunda-feira, dia 20 de novembro, Jardel Sebba partiu para a Eterna Roda de Samba no Céu para tocar pagode com Sid Vicious, Leonard Cohen e Tom Waits. Fomos grandes parceiros nas revistas “VIP”, “Sexy” e “Playboy”, onde sempre buscamos esse graal que não dá dividendos chamado “qualidade editorial”. Bruno Lazaretti trabalhou com a gente na “Playboy” e fez esse belo texto de despedida, publicado originalmente no Instagram.
A gente perdeu uma pessoa boa
por Bruno Lazaretti
É importante perceber que a gente perdeu uma pessoa boa.
Não que o Jardel resgatasse cachorrinhos de bueiros diariamente, embora ele fosse a primeira pessoa a fazer isso, se houvesse cachorrinhos em um bueiro.
Mas não é isso que eu quero dizer, caralho, presta atenção: o Jardel era bom em ser pessoa. Era bom em pessoar, em ver pessoas nas pessoas, e lidar com elas. Uma criatura orgulhosamente mundana, irremediavelmente emotiva.
Lembro que uma vez ele ficou dois meses sem falar comigo porque eu entreguei uma matéria preguiçosa, mal escrita. E, caralho, sair daquela luz me doeu. Vocês sabem como é porque, agora, todo mundo também saiu daquela luz e a parada toda faz menos sentido.
Eu não entendo o que o Jardel entendia, mas era tão poderoso esse entendimento que, só de estar perto dele, você entendia. Era muito reconfortante. Ele ensinou a vocês, como ensinou a mim. Vocês sabem. E vocês também sabem que ele cortaria metade desse texto e perguntaria: “Brunão, o que você quer dizer? Fala pra mim”.
Ele não era só um bom escritor ou um bom editor. Ele era bom em ser pessoa – esse negócio raro, essa extinção, essa coisa que a gente devia saber fazer e não sabe. Ele sofria e se fodia e tinha sonhos e chorava e ouvia o Tom Waits e bebia e fumava que nem eu e você, só que ele fazia isso MELHOR do que eu e você. Ele sabia alguma coisa que eu ainda não sei.
Não é só saudade que eu comecei a sentir hoje. É medo. A gente perdeu o Jardel e ele fazia tudo fazer sentido quando a gente precisava que fizesse sentido. E, caralho, agora a gente precisa que faça sentido. Eu mal te via, Jardel, mas você tava lá. Isso era importante pra mim. Ainda é. Então, foda-se! Eu vou acreditar que você ainda tá.