Programa Rouanet Norte

CAPÍTULO 5 – A Segunda Dentição do Reggae Manauara (Parte 2)

Alex Gil, Fred Mesclado, Tennessee Nogueira, Gabriel Buglê e Lucio Bezerra
Postado por Simão Pessoa

(Por se tratarem de textos longos que só cabem num livro físico, optamos por destrinchar o Capítulo 5 em várias partes, para poder caber nessa plataforma digital. So sorry.)

Johnny Jack Mesclado e o Reggae da Zona Centro-Sul

Morador do bairro de São Francisco, na Zona Centro-Sul de Manaus, Frederico Paulus, o “Fred”, tinha sido o típico adolescente da Geração X, aquele grupo de pessoas nascidas entre 1965 e 1981, que crescerem em um período de transição marcado por grandes mudanças políticas, sociais e tecnológicas. Fazendo uso daquela máxima do movimento punk (“do it yourself”, “faça você mesmo”), ele havia aprendido a tocar violão sozinho por meio de revistas de música vendidas em bancas e, nas horas vagas, escrevia pequenos textos embrionários de (quem sabe?) futuras composições. Sonhar não custa nada.

Vizinho do cantor Cileno Conceição e afilhado de dona Ana Maria, mãe de Cileno, Fred costumava assistir aos shows musicais do cantor na Praça de Alimentação do Amazonas Shopping e começou a se interessar também pela força das mensagens presentes nos hits de Bob Marley, Peter Tosh e companhia. Quem sempre acompanhava Fred nessas incursões musicais era um outro vizinho seu, Gabriel da Luz, o “Gabriel Buglê”, na época praticamente uma criança com pouco mais de 13 anos.

Um dos amigos de Fred no bairro era Moretti, com quem ele compartilhava a devoção pelo rock dos anos 90 (Faith No More, Guns N’ Roses, Metallica). Moretti tinha um primo chamado Tennessee Nogueira, que tocava violão direitinho e também estava naquela vibe de escrever pequenos textos para futuras composições, sonho recorrente de qualquer moleque que vislumbre uma futura carreira musical. Para Fred e Tennessee se conhecerem por iniciativa de Moretti, foi conta de multiplicar. Fred tinha 20 anos, Tennessee era quatro anos mais novo, mas musicalmente estavam na mesma vibe.

Um dia, durante a tradicional resenha após uma partida de futebol de rua, os famosos “rachões no asfalto”, uma das poucas diversões gratuitas da molecada de São Francisco, Tennessee sugeriu a Fred que formassem uma banda de rock.

– Se você conseguir uma guitarra, mano, eu te acompanho nessa viagem! – devolveu Fred.

Os dois começaram a desenvolver algumas parcerias musicais na base do violão, mas já acalentando o sonho de terem seu próprio grupo de rock. Só que, apesar das facilidades da ZFM, guitarras ainda eram artigos de luxo. Fred era o único que tinha um emprego fixo. Tennessee era apenas um estudante do colegial, que ainda dependia da mesada dos velhos. Nenhum dos dois vinha de uma família de grandes posses. Conseguir uma guitarra não era tão fácil assim. Com extremo sacrifício e parcimônia nos gastos pessoais, Fred comprou a sua. Tennessee começou a sua própria odisseia em busca de uma.

– Cara, não foi fácil não! – recorda Tennessee. – Eu lembro que eu falei ‘pô, eu não quero mais nada não, eu troco tudo por uma guitarra’. Aí, foram uns três meses de batalha para conseguir colocar a mão no instrumento, uma Stage… E o Fred dizendo ‘é assim mesmo, mano, tem que ser na base do sacrifício, mas vai valer a pena’. E começamos a ensaiar com duas guitarras.

Diariamente, os dois se encontravam na casa do Fred para ensaiarem juntos algumas músicas autorais e aprenderem novos acordes tirados de ouvido de algum disco interessante. Nesse laboratório inicial rolava um pouco de pop rock, roots reggae e MPB. Os dois queriam mesmo era aprender os tais acordes dissonantes para incrementarem suas próprias composições. No início, os dois dividiam os vocais, às vezes cantando junto, às vezes se alternando, mas sempre dando um jeito de aprimorar o trabalho autoral da dupla.

Também morador do bairro de São Francisco, Daniel Oliveira era um adolescente com pouco mais de 16 anos quando conheceu Tennessee Nogueira no Colégio Batista Ida Nelson, ambos estudando na mesma classe. Recém-chegado de Boa Vista (RR), onde havia morado desde criança, Daniel era um manauara da gema, mas não conhecia quase ninguém no bairro. Um dia, ele viu Tennessee tocando violão para uns amigos na sala de Informática do colégio, criou coragem, se aproximou e pediu o instrumento emprestado para “tocar umas coisas”. Violonista de mão cheia, a formação musical de Daniel era oriunda das ondas sonoras que ouvia na programação das rádios de Roraima: muita MPB, de Caetano a Chico Buarque, de Gal Costa a Ivan Lins, de Milton Nascimento a Elis Regina. Tennessee era um pouco mais eclético: curtia rock, MPB e samba sem qualquer preconceito. Tennesse começou a frequentar esporadicamente a casa de Daniel para tocarem violão juntos.

– O que mais me impactou foi ele tocando João Bosco! – relembra Tennessee. – Quando ouvi pela primeira vez… Nooossa, cara!… Ele era muito foda!…

Alguns dias depois, empolgado com a versatilidade do amigo no violão, Tennessee deu um papo reto:

– Vou te levar para conhecer um amigo meu que também é músico porque quero que você participe do nosso som. Acho que nós três juntos podemos fazer alguma coisa interessante – avisou ele.

No mesmo dia, os dois foram à residência de Fred, com Daniel levando seu violão. Ninguém sabe por que cargas d’água, mas Daniel foi logo apelidado de “Zeca” e, com a convivência e camaradagem entre os três amigos, acabou virando “Zequinha”. Verdade seja dita, o gosto musical do trio não era dos mais afinados, mas, tal como aconteceu na Tropicália, a junção de MPB, rock e reggae acabou dando certo. Os três começaram a executar animadas “jam sessions” na sala de visitas da casa do Fred. Daniel fazia as linhas de baixo com o seu violão.

Algum tempo depois, Daniel também conseguiu uma guitarra e as “jam sessions” ficaram mais incendiárias com os três guitarristas se esmerando em tocar cada vez melhor. Os ensaios na casa de Fred prosseguiam a todo vapor quando ele próprio percebeu que três guitarristas não era o formato ideal para aquilo que eles queriam mostrar para o público: um reggae autoral de responsa. Sim, porque sem baixo e bateria comandando a levada rítmica é impossível falar em reggae. Na maior humildade, Fred resolveu abandonar a guitarra e começa a tocar baixo, que ele ainda não dominava.

– O Zequinha tocava guitarra base e solava pra caralho! O Tennessee também tocava guitarra muito bem e era um puta cantor! – recorda Fred. – É claro que eu não ia perder aquela oportunidade de fazer parte da Johnny Jack Mesclado, mas tinha que encontrar meu próprio espaço dentro da banda. Aí decidi comprar um contrabaixo e comecei a estudar o instrumento. Meu aprendizado foi feito ensaiando com eles dois, errando e corrigindo, pegando dicas de contrabaixistas mais experientes, ouvindo muitos discos de roots reggae, até meu som ficar legal.

Nesse meio tempo, Gabriel da Luz, o “Gabriel Buglê”, começou a assistir o ensaio do trio e manifestar seu desejo de entrar no grupo. Ocorre que Gabriel também tocava violão. Fred deu um papo reto:

– Mano, você quer entrar na banda?… Só dá pra entrar se for como baterista… E compra uma bateria…

Moleque de 14 anos, Gabriel deve ter enchido muito o saco da família até conseguir uma bateria Laser, como presente de aniversário, um instrumento que ele não conhecia nem de cumprimentar. Na verdade, a bateria possui técnicas básicas que podem ser aprendidas numa tarde, mas levam meses ou até anos de prática e dedicação para dominá-la. Com tempo e prática, o baterista aprenderá os fundamentos, até começar a trabalhar ritmos e padrões mais complexos na bateria. Apesar da pouca idade, Gabriel tinha muita força de vontade e dedicação. Treinando em casa sempre que podia, ele aprendeu rapidamente a dominar os rudimentos, ou seja, os padrões de golpes que formam a base da técnica da bateria.

O passo seguinte de Gabriel foi oferecer a garagem de seus pais para realizarem os ensaios. O quarteto começou a se reunir diariamente no local, a partir das 18 horas, tocando suas próprias composições.

Um dia, Fred convidou Cileno Conceição para assistir a um dos ensaios da banda. O cantor ficou impressionado com a voz de barítono de Tennessee e comunicou o fato ao guitarrista:

– Porra, velho, esse cara canta direitinho! Senti firmeza na afinação, na potência de voz e na mise en scène na frente da banda…

Fred nem pensou duas vezes e já comunicou a Tennessee que ele seria o vocalista principal. Fred seria apenas backing vocal, quando necessário. Com Daniel na guitarra base e Gabriel na bateria, o combo estava formado. O passo seguinte era ensaiar pra valer, até ficarem tinindo nos cascos e prontos para a guerra.

– A gente ainda não sabia direito que direção musical tomar, porque tínhamos uma pegada meio reggae e meio rock – relembra Fred. – Mas como a gente fazia uma mistureba danada desses dois ritmos, alguém sugeriu: ‘vamos seguir nessa linha mesmo, tipo johnny jack mesclado’, com tudo junto e misturado… E a sugestão acabou dando origem ao nome da banda.

Padrinho da banda em formação, Cileno começou a frequentar mais assiduamente os ensaios da turma. E como também estava estudando bateria em casa, começou a dar dicas valiosas para Gabriel Buglê, principalmente nas músicas consideradas mais difíceis de executar. Algumas vezes, ele próprio assumia a bateria para mostrar como deveria ser esse ou aquele andamento mais complicado.

No dia 25 de junho de 1999, quebrando um pouco a tradição das festas juninas do bairro, nascia oficialmente a banda Jack Johnny Mesclado. Uma coisa estava definida: eles iam tocar apenas músicas autorais e seriam uma banda de reggae. Principal compositor do grupo, Fred diz que a opção pelo ritmo jamaicano foi quase um caminho natural.

– O reggae representa a liberdade de se manifestar de uma forma que faz sentido para nós e para os outros – explica Fred. – Se não fosse o reggae, teríamos canalizado toda essa energia e vitalidade para coisas que nem vale a pena nomear. O reggae é a visão de um mundo melhor, com mais positividade, com mais solidariedade, com mais amor ao próximo. E é isso que queremos mostrar com nossas músicas.

No dia 1º de outubro, chegou o dia da grande prova de fogo da banda iniciante: eles foram convidados para o 2.0 Reggae Fest, realizado na Estação Milleniun, ao lado do Hotel Tropical, na Ponta Negra, para um público estimado em 3 mil pessoas, dividindo o palco com Cileno Conceição e as bandas Dada Mao e Deskarados. Apesar do nervosismo típico de qualquer estreia, a Johnny Jack Mesclado fez bonito e foi bastante aplaudida. A partir daí começaram a pintar convites para a banda se apresentar em bares e casas noturnas.

É evidente que nas suas primeiras apresentações a Johnny Jack Mesclado ainda era recebida com desconfiança pelo público porque seu repertório era totalmente autoral. As pessoas tinham um estranhamento natural pelo fato de estarem ouvindo aquelas músicas pela primeira vez, mas a energia da banda era tão contagiante que acabava levando a plateia ao delírio. O frontman Tennessee Nogueira, com sua voz grave e um balanço hipnótico no palco, que lembrava vagamente o rapper BNegão, do Planeta Hemp, começou a atrair uma grande plateia feminina. O entrosamento musical de Fred, Daniel e Gabriel também era muito bom.

Além disso, os músicos não tinham preconceito e tocavam onde fossem convidados, o que incluía Coração Blue, Bora Bora, Jack Free, Porão do Alemão e o Palco Iluminado da TV Amazonas, quase sempre realizado na periferia da cidade. O certo é que, conforme as apresentações iam rolando, os músicos iam amadurecendo, ganhando confiança, descobrindo as manhas para cativar o público e a Johnny Jack Mesclado se firmou como a banda queridinha da galera que curte reggae autoral da melhor qualidade. A banda começou a ganhar as páginas culturais dos jornais locais, obtendo um merecido reconhecimento pelo seu som simples, direto e sem muitas firulas. Os convites para a apresentação da banda cresceram de forma exponencial.

Em meados de 2000, com pouco mais de um ano de estrada, Tennessee Nogueira deixou a banda para cuidar de seus projetos pessoais. Por conta disso, alguns vocalistas passaram pelo grupo, mas não se enquadraram nos objetivos dos músicos, que era aprofundar a sua pegada no legítimo reggae raiz. Por indicação de alguns amigos da banda, o versátil Thiago Flores foi entronizado como vocalista da Johnny Jack Mesclado no início de 2001. Ele era um cantor carismático, divertido e inspirado. Do jeito que a banda queria. A química entre ele tinha tudo pra dar certo. E deu. A banda começou a ensaiar as músicas para seu primeiro CD.


Do outro lado da rua morava uma estudante da Escola Técnica Federal do Amazonas (ETFA), que começou a prestar atenção nos ensaios da molecada. A parada do ônibus que ela pegava para ir ao seu curso noturno ficava exatamente em frente à garagem de ensaios. Um dia em que não foi estudar por algum motivo, a garota criou coragem, bateu na porta da garagem e pediu para assistir o ensaio da banda mais de perto. Foi atendida. A estudante se chamava Elisa Maia, tinha 21 anos, e havia estudado piano durante 10 anos, no Centro de Artes da Universidade do Amazonas (CAUA). Conhecia tudo de música.

– Olha, não me levem a mal, mas percebi que tem uns erros de acordes na música tal, que devia ser assim e não assado… – avisou Elisa Maia, apresentando suas armas.

A conversa entre a estudante e o resto da banda foi divertida. Ao saberem que a menina também era cantora, eles fizeram um improviso para observar seus dotes vocais. Realmente, Elisa Maia tinha uma voz agradável e afinada. Lá pelas tantas, Fred deu outro papo reto.

– Nós estamos nos preparando para gravar o primeiro CD e estamos procurando uma backing vocal. Por que você não se junta a nós?…

A garota topou e passou a dividir os vocais com Thiago Flores.

Em 2002, a banda gravou seu primeiro CD, de forma independente, com o título “Que Jah Abençoe”, um marco histórico na difusão do reggae no Amazonas. O disco foi lançado em março, no Porto Privatizado de Manaus, com a participação especial de Cileno Conceição e da banda Casulo. O tecladista Lucio Bezerra, que teve um papel de destaque nos preparativos de lançamento do disco, foi incorporado ao combo, dando mais peso às apresentações da banda. O CD tinha nove músicas autorais, além de “Homem Rasta”, regravação de um hit do cantor Cileno.

Este foi o disco que levou o nome da Johnny Jack Mesclado a ser reconhecido como uma das referências do reggae na Região Norte. A letra curta e grossa da faixa-título já dizia qual era o norte da turma: “A imensidão do mundo em minha volta / Um som de Marley ao entardecer / Pintei as cores rasta na minha porta / Fiquei feliz por encontrar você / Me distrai olhando o arco-íris / A aliança da nossa união / Agradeci a Deus por mais um dia / Pedi a sua benção e proteção / Oh… Que Jah Abençoe!”.

Durante o lançamento do álbum, o vocalista Thiago Flores disse que “a banda toca sua verdade. E a verdade da banda é a que ela tem de tocar suas músicas”. Esse primeiro trabalho recebeu uma boa aceitação no mercado cultural do Sudeste do país, tendo a música “Aquela Menina” sido escolhida para fazer parte da coletânea “Circuito Reggae, Vol. 04”, do selo Kaskatas. Com o lançamento do primeiro CD, a Johnny Jack Mesclado começou a exibir sua musculatura e galvanizar sua participação no cenário musical nacional. O convite para fazer uma apresentação na casa de shows Cirkus, no bairro de Pinheiros, em São Paulo (SP), praticamente abriu as portas para as futuras exibições da banda em grandes eventos.

Em 2004, a banda gravou o seu segundo trabalho independente intitulado “Luz de Raiz”. O lançamento do CD ocorreu em agosto, no Coração Blue, e contou com a participação especial de Cileno Conceição e do DJ Finno. A faixa-título é mais uma letra de muita positividade: “De tudo que vivi, de tudo que aprendi / Das coisas que sorri e que chorei / Das coisas que conquistei / Das coisas que perdi, todas elas eu busquei / Dar o meu melhor, dar o meu melhor / Eu sei, que o sol não precisa brilhar 24 horas pra ser rei / De tudo que vivi, de tudo que aprendi / Das brigas e conflitos que passei / Das tempestades que vivi, mas minha fé nunca deixei / Tenho que ser forte, minha luz de raiz é suporte / E sem fé não sou nada, sem fé não sou nada”.

Na música “Fim de Semana”, a banda relata uma suposta viagem ao município de Presidente Figueiredo, considerado a “Terra das Cachoeiras” do Amazonas: “Fim de semana pego estrada eu vou relaxar / Eu vou bater em Figueiredo / Na cachoeira com os amigos quero sossegar / Eu quero paz quero sossego / Um incenso pra queimar e purificar / Todo o ambiente / Trazendo a sensação trazendo a vibração / Trazendo a paz emancipando a minha mente / Fim de semana pego estrada eu vou relaxar / Eu vou bater em Figueiredo / Na cachoeira com os amigos quero sossegar / Eu quero paz quero sossego / Pra cabeça refrescar / A paz eu vou buscar / E renovar a energia novamente / Ficar na paz de Jah e se desestressar / Pedir a Deus que ilumine nossa mente”.

A aceitação do novo trabalho foi tão boa que acabou rendendo o convite para uma temporada de três meses de shows em Porto Alegre (RS), participando do evento “Quarta Rasta”, no famoso Bar Opinião, que teve como atração principal a banda Israel Vibration. E para se ter uma pálida ideia da importância e honra que foi dividir o palco com os jamaicanos, basta sublinhar que muita gente diz, e com razão, que o grupo é a alma da Jamaica hoje em dia. Seu reggae de raiz é repleto de canções com mensagens espirituais. E também uma história de superação: os integrantes da banda se conheceram no Centro de Reabilitação Mona, onde foram internados devido à poliomielite.

O Israel Vibration começou em 1976, como um trio, formado por Cecil Spence (Skelly), Lascelle Bulgin (Wiss) e Apple. Desde crianças, os três viviam em centros de reabilitação. Num deles, acharam forças na fé rastafári. Mergulhando na nova espiritualidade, deixaram os dreadlocks crescerem. Foram expulsos da instituição, e só conseguiram se estabelecer como músicos em 1969, quando passaram a viver nos arredores da cidade de Kingston. Mesmo fragilizados pela poliomielite, os três não desistiram. Ao contrário, a luta tornou sua música mais intensa, e sua mensagem mais influente na pregação do rastafarianismo. Começaram a fazer sucesso, e logo conseguiram contrato com uma gravadora. Sua primeira música, “Why Worry”, foi um hit local e chamou a atenção de astros como Dennis Brown e Bob Marley para seu trabalho.

Hoje, o grupo conta com Skelly e Wiss. Os shows costumam ser celebrações de vida, com a dupla arrasando no palco, comprovando seu carisma e talento. O fato de serem vítimas de poliomielite – têm dificuldades para locomoção e precisam de muletas e apoio mesmo quando estão no palco. Nem por isso deixaram de ser o que são e alcançar o reconhecimento que buscaram. Com a força da fé rastafári, desde a década de 1970 expressam suas convicções espirituais por meio da música.

Vale destacar os grandes músicos que acompanham a dupla, o Roots Radics Band. O guitarrista Ron Butler, que já tocou com nomes como Steel Pulse e The Wailers, costuma bater ponto nas turnês do Israel Vibration. O baixista Errol Flabba Holt, também conhecido como Errol Carter, é um dos maiores do reggae, famoso pela técnica no instrumento. Fundador e líder da Roots Radics, Flabba dita o ritmo da banda. Também já tocou com muitos outros grandes do reggae, como Culture, Dennis Brown, Gregory Isaacs, Mikey Dread, Winston Jarrett, Joseph Cotton e Bunny Wailer – tocou nos três discos de Bunny agraciados com o Grammy.

Em 2009, saiu o terceiro CD independente da banda Johnny Jack Mesclado intitulado simplesmente de “Três”. O lançamento do risco rolou em dezembro, no Ao Mirante Music Bar. As músicas ficaram mais dançantes, românticas e melódicas (“Mais Um Dia”, “Com Você”, “Pra Minha Vida”), há ecos de positividade rasta (“Tribo Paz e Amor”, “Quando o Erê Chegar”), música instrumental (“Amazônia Vibe”) e até experimentação com dub (“Falsos Profetas Dub”). O disco marca a saída do vocalista Thiago Flores, que foi cuidar de sua carreira acadêmica e musical. O ex-vocalista Tennessee Nogueira retorna para ser o novo frontman do grupo. O guitarrista Daniel Oliveira também deixa a banda para participar do grupo Cabocrioulo, que ajudara a fundar em 2005. Ele é substituído pelo guitarrista João Bitar.

Uma das músicas do disco “Três”, a romântica “Com Você”, foi incluída na coletânea “As Melhores do Johnny B. Goode – Volume 2”, que tem a participação de bandas como Planta e Raiz, Mato Seco e Tribo de Jah, entre outras. A coletânea foi mixada e masterizada em São Paulo, com produção e direção assinada por Vagner Bagão, produtor musical de diversos trabalhos da banda Tribo de Jah. A partir daí, a Johnny Jack Mesclado inicia uma carreira ascendente e começa a participar de grandes eventos, seja fazendo aberturas de shows nacionais em Manaus para bandas como Planta e Raiz, Natiruts, Tribo de Jah e Chimarruts, seja se apresentando em circuitos e festivais de reggae em São Paulo (SP), Boa Vista (RR), Santarém (PA) e Belém (PA).

Uma das curiosidades que contribuiu para a mística da banda foi o fato de nos três primeiros discos eles não incluírem a música que dava nome ao disco. Por conta disso, a faixa-título do primeiro disco, “Que Jah Abençoe”, só foi registrada no disco seguinte “Luz de Raiz”. Já a música “Luz e Raiz” também não faz parte do disco de mesmo nome, tendo sido registrada apenas no disco “Três”. E, por último, não se sabe se há uma composição chamada “Três”, que seria registrada no disco seguinte para manter a escrita. Como diz Gilberto Gil, na música “Esotérico”, “mistério sempre há de pintar por aí”.

Em 2013, a Johnny Jack Mesclado faz uma releitura de antigas canções e acrescenta novas composições ao seu repertório, demostrando um amadurecimento musical e técnico cada vez mais apurado. O resultado disso pode ser conferido no quarto álbum da banda intitulado “De Fone pro Mundo”, produzido integralmente pelos músicos. O empresário Beto Contartesi, da Jacc Produções, explicou que a ideia da Johnny Jack Mesclado era elaborar um CD com músicas que mostrassem a identidade da banda.

– Pela primeira vez a banda vai ter um CD no qual todas as músicas foram gravadas com a voz do Tennessee Nogueira e todas as músicas que compõem o álbum foram compostas ou por ele ou pelo Fred, ou em parceria entre os dois – explicou.

No CD, com 13 faixas, entrou grande parte de músicas já conhecidas pelo público que acompanha o trabalho da banda, como “Luz de Raiz”, “Falsos Profetas”, “Com Você” e “Mais Um Dia”, além de material inédito como “É Nóix” e “Tamo Junto”. A música “É Nóix”, que se mostrou um hit matador, é uma espécie de homenagem ao bairro de origem da turma: “San Francis / Francis San / Six hundred one / La resistência / É nóix! / Já falei que é nóix! / Jah falou que é nóix! / De cima presença / Segue a resistência / Os caras tão ligados, tá ligado / Que a gente é do amor / Baseados no amor / E nunca se esqueça / Da luz pra cabeça / Pra dentro puxa a paz, quero paz / Que a gente é do amor / Platinados no amor / Já falei que é nóix! / Jah falou que é noix!”.

Sobre as influências para as canções do CD, Tennessee explicou que era resultado do próprio processo de amadurecimento pelo qual a banda vinha passando.

– Estamos no mercado desde 1999 e de lá para cá algumas coisas aconteceram, passamos por mudanças em nossas histórias. Eu, por exemplo, voltei para a banda. E esse CD traz tudo isso: nosso novo olhar para o mundo, para o cotidiano.

Em 2017, celebrando os 18 anos da banda, rola o show de lançamento do EP “601”, no Ao Mirante Music Bar, com participação do cantor Cileno Conceição. Com produção de Bruno Prestes, o novo EP trazia seis composições, sendo “601”, “Amaranto” e “Urubuservando” assinadas pelo vocalista Tennessee Nogueira e “Mari e Juan”, “O Amor” e “Quebrando a Rotina (Na Mulera)”, pelo baixista Frederico Paulus. A celebração continuou ao longo do ano, com shows na casa noturna Porão do Alemão e no Tacacá na Bossa, no Largo de São Sebastião.

Relembrar a trajetória da banda desde o início, em 1999, é fazer um filme passar pela cabeça do vocalista Tennessee Nogueira.

– Nós somos amigos de infância que cresceram no bairro São Francisco tocando violão e que, hoje, depois de tanta coisa, estão completando 18 anos de banda – conta Tennessee, que não esconde o orgulho pelos 4 CDs, 2 EPs e diversas participações em coletâneas nacionais de reggae que a Johnny Jack Mesclado traz na bagagem. – O reggae é uma forma de falar sobre as coisas que estamos vivendo de forma positiva.

Se você perguntar a Tennessee as influências da banda, ele responde que elas não são musicais, mas literais:

– A nossa influência é a rua, o bairro, os sonhos – responde sem titubear.

Algo que é visível na canção que dá nome ao último EP da banda.

– 601 é uma música que traz o número do coletivo que passa no nosso bairro São Francisco. Eu a escrevi dentro do ônibus. Eu precisava descer no centro da cidade, não consegui e vim escrevendo a música a partir do que eu via sentado no ônibus – revela o vocalista.

Em 2022, Tennessee Nogueira sai da banda para curtir férias prolongadas com a família na Austrália, onde mora atualmente, e é substituído pelo vocalista Deevan Vital. O novo frontman também tem um currículo cascudo. Ele iniciou sua carreira musical como componente de um grupo de pagode, mas aquilo só durou até ele descobrir o reggae da Johnny Jack Mesclado e o ska de Marcelo Ipanema e os Deskarados para descobrir que era aquilo que ele queria. Mergulhou de cabeça no ritmo jamaicano, indo beber na fonte – Marley, Tosh, Steel Pulse.

A partir de 2008, começou a se apresentar no circuito manauara de reggae mostrando suas próprias composições e foi bem aceito pela massa regueira. Sua voz contida, mas poderosa, e o esvoaçar frenético de seus imensos dreadlocks deixavam a mulherada à beira de um ataque de nervos. O vocalista Tennessee Nogueira foi um dos primeiros a perceber o talento e o carisma do rapaz. Aí, para iniciarem uma brodagem musical também foi conta de multiplicar. Sempre que o via na plateia assistindo a uma apresentação da Johnny Jack Mesclado, Tennessee convidava Deevan para participar de uma ou duas músicas e ele não se fazia de rogado. Pouco a pouco foi ganhando o respeito da banda.

Assim, quando Tennessee resolveu tirar um ano sabático para descansar, convidou Deevan Vital para substitui-lo nessas supostas férias prolongadas. Fred e Gabriel, considerados a corda e a caçamba da banda, concordaram com o vocalista e Deevan foi incorporado ao grupo. Era ele que estava à frente da banda na comemoração dos 25 anos da Johnny Jack Mesclado, em dezembro de 2024, no Ao Mirante Music Bar.

A festa, em si, foi uma celebração da pesada. Reforçada por um naipe de metais de tirar o fôlego, a banda desferiu uma seleção especial do melhor de seu reggae autoral para chacoalhar o esqueleto mais renitente. O ex-vocalista Thiago Flores participou de alguns números, assim como os cantores Thiago Pascarelli e Natty dos Anjos, fazendo a massa regueira vibrar de contentamento. Como cereja do bolo, uma exposição do artista plástico Afrânio Pires mostrando a versão original em formato plus size das capas dos quatro CDs e dois EPs da Johnny Jack Mesclado feitas por ele mesmo. Irie!

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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