Programa Rouanet Norte

CAPÍTULO 5 – A Segunda Dentição do Reggae Manauara (Parte 6)

Postado por Simão Pessoa

(Por se tratarem de textos longos que só cabem num livro físico, optamos por destrinchar o Capítulo 5 em várias partes, para poder caber nessa plataforma digital. So sorry.)

Os Tucumanus e suas misturas musicais imprevisíveis

É rock? É reggae? É funk? Beiradão? “Fusion”? Que som é esse? Eles dizem ser uma banda de “som regional experimental” (título do único disco até então, que foi lançado, em 2007, com 11 faixas). Mas a verdade dos fatos é que a identidade musical de Os Tucumanus é algo mutante. Algo que se apresenta de diferentes formas sem perder a sua essência composta de brasilidade, balanço e rock’n’roll. É enchente e é vazante. É a política da consciência e do desdém. É criticidade e é “frescagem”. Trata-se de um ser autêntico, pávulo, idealista e inusitado. Que som fazem? Do tipo visceral. Do tipo que soma ritmos, batidas, instrumentos elétricos e percussivos, enfim, todos os elementos encontrados na trajetória de incansáveis navegantes que somam experimentos musicais em busca de expressar seus sentimentos.

Desde o surgimento no cenário amazonense, Os Tucumanus apresentam um repertório 100% autoral em seus shows. Mais que uma opção, isto é uma conduta que dá sentido à toda ideologia defendida pela banda. Reduzindo ao máximo o tucupi do tacacá, o som da banda compreende uma vigorosa mistura de batidas brasileiras e ritmos alternativos para cantar, dançar e refletir sobre temáticas que variam do cotidiano urbano ao regional amazônico. Só assim, nessa tábula rasa, podemos tentar definir a musicalidade de Os Tucumanus, grupo que nasceu em meados de 2001, por meio do encontro informal entre o filósofo e letrista Maurício Pardo e o comunicólogo e guitarrista Denílson Novo, que compunham canções em churrascos de fins de semana como um simples divertimento entre amigos de birita, conversa fiada e futebol.

De repente, a parceria se tornou um trabalho mais consistente e não demorou para despertar o interesse de músicos e amigos próximos, que passaram a admirar e frequentar os tais encontros. Foi uma questão de tempo para a banda ser formada e iniciar um longo trabalho de lapidação das composições. De qualquer forma, o grupo finalmente estreou no cenário musical amazonense, em 2006, em uma apresentação no Teatro Chaminé, em Manaus. Na formação, estavam Clovis Rodrigues, Mauricio Pardo e Carol Queiroz, nos vocais, Denilson Novo, na guitarra, Daniel Valentim, no baixo, Ricardo Mota, na percussão e Luís Campos, na bateria.

Desde então, os shows e apresentações se intensificaram e, em 2007, Os Tucumanus lançaram o seu primeiro CD, uma produção independente intitulada “Regional Experimental”. Foram mais de mil cópias comercializadas e o registro acabou levando o grupo a conquistar novos espaços na mídia, casas de shows, eventos, além de servir como peça fundamental para seletivas de projetos e festivais de música. As músicas do disco, que continuam disponíveis nas plataformas digitais, eram “Até O Sol Raiar”, “Palafitas”, “Boi Voador”, “Rumo À Via Láctea”, “O Boto”, “Serpenteia”, “Chuveiro Natural”, “Churrasco De Gato”, “Acari Bodó”, “Caboco Oco”, “Carapuça”, “Faz O Certo” e “Boca Da Caboca”.

O trabalho do grupo é bem diversificado e interessante. Na canção “Serpenteia”, há ecos da cantoria de Elomar, Vital Farias, Geraldo Azevedo e Xangai, mas dentro de uma temática totalmente amazônica. E o texto declamado em cima da música, lembra Chico Buarque em “Fado Tropical”. A canção “Boca Da Caboca” começa como um rock setentista, tipo Creedence Clearwater Revival, mas, de repente, evolui para uma marchinha de carnaval e, de repente, volta pra pegada inicial. A canção “O Boto” é genial, não só porque reinterpreta a conhecida lenda amazônica, mas porque dá um recado direto sobre essa praga chamada assédio sexual infantil. A canção “Chuveiro Natural” é o típico rock brasileiro dos anos 80, com uma quase levada pro reggae. Pense em Paralamas do Sucesso. Caberia tranquilamente no repertório deles.

Em menos de dois anos de atividades Os Tucumanus já haviam se apresentado nas principais casas de shows musicais da cidade e foram selecionados para o projeto “Segundas no Palco”, da Secretaria de Cultura de Estado do Amazonas, o que levou o grupo a se apresentar no palco do Teatro Amazonas e a gravar a música “A Boca Da Caboca”, na coletânea do projeto, em 2007. No mesmo ano, a banda conseguiu divulgar suas músicas para outras cidades e realizou shows no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista, e nas cidades de São Bernardo do Campo e em Ribeirão Preto.

Em 2008, na melhor fase da banda, o grupo entrou em recesso por motivos pessoais, para logo se desfazer com o afastamento voluntário de Maurício Pardo e a partida do baixista Daniel Valentim, que foi morar em Juiz de Fora (MG). Dois anos depois, incentivados por amigos, fãs da banda e também pela vontade de voltar aos palcos, Denilson Novo, Clóvis Rodrigues e Maurício Pardo decidem pelo retorno da banda e Os Tucumanus ressurgem no cenário musical amazonense com nova formação e a ideia de trabalhar novas composições para o registro de um novo CD. Fazem parte do novo arranjo o baixista Lucas Grana e o baterista Omar Guedes. A primeira apresentação da banda com a nova formação acontece no dia 6 de novembro de 2010, no Espaço Sustentável da Casa Cor, um evento nacional que estava realizando uma edição em Manaus.

Em 2011, conquistam o primeiro lugar no Festival Canção da Mata, promovido pelo SESC-AM. No ano seguinte, são convidados para participar do Festival de Música da Cidade Canção (FEMUCIC), na cidade de Maringá́ (PR). No mesmo ano, se transformam na única banda amazonense a se apresentar na maior festa do Brasil no exterior, o “Brazilian Day”, em Nova York, no EUA. De volta à taba, participam de projetos de incentivo e valorização da cultura amazonense, como o Movimento Cultural do Pirão, criado pelo grupo no final de 2013.

Em agosto de 2016, o jornal britânico The Guardian citou Os Tucumanus em uma série musical sobre o Brasil. O jornal Diário do Amazonas detalhou a presepada:

“Com foco na música brasileira, a série Brasil Music Exchange, do The Guardian Music Podcast, iniciativa do jornal britânico homônimo, reservou uma surpresa à banda amazonense Os Tucumanus, logo em seu segundo episódio. A música Churrasco de Gato está entre as 12 faixas selecionadas, ao lado de canções como Mundo Loco, de Karol Conká, Maná, de Rodrigo Amarante, e Estive, do Vanguart.”

“Foi totalmente inusitado. Acordei, hoje, com a mensagem de um amigo gaúcho, que mora em São Paulo, me noticiando o fato. Foi ele quem viu, pois está acompanhando essa série do The Guardian e se animou por lá com a presença d’Os Tucumanus já na segunda edição”, comentou o guitarrista do grupo, Denilson Novo, que, até o fim da tarde desta quarta-feira, 10, sequer tinha conseguido ouvir todo o programa.

“O dia está bastante agitado e ainda não consegui parar para ouvir com calma, mas o pouco que ouvi gostei muito. Karol Conká, Rodrigo Amarante, O Quadro, sons massa que curto”, comentou, exaltando o fato de o grupo amazonense estar presente na lista.

Disponível na web, o podcast descreve este segundo episódio como uma mostra da “riqueza musical do País”. “Durante uma hora, você pode mergulhar totalmente em todas as coisas brasileiras e, talvez, descobrir a sua nova banda favorita”, anuncia o texto de apresentação do programa.

O G1 AM também repercutiu a história:

“Depois de passar pelo Brazilian Day, evento de música realizado em Nova Iorque, a banda amazonense Os Tucumanus esteve novamente nas paradas internacionais. Na manhã desta quarta-feira (10), o jornal britânico The Guardian citou a banda em uma lista de músicas brasileiras publicada em um podcast semanal.

“Artistas no Brasil têm uma arma secreta – a herança incrível de um país que é um gigante musical genuíno, disse o The Guardian na segunda edição da série musical Brasil Music Exchange, que em forma de podcast, indica sequência de músicas brasileiras de norte ao sul do país.

Ao G1, o guitarrista da banda Denilson Novo contou como ficou sabendo da citação. “Foi totalmente surpresa quem me avisou foi um amigo gaúcho que me mandou uma mensagem e eu fui ver e tomar conhecimento da história”, contou.

Completando 10 anos de estrada esse ano, Os Tucumanus já passaram por Nova York em 2012, e se apresentaram no Brazilian Day. E apesar de já percorrerem parte do Brasil com shows, o integrante destaca importância da citação no jornal.

“Entrou como um presente pra gente, trouxe um ânimo. É muito significativo porque a gente sabe o alcance que o jornal tem e a gente vê que tem gente que pesquisa coisa diferente, isso pra gente é especial demais”, contou Denilson. A lista de 12 músicas inclui o sucesso da banda Churrasco de Gato, que divide os holofotes com canções da rapper Karol Conká, do Los Hermanos Rodrigo Amarante e da banda indie Vanguart.

Segundo Novo, ser citado em um jornal internacional é impulso para descobertas de novos talentos da região Norte do país. “Eu acho que o Norte, como um todo, tem grandes talentos, artistas e obras a serem descobertas e qualquer um que se dedique a pesquisar vai encontrar muita coisa boa. Eu acredito que é um processo que só tende a se intensificar a internet, que é um meio de novas possibilidades de propagar essas regionalidades que antes eram muito restritas”, afirmou em entrevista.

Em 2018, a banda Os Tucumanus deu uma nova parada estratégica, mas dessa vez por uma causa nobre: o guitarrista Denilson Novo foi escolhido para ser o novo Secretário Estadual de Cultura durante o mandato-tampão de um ano do governador Amazonino Mendes. O guitarrista iria substituir o lendário escritor Robério Braga, que estava à frente da secretaria desde 1995. Ele fez um bom trabalho durante sua gestão, tentando democratizar ao máximo o acesso às verbas públicas para todos os segmentos culturais do Estado, mas o governador perdeu a reeleição e Denilson Novo, o cargo. Na sequência, veio a pandemia do covid-19.

Em 2021, entretanto, Os Tucumanus subiram mais uma vez no palco do Teatro Amazonas para uma apresentação especial. Desta vez, com o show “Baile de 15 anos”, que marcava o aniversário do grupo. A entrada era gratuita, mediante agendamento pelo Portal da Cultura (cultura.am.gov.br) e apresentação da carteira de vacinação contra a covid-19.

Além de celebrar a data, o evento, que tinha o apoio da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, também buscava promover um registro da história do grupo, assim como movimentar o cenário de produtores e técnicos parceiros da banda, que ficara economicamente abalado por conta da crise de saúde que paralisou as produções artísticas e culturais em todo o mundo. O show também marcava o retorno formação completa da Tucumanus.

– As composições não pararam. Mas a vontade de poder apresentá-las ao público está fazendo vibrar nossas melhores energias para esse show – comentou Clovis Rodrigues, vocalista e fundador da banda.

– Estamos com sede e saudade de nos apresentarmos juntos em um mesmo palco. Poder realizar esse reencontro em um lugar e momento tão especial para todos nós vai ser, sem dúvida, mais um capítulo memorável da nossa história – pontuou Denilson Novo.

E o espetáculo foi mesmo arrasador. Longa vida ao grupo Os Tucumanus porque eles fazem por merecer.

Só para constar: em paralelo ao projeto Tucumanus, Clóvis Rodrigues (vocalista), Denilson Novo (guitarrista) e Matheus Simões (baterista) se juntaram no Trio Telengo Tengo, que apresenta um setlist composto por músicas de Jorge Benjor, Belchior, Gonzaguinha, Djavan, Chico Buarque e clássicos da banda Tucumanus em formato acústico.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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