Por Palmério Dória
A solução para todos os meus problemas estava a duas quadras de casa, nas curvas fabulosas de Eneida, tia da própria Sílvia. Se eu soubesse quem era Virgílio na época, lhe teria feito uma pilha de poemas em louvor. Como não sabia, atacava de poesia concreta no banheiro.
Diga-se de passagem, meu irmão comungava do mesmo fascínio e partia para o mesmo tipo de experiência hidráulica, em horários diferentes, naturalmente. Nada como uma família unida.
Fazia de tudo para subir a O’ de Almeida na mesma hora em que Eneida ia para o trabalho. O lance da Sílvia me deu abertura para uma vez ou outra emparelhar e levar um papo.
Ganhar uma parada dessas não era nem sequer uma hipótese, ainda mais de uniforme escolar. Uma lady daquelas, de alta fidúcia, cortejada nos melhores salões da cidade…
Gentil e educada, me deixava nas alturas. Numa dessas caminhadas, na esquina com a avenida Presidente Vargas, em frente ao edifício Palácio do Rádio, me perguntou direto o que eu ia fazer naquela noite.
Sacando que eu não ia desembuchar, com aquela cara de sonso contemplando a esfinge, deu a hora e o local – uma das raras “casas de cômodos” que havia na cidade, perto dali.
Ela tinha boas razões para ser discreta – pensei –, não queria ser vista com um pixote, pois sempre estava ao lado de homens feitos, de carro e tudo.
Aí veio a real. Era a primeira mulher que eu encarava pra valer. Nunca tinha gozado dentro. Até ali, tudo foi treino. E treino é treino, jogo é jogo. Já pensou não dar conta do recado? Corno e broxa!
Bem, eu estava na porta do motel, simulando naturalidade, quando Eneida chegou de tomara-que-caia, num vestido grudado às carnes como uma segunda pele, transbordando de boa.
Na recepção tirou da bolsa o dinheiro, pagou adiantado e fomos para o quarto. Ligado o ventilador, notando que eu não parava de suar (frio), propôs uma chuveirada. Isso realmente me acalmou.
Na hora da cama, e sozinho, lá dentro, imitei um daqueles saltos do Pelé a cada gol – um número que o craque fazia especialmente para o amigo Francisco Torturra, câmera do Canal 100.
Infelizmente, Eneida era apenas um sonho de uma noite de verão.
A regra era clara: menina direita não fode nem sai de cima. E voltei à programação normal. Como tomei gosto pela coisa, passei a participar de renhidas batalhas, a preços módicos, nas ruas Riachuelo e General Gurjão, duas travessas da avenida Presidente Vargas.
A primeira incursão, na noite de Natal, quando tomei o primeiro porre, foi um desastre anunciado. Quando saímos, em caravana cívica, para a zona do meretrício, minha mãe advertiu:
– Boa romaria faz quem na sua casa fica em paz.
Acho que eu era o mais bêbado e o mais novo do grupo. Num dos casarões, em vez do esperado afrodisíaco visual, gordas enroladas em toalhas, em fim de expediente.
Alguns tiraram uma gracinha com elas, que prontamente quebraram umas garrafas de cerveja e saíram atrás deles, que embarafustaram corredor afora.
Chumbado, meio pau, meio tijolo, fiquei dando sopa no corredor, e elas partiram pra cima de mim, buscando a minha jugular com os cacos. Conseguiram o pescoço. Até hoje tenho as marcas.
Coberto de sangue, encontrei o grupo no meio da Riachuelo. Enquanto uns me levaram ao pronto-socorro, outros invadiram o prostíbulo, onde um inspetor de polícia deu um chute no saco do meu irmão e quase também o mandava pro beleléu.
O que o fez lembrar a máxima do filósofo grego Araniz: “Mulher reclama de cólica porque nunca levou um chute no saco”. Mesmo assim, voltei ao local dos crimes inúmeras vezes.
As prostitutas que ali prestavam serviço eram alvo das catilinárias de dom Alberto Gaudêncio Ramos, arcebispo de Belém.
Do púlpito, convocava a população para uma cruzada: “Vamos extirpar esse câncer em pleno centro de nossa amada cidade!”
Faz tempo que o arcebispo foi despachado para o inferno. Mas as meninas, mesmo rarefeitas, continuam lá, dando consultas, resistindo.
Havia uma alternativa ecológica. Transar com as meninas mais dadas no balanço das ondas do Mosqueiro e do Outeiro.
Morro de rir quando esses caras falam em gloriosas trepadas nas águas gélidas da costa do Rio e São Paulo. Você pode dar uma rapidinha nelas, e nada mais.
No Mosqueiro e no Outeiro, não: as águas são tépidas, se transformam em Maracanãs do Sexo. Você anda pela areia e fica vendo o pessoal transando dentro da água.
Então, o acesso era um pouco complicado. No Outeiro, mais popular, você podia chegar de carro e pegar uma balsa. Feita a travessia, era correr pro abraço.
O Mosqueiro era o programão das férias de julho. Chegava-se lá num belo navio, o Presidente Vargas, hoje no fundo do rio Pará. A própria viagem, de umas duas horas, já era uma aventura.
Ao contrário do Outeiro, rústico e selvagem, Mosqueiro era uma vila muito descolada, cheia de praias formosas, cada qual num estilo – Farol, Chapéu Virado, Murubira, Ariramba, território das Bisi –, onde o creme do creme tinha casa.
Mas, para mim, em qualquer uma delas o barato era caboquear, sair atrás de uma pipira, rebocar pra dentro da água e, na medida do possível, transar. Quando você estava no melhor, algum cretino gritava:
– Mãos ao alto!
O circuito das águas também incluía aquilo que considero o requinte das orgias tropicais, um programa que chamávamos de baque. Rolava em volta das águas frias de piscinas formadas por uma pequena represa no igarapé.
Como se sabe, as mulheres dão uma goleada demográfica nos homens lá em Belém. Nesses baques, era muito comum a proporção de três pra um, sem contar vantagem. E alguns davam três sem tirar, mas também sem pôr.
Nessa modalidade, só chegava a uma etapa superior de sacanalogia quem frequentava as intimidades das damas nas chamadas pensões da rua 1° de Março, sobrados com azulejos portugueses na fachada, todos com uma atmosfera muito doméstica.
A cafetina fazia sala para a gente. Na vitrola, um Noite Ilustrada, um Lucho Gatica, um Bienvenido Granda. E as garotas, que moravam ali mesmo, iam aparecendo naturalmente. E naturalmente acabávamos no quarto.
Quando já éramos íntimos, tínhamos a liberdade de tomar banho de cuia com elas no fundo da pensão. Até chegar nesse estágio, muita água rolou debaixo da ponte desse rio.
Como eu ia dizendo, sexo com as namoradas era uma impossibilidade. Sabíamos de um ou outro cara que comia a namorada, mas a exceção apenas confirmava a regra.
Um dos casos mais conhecidos era o do hoje ator Paulinho Leite, que transava com Marluce Silva, uma versão paraense de Gisele Bündchen, ali por volta dos 15 anos.
Ele fazia parte dos Black Nights, a turma de playboys da cidade, e era membro ativo da Esquadrilha da Fumaça. O pai do avião, portuga dos bravos, não pensou duas vezes em deportá-la para Lisboa quando viu a coisa séria. Imagine se soubesse que ela já não era moça!
Os bailes davam uma boa chance para o roça-roça-na-roça. Antes dos primeiros acordes do conjunto, os mais precavidos iam ao banheiro e, depois de deixar o hi-fi ou a cuba-libre num lugar seguro, ajeitavam o pau na posição que melhor lhes convinha.
Então iam tirar as meninas nas mesas espalhadas em volta do imenso salão, geralmente em companhia de toda a família. Uma inquietação assaltava todo mundo: e se ela desse pau-na-testa, não quisesse dançar? Shame!
No salão, se a garota deixava você trazer a mão dela ao seu peito, era sinal de que você podia chegar mais lá embaixo.
Se ela mesma fosse direto ao ponto, perigava ser da gloriosa classe das galinhas.