Boca do Inferno

Gilbert Shelton, o verdadeiro Freak Brother

Gilbert Shelton com a esposa e agente literária Lora Fountain
Postado por Simão Pessoa

Por Dagomir Marquezi

O underground americano está ligado demais ao nome de Robert Crumb, seu gato Fritz. Mr. Natural, a capa de Janis Joplin… E, no entanto, houve alguém tão grande quanto Crumb: Gilbert Shelton, atualmente com 83 anos e que começou a ser publicado no Brasil pela revista Grilo.

Nascido no dia 31 de maio de 1940, em Houston, Texas, Shelton publicou os primeiros desenhos profissionais em 1961, com uma série chamada “Wonder Wart-hog”, escrita por Bill Kileen. Era uma sátira direta à burrice e violência dos super-heróis (que iniciaram logo depois seu renascimento, com Stan Lee e os estúdios Marvel).

Wonder, como Super-Homem, tinha um jornalista chamado Philbert Desanex por identidade secreta. Sempre que tinha um banheiro (de homens) vago, Philbert transformava-se num imenso super-herói mascarado, com a cara de um porco-selvagem e o piupiu de um sagui.

Mas foi em pleno 1968 que surgiu a série que faria a fama de Gilbert Shelton, os “Fabulous Furry Freak Brothers”. Três amigos vivendo em pardieiros de Los Angeles, sempre de estômago vazio e cabeça feita. “Enquanto Wonder Wart-hog refletia valores do passado, os Freaks eram personagens contemporâneos, entretendo leitores contemporâneos, com um humor contemporâneo”, escreveu Joe Broneatelli na “World Encyclopedia of Comics”.

Nenhuma série refletiu com tanta riqueza a louca passagem da década de 60 para 70. Shelton realizava crônicas em forma de aventuras alucinadas e muito engraçadas: as formas de se esconder as coisas da polícia, a fome depois do fumo, a dificuldade para se entrar num festival de rock de graça, as garotas na Kombi para uma orgiazinha na praia.

Shelton, antes de tudo, é um grande roteirista. Tem uma capacidade enorme de coordenar texto com imagens, geralmente simples e muito eficazes.

Freewheeelin’ Franklin era o mais invocado, Fat Freddy, o gordo insaciável e Phineas o mais intelectual, político e frágil. No fundo, os Três Patetas, com outro tipo de problema: como entrar na Disneylândia embalados por três baseadões?

As histórias de Shelton escapam o máximo da panfletagem, mas nunca deixam de ser anti-establishment por excelência, desferindo pesadas críticas políticas, à sua maneira.

Phineas, por exemplo, sonha que lhe acontece o pior: arranja um emprego. Faz de tudo para não passar no teste: veste sua pior roupa, diz que não trabalha há dez anos, que não tem problemas com álcool (“Posso tomar 36 latas de cerveja sem arrotar”) e ainda pede fogo para acender uma baganinha. Tudo inútil. “Vejo que é um homem honesto”, afirma o cavalheiro que o entrevista. “Tome a cartola. O emprego é seu: presidente dos Estados Unidos!”

Paralelo às aventuras dos Freaks, corriam as histórias do gato de Fat Freddy, que adorava perseguir baratas. Um dia, apanhou de uma barata texana (que ainda deixou uma ratazana prenha num buraco da parede). Fat Freddy sempre se esquecia de alimentar seu gato, o que provocava pequenas vinganças como uma cagadinha no headphone.

Havia ainda sátiras às séries mais caretas da HQ americana. Little Anne Fanny virou Little Orphan Amphetamine, numa página que começava com uma citação de Mao Tsé-tung sobre a autodeterminação das mulheres.

Na verdade, os Freaks eram brothers só na convivência. Em 1971, cada um partiu para uma visita a seus pais em vários pontos do país. Phineas descobriu que seu pai estava filiado à ultradireitista John Birch Society, em Houston, Texas. Fat Freddy é amparado por uma bela garota em Cleveland, com quem chega a farrear numa banheira. É sua irmã, muito mudada depois daqueles anos todos. Freewheelin’ Franklin descobre em San Francisco que não deve se envergonhar de ser chamado de son-of-a-bitch de vez em quando.

Gilbert Shelton fez dos Freaks Brothers o mais completo panorama da contracultura da Costa Oeste americana. Tudo movido a drogas, seus momentos sublimes e suas bad trips. Em “Uma odisseia no México” eles se envolvem sem querer no tráfico de heroína e passam por horrores nas prisões cucarachas, numa trama muito parecida com a mostrada depois em “O expresso da meia-noite”.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

Leave a Comment