Por Rafael Galvão
Como era de se esperar, estou ouvindo o último disco dos Stones sem parar. Já vinha fazendo isso com as primeiras faixas liberadas semanas atrás, Angry e Sweet Sounds of Heaven, mas agora vem o pacote completo, a medida que velhos da era do LP usam para medir o mundo, mesmo os metidos a moderninhos de MP3 como eu.
Se tivesse escrito este texto mais cedo, eu diria que esse é o melhor álbum do ano. Agora que as fichas das canções começam a cair, e uma ou outra me soam mais fracas — Dreamy Skies parece refugo do Some Girls, Whole Wide World é um pop dos anos 80 de mediocridade espantosa —, me sinto mais modesto: é o melhor álbum dos Stones em pelo menos 40 anos, descontando o Blue & Lonesome de 2016 e no mesmo nível do Voodoo Lounge, de 94.
Mas mesmo isso tem que levar o tempo em consideração.
Porque se você não for um fã dos Stones, se você conseguiu superá-los e seguir adiante, se não considera que a música pop está atolada numa lagoa escura e turva há muito tempo, você vai ter razão ao dizer que o disco traz mais do mesmo, o mesmo velho som, a mesma estrutura, e Sweet Sounds of Heaven — que conta com uma participação brilhante de Lady Gaga nos vocais — tem algo de Salt of the Earth, é a mesma tradição da baladona grandiloquente com que Jagger gosta de fechar seus discos, e por aí vai. Aos primeiros acordes, a gente já sabe que é um disco dos Stones.
Mas também levando o tempo em consideração, é espantosa a energia e a força da maior parte deste disco. E não importa a artrite do velho e bom Keith, não importa se o velho e bom Jagger corre o risco de precisar de uma prótese de quadril depois de uma rebolada mais forte daquela bunda seca: o que você tem aqui é a alegria e a vitalidade do velho e bom rock and roll, e a banda soa fresca como soava 50 anos atrás. E justamente por causa destes tempos sombrios, essa música familiar e bem-feita soa mais fresca que virtualmente tudo o que possa ser lançado este ano, porque esta é uma grande banda de rock, uma das maiores da história, e nunca mais vai haver alguma que alcance o seu tamanho.
Há mudanças sutis, mas perceptíveis, no som dos Stones. A bateria de Steve Jordan é mais seca e mais pesada que a do velho e bom e finado Charlie Watts, recorre menos aos hi-hats, e isso acaba dando à banda uma força e uma atualidade que não se via, por exemplo, em pastiches vergonhosos como A Bigger Bang, seu último álbum de inéditas lançado 18 anos atrás.
É fácil esquecer que a cozinha dos Stones foi totalmente renovada nos últimos anos: Darryl Jones no baixo, e agora Jordan, deram mais swing e mais sustentação às guitarras de Richards e Wood (compare as outras gravações com Live by the Sword, a única e última faixa gravada pela formação clássica da banda, com Wyman e Watts). Os Stones de Hackney Diamonds não soam simplesmente como os Stones: soam como os Stones deveriam soar em 2023.
E, quase numa nota de rodapé, é uma delícia ouvir o baixo com fuzz de McCartney em Bite My Head Off: um lembrete, mais um, de que o velho e bom Macca é um excelente baixista de rock, sabendo sempre o que tocar para enriquecer uma música. Se você não sabe que é ele tocando, pode visualizar facilmente um menino de uma banda punk em sua primeira turnê. Ou pensar que ele tocou desde sempre com os Stones.
Quer saber? É mais do mesmo, é verdade. Ainda bem que é mais do mesmo.