Boca do Inferno

Onde os fracos não têm vez ou Um dedinho de prosa sobre saúde pública

Postado por Simão Pessoa

Por Xico Sá

O que é um dedinho de prosa com o seu urologista diante do risco mortal de um câncer, amigo? Relaxa. Você acha que esse simples gesto do exame de toque pode abalar a sua sexualidade, macho? Desculpa aí, que homem é este que não se garante diante de um delicado e indolor cuidado médico? Que fraqueza desses meus semelhantes, que papelão, mais parecem dublês de Maçarandubas — para lembrar o machão caricato do programa “Casseta & Planeta”.

Relaxa, homem de Deus, fiz vários exames de próstata (conto aqui nos dedos), e confesso: não lhe tira pedaços, você seguirá sendo o mesmíssimo de sempre, nada vai mexer com o seu “eu profundo e os outros eus”, como brincaria um destemido Fernando Pessoa. Calma, meu velho, não mude de assunto, não tergiverse, sei que o mundo está em guerra, sei que São Paulo está no escuro, mas esse assunto também é muito sério.

Não fuja para a treta das redes sociais. Deixa de ser covarde, meu rapaz, o câncer de próstata é o segundo que mais mata a gente. Só perde, nesse fúnebre campeonato, para o câncer de pulmão, amizades. Vamos seguir os conselhos do chapa Antônio Fagundes, que estreou uma campanha linda esta semana para ajudar a macharada a perder esse medinho mortal tão idiota.

Nunca um artista foi tão direto e reto: “Novembro está chegando e com ele a campanha de novembro azul. A pergunta que fica é: quando você vai liberar esse cu aí?”, indaga o ator de “Labirinto” e “Por amor”, entre tantas novelas de sucesso na Tv Globo. O vídeo genial foi feito pela turma do Porta dos Fundos, óbvio.

A cada 38 minutos morre um homem com esse tipo de doença no Brasil, “macho-réi” — como nos tratamos em bom cearenses ou cearês. Por isso, amigo, o Fagundes não passa pano, vai direto ao fiofó da assombrada criatura: “Colocar o cu pra jogo é a melhor forma de se prevenir dessa doença”. Perfeito.

Nos jornais e portais por aí, o valioso e rimável monossílabo masculino aparece escrito assim, ó: c*. Assim mesmo, solene e envergonhado, sob a proteção de um moralista medroso asterisco. No ICL Notícias, o digníssimo surge de forma explícita e pedagógica, afinal de contas o falso-moralismo só desencoraja o sujeito.

Curiosidade, para deixar você mais relax, antes de pegar o telefone e marcar essa consulta no urologista preferido: o ânus tem cerca de 400 apelidos na língua portuguesa falada no Brasil, incluindo butico e furico citados no vídeo. Quantos você se recorda? O “Dicionário do Palavrão”, livro do mestre pernambucano Mário Souto Maior, pode ajudá-lo nessa busca folclórica que o Google nem sempre resolve a contento.

Coragem, rapaz, coragem, dos 45 do primeiro tempo em diante é recomendável o exame, mas é melhor consultar o seu médico sobre a hora necessária. Seja homem. Incrível o quanto somos frouxos em relação às mulheres em matéria de cuidados com a saúde — e olhe que nem careço fazer a clássica comparação com a dor do parto.

Põe esse fiofó pra jogo, segue o Fagundes. Esse campeonato, meu prezado, não é de pontos corridos. É mata-mata. Se oriente, rapaz!, não passe a vida inteira morando naquela velha piada homofóbica de boteco.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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