Boca do Inferno

Relembrando o horror de 33 homens

Postado por Simão Pessoa

Por Maurício Angelo

Não faz tanto tempo assim, foi em 2016, numa comunidade da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Mas poderia ter acontecido ontem. Foi lá que 33 homens doparam, estupraram de todas as formas possíveis e mantiveram em cárcere privado uma menina de 16 anos. Não satisfeitos, precisaram exibir o horror nas redes sociais. Eu disse “33 homens”.

O choque que a notícia causa – porque precisa ser chocante, diante da magnitude de absurdos em que estamos imersos, bombardeados a cada segundo de informações, imagens e coisas por todos os lados – dá lugar a uma infinidade de significados.

Ver a mídia e várias figuras relativizarem o ocorrido não surpreende. O estupro sempre foi a barbárie socialmente aceita. A barbárie institucionalizada. E a barbárie que fingimos não ver porque fala muito mais sobre nós do que gostamos de admitir.

E aí precisamos falar da participação da mídia nos episódios diários de violência e abuso. Precisamos falar sobre a espetacularização da barbárie e da vaidade doentia na sociedade e nas redes sociais.

Os criminosos só postaram (vejam o acúmulo de absurdos contidos no fato) porque estavam certos da impunidade, porque agiam com normalidade diante do que fizeram e porque precisavam contar e se exibir. Exibir o troféu que a sua dominação criminosa, física e psicológica propiciou. Exibir para ganhar o aplauso de outros javalis.

Precisamos falar sobre a cultura de competição onipresente que o capitalismo provoca. Sobre a necessidade de se autoafirmar pela força, em ser “aprovado” pelos demais. Da busca incessante em ser o mais forte, o melhor, o maioral, não importa quais as circunstâncias para isso. Os clubes masculinos, em todas as suas instâncias, foram criados e estão aí para isso, desde que o mundo é mundo.

Precisamos falar sobre o aumento exponencial da pornografia hardcore, em que mulheres são submetidas às mais diversas formas de humilhação e violência física para delírio dos homens ao alcance de um clique. E do impacto que isso tem na nossa vida sexual.

Precisamos falar sobre a anuência do papai, dos tios e todas as figuras masculinas adultas quando o menino submete a empregada à sua iniciação sexual, uma forma de estupro enraizada na cultura brasileira.

Precisamos falar sobre os modelos que são exaltados, as figuras que dominam a política, os holofotes, as igrejas, as ruas, a internet, o abismo que está regurgitando na nossa cara o lixo que atiramos para dentro dele, fugindo da nossa responsabilidade. Como se diz, se homem engravidasse, o aborto seria feito no caixa eletrônico.

A cultura do estupro é milenar. A sua exaltação também. Episódios como esse servem para nos lembrar do quão atrasados estamos. Do quão é necessário um debate franco e permanente para mudar essa cultura de uma vez por todas, para evitar que dezenas de milhares de mulheres sejam violentadas, estupradas, agredidas, humilhadas e mortas todos os anos. No Brasil e no mundo.

Sobre o significado de cada ato de covardia e barbárie que nós, homens, praticamos no dia a dia. Eu não quero viver na canalhocracia.

Nós, todos nós, somos os mortos.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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