Por Mouzar Benedito
Era o início de outubro de 2016. Ouvi (sem me intrometer) uma conversa de dois casais, como não ouvia há muito tempo. Estavam num bar, na mesa ao lado da minha, e aparentavam menos de trinta anos de idade. Falavam alto. Mas não foi isso que me chamou a atenção.
Conversaram um pouquinho sobre o impeachment e eram a favor. Mas logo entraram no assunto que mais lhes interessava: um dos casais não estava tão muito ligado nessas coisas daqui, dizia que em breve, para a dupla, o Brasil seria uma mera lembrança (ruim) do passado. Haveriam de ir morar nos Estados Unidos, de qualquer maneira.
Então, mais importante do que qualquer coisa que acontecesse aqui, mais importante eram as eleições dos Estados Unidos. Hilary ou Trump vai vencer?
O casal gringófilo torcia levemente para Hilary Clinton, mas “entendia” as razões de Trump para propor um muro entre os Estados Unidos e o México. “Hispânicos”, segundo diziam, eram um problema nos Estados Unidos. Brasileiros, em parte, também.
Mas eles, “bem formados”, pretenciosos, se integrariam perfeitamente à sociedade “americana” (só os naturais dos Estados Unidos são “americanos”, né?), com Trump ou com Hilary. Talvez com Trump teriam um pouco mais de dificuldades, mas “venceriam”. “Somos vencedores”, se autoproclamam pessoas assim.
Eram duas pessoas daquelas que acreditam que tudo que é brasileiro não presta e tudo “do primeiro mundo” é bom. Que sonham com um dia em que os gringos tomarão conta do Brasil. Viraremos um grande Porto Rico? Bom, aí talvez não gostem: em Porto Rico pelo menos falam espanhol. A Barra da Tijuca, no Rio, é “melhor”, os nomes das lojas são quase todos em inglês, e. tem até uma réplica da Estátua da Liberdade.
Em São Paulo, acho que não há um lugar equivalente, mas gente com vocação pra isso é que não falta. Como esse casal.
Lamentando que o nosso idioma seja o português, falam em inglês tudo o que podem, mesmo que haja expressões equivalentes em português. Aliás, muitos desse tipo falam pessimamente (e escrevem pior) o português, mas fazem questão de falar o inglês certinho, com sotaque dos Estados Unidos, claro. Com certeza vão achar um monte de erros de versão neste meu texto.
Como ao citar o centro de Miami falavam em “Down Town”, acho que para eles e assemelhados é uma tristeza morar na Casa Verde, Bela Vista, Capela do Socorro ou mesmo nos Jardins, quando poderiam “estar morando” em Green House, Nice Village, Help’s Chapel ou Gardens, não é? Não falaram isso, mas fiquei imaginando na hora.
Quem sabe, um dia isso aqui mude como eles querem (aí daria para morar aqui?) e os bairros de São Paulo (Saint Paul) passem a ter nomes mais “apropriados”. Além desses que já citei, listo alguns deles. Gozação, claro, mas é preciso explicar porque há cada vez mais pessoas incapazes de entender ironias. Enfim, vamos “viajar” um pouco pela São Paulo (e do Brasil) do sonho dessa gente.
Pinheiros, aposto que gostariam que fosse Pine Trees. De agora em diante, vou colocar só os nomes dos bairros e o que gostariam que fosse, em seguida:
Consolação – Consolation
Paraíso – Paradise
Lapa – Cave
Alto da Lapa – Cave’s High
Vila Penteado – Hairstyle Village
Penha – Clife
Freguesia do Ó – Parish of O
Campo Limpo – Clean Field ou Clean Camp
Campo Belo – Beautiful Field
Horto Florestal – Forest Allorment
Vila Formosa – Beautiful Village
Quarta Parada – Fourth Break
Perus – Turkeys
Carrão – Big Car
Veleiros – Sailingt Boats
Chácara Flora – Smallholding Flora
Cantareira – Pitcher Manufacturer
Cachoeirinha – Litte Fall
Limão – Lemon
Liberdade – Freedom
Luz – Light
Bom Retiro – Good Retreat
Vila Prudente – Prudent Village
Perdizes – Partriges
Barra Funda – Sling Bar
Água Rasa – Shallow Water
Água Branca – White Water
Ponte Rasa – Shallow Bridge
Aclimação – Acclimatization
Saúde – Health
Chora Menino – Crying Boy
Ribeirão Pires não é um bairro, é uma cidade da região metropolitana. Mas que gringalizem também: Saucer Stream.
Ah, se acham ruim que o português seja o idioma falado aqui, enriquecido por muitas palavras de origem indígena, o que dirão dos nomes tupis de muitos bairros? Devem ficar horrorizados, não é? Língua de índio! Então, listei alguns nomes de bairros e de rios que cortam a cidade e são referência aqui, seu significado em português e os nomes que gostariam que fossem:
Tatuapé (caminho de tatu) – Armadillo Path
Butantã (terra duríssima) – Grownd Very Flinty
Jabaquara (refúgio dos fugitivos) – Refuge for Fugitives
Tucuruvi (gafanhoto verde) – Green Grasshopper
Jaguaré (o cheiro da onça, ou onça fedida) – Jaguar Smell, ou Jaguar Stinky
Itaim (pedrinha) – Little Rock
Grajaú (indivíduo comilão) – Gobbler
Ibirapuera (árvore velha) – Old Tree (ou árvore podre: Rotten Tree)
Sapopemba (raiz esquinada, faceada, angulosa) – Angular Root
Pirituba (juncal) – Reed
Pari (covo) – palavra que não tem tradução para o inglês, mas como é uma armadilha para peixe, pode receber o nome de Trapp for Fish, ou Fish’s Trapp
Tremembé (brejo, alagadiço) – Marshy
Morumbi (colina verde) – Green Hill
Guarapiranga (garça vermelha) – Red Heron
Carandiru (cesto de palmeira) – Palm Tree’s Basket
Itaquera (pedreira velha) – Old Quarry – e neste caso, o “Itaquerão”, estádio do Corinthians, ficaria sendo Big Old Quarry, não é?
Ipiranga (rio vermelho) – Red River
Anhangabaú pode ser bebedouro das diabruras (Trough of Devilry) ou bebedouro do veado – Drinking Foutain of Deer
Mooca (faz casa) – Make House
Iguatemi (rio sinuoso) – Wave River
Pacaembu (riacho das pacas) – Paca’s Stream
Tietê (rio verdadeiro, rio de verdade) – Real River
Tamanduateí (muitos tamanduás) – Many Anteaters
Há duas interpretações para o significado do nome do bairro de Cangaíba. Uma é que vem de caa angaíba (mato minguado, mato ralo), que os gringófilos podem traduzir como Wees Sparce. Outra é que vem de (a)canga iba (cabeça ruim, louco), e nesse caso a tradução seria Poor Head, ou simplesmente Crazy.
Bom, vamos lembrar também que há muitas cidades do estado de São Paulo com nomes indígenas. Será preciso mudar os nomes delas. Por exemplo:
Poá (mão aberta) – Open Hand
Guaratinguetá (muitas garças brancas) – Many White Herons
Pindamonhangaba (onde os homens fazem anzol, fábrica de anzol) – Hook Factory
Taubaté (aldeia grande) – Large Village
Itu (salto, cachoeira) – Fall ou Waterlfall
Sorocaba (o lugar da voçoroca, quer dizer, da terra rasgada) – Place The Gully
Piracicaba (colheita de peixe) – Fish Harvesting
Ubatuba (muitas canoas) – Many Canoes
Bauru (cesto de frutas) – Fruit Basket
Guarujá (viveiro dos guarus e guaru é “peixe comilão”, barrigudinho) – Farmed Fish Glutton
Guarulhos – (guaru, em tupi, com o sufixo “lhos”, do português, é o nome que os colonizadores davam a índios barrigudinhos que havia ali, achando que eram “comilões”) – Gluttons
Embu das Artes (embu, vem de mboy, cobra) – Snake of Arts
E mais: um dia, quem sabe, pessoas como esse casal venham aqui, cheios de dólares, e vão querer viajar um pouco pelo resto da “colônia”, cidades praianas, históricas, turísticas, religiosas…
Aparecida – Appeared
Pirapora do Bom Jesus (pirapora, em tupi, é lugar com muitos peixes, piscoso) – Fishfull of Good Jesus
Curitiba (pinheiral) – Pine Forest
Londrina – Londoner
Camboriú (rio dos robalos, em tupi) – Sea Bass River
Gramado – Lawn
Boa Esperança – Good Hope
Belo Horizonte – Beautiful Horizon
Uberaba (rio brilhante) – Bright River
Juiz de Fora – Out’s Judge
Poços de Caldas – Wells of Grout
Ouro Preto – Black Gold
Tiradentes – Extracts Teeth
Passa Quatro – Spends Four
Campos do Jordão – Jordan Fields
Campinas – Meadows
Santos – Saints
Ribeirão Preto – Black Stream
Parati (uma das versões para seu significado é “água das tainhas”) – Mullet’s Water
Angra dos Reis – King’s Bay
Cabo Frio – Cold Cape
Porto Alegre – Joyful Port
Rio de Janeiro – January River
Salvador – Savior
Fortaleza – Fortress
Recife – Reef
João Pessoa – Person John
Porto Seguro – Safe Port ou Safe Harbour
Praia Grande – Long Beach
Porto de Galinhas – Port of Chickens
Canoa Quebrada – Broken Canoe
Foz do Iguaçu (iguaçu é rio grande em tupi) – Great River Stuary
Mas lembro que para essas mudanças todas é preciso um projeto político “adequado”. um “projeto de incorporação”, uma integração, ou melhor, anexação. O Brasil dos sonhos gringófilos é possível. Em alguns momentos chegou a parecer que não, mas está voltando a ser. O caminho está aberto.
Governe-se como eles querem, ou melhor, como as empresas deles querem. Que se entregue tudo a elas, progressivamente: campos de petróleo, Petrobras, Banco do Brasil… E quem sabe o Trump ganha a eleição nos Estados Unidos e decida de vez pela anexação do quintal?
Aí, se não tiverem conseguido se fixar na Gringolândia, alegrem-se, comemorem se manifestando em frente à Fiesp, na avenida Paulista, tendo inflado lá aquele pato que dizem que pagavam e não querem mais pagar.
Pelo menos não precisarão de visto para entrar em terras da “pátria mãe”, ou melhor, “pátria madrasta”. Nem green card para morar lá.