Boca do Inferno

Três anos sem Aldir Blanc

Postado por Simão Pessoa

Por Eduardo Goldenberg

O vírus maldito da COVID-19 levou pra sempre, em 04 de maio de 2020, meu orixá Aldir Blanc. Sim, Aldir Blanc foi a maior das perdas. Acordei com a notícia já pipocando no celular.

O que todos temíamos, aconteceu: ele não resistiu aos revezes da contaminação pelo coronavírus. Partiu sem a despedida que merecia (mas que ele não desejava, um dia conto sobre isso).

Meu celular nunca mais tocou com seu nome piscando na tela. Aldir me ligava todos os dias, religiosamente todos os dias. E foi a perda que mais me doeu. Eu não perdi apenas um grande amigo. Eu perdi um sujeito que foi, ao longo de nossos mais de 25 anos de convívio, meu pai, meu irmão, meu filho, meu confidente, um de meus orixás vivos – como eu o chamava.

Se falávamos todos os dias, nos víamos muito raramente por conta de sua reclusão. Em compensação, nosso último encontro foi de não se esquecer. Aldir, quando soube que a Morena estava grávida, foi ao delírio – não há, aqui, nenhum exagero, Aldir explodiu de alegria com a notícia. E disse que queria porque queria abençoar a barriga que guardava Leonel. Em abril de 2018, no começo do mês, ele me disse:

– Venham aqui em casa no dia 27. Comemoramos teu aniversário e eu rezo a barriga da Flávia.

Assim fizemos.

Nada com Aldir era trivial. Eu julgava que o “eu rezo a barriga” era só um pretexto pro encontro. Que nada! Com a casa cheia – a mulher, as filhas, as netas e o bisneto – e com a mesa farta, ele pediu silêncio à certa altura, pôs a mão esquerda sobre a barriga da Morena e conversou com Leonel, comovendo a gente de forma aguda.

“Alô, Leonel! Aqui é o vovô Aldir abençoando essa barriga santa aqui… e dizendo, venha participar!… é uma loucura, Leonel, não te prometo muito, não… mas do jeito que a sua mãe é, seu pai, seus amigos que vão te encontrar… vai ser glorioso, tá?! E depois de você virão outros certamente… é que eu vivo rogando esse troço aqui em casa mas não aparece outro… mas vai vir, vai vir outro… depois de Leonel vai vir o Darcy Ribeiro, vai vir a turma toda! Um beijo!”

De lá pra cá (o maragatinho nasceu no dia 31 de maio), em muitas ocasiões ensaiamos um novo encontro, dessa vez pra ele conhecer Leonel, a quem ele chamava de neto.

Não rolou.

O que me consola são as mais de duas décadas de convívio com ele, o maior de todos, o tanto de histórias que vi, que ouvi, que vivi ao lado dele.

O que me consola é que tenho a cerimônia do batismo (ele dizia que tinha batizado Leonel dentro da barriga) gravada no celular.

O que me consola é saber que um dia vou mostrar o filme pro meu filho, contar pra ele sobre Aldir, fazer ele ler os tantos e-mails que Blanc me mandava perguntando de Leonel, pedindo fotos, vídeos, rasgando elogios pro moleque.

Por conta do horror da pandemia, Aldir foi cremado em cerimônia testemunhada apenas por sua mulher e suas filhas – nenhum amigo, nenhuma amiga, nenhuma nota de nenhum instrumento, sem o gurufim que seguramente marcaria sua despedida em tempos normais.

Ontem (escrevo em 05 de maio de 2023, e agora são 23:38h), portanto, foi o terceiro aniversário da morte desse monstro imortal que é (é, no presente!) Aldir Blanc.

E a Prefeitura do Rio de Janeiro, por iniciativa do prefeito Eduardo Paes, inaugurou, na Tijuca (na Muda, pra ser mais preciso), o Jardim Aldir Blanc.

Às 10 da manhã de ontem, uma quinta-feira, com a presença do prefeito, do deputado federal Chico Alencar (autor do projeto de lei que originou a iniciativa), do gigantesco Mello Menezes (artista plástico responsável pelo conjunto escultórico, talvez o maior e mais assíduo amigo do Aldir), de diversas autoridades e da família do compositor, vivemos, todos os presentes, a emoção que nos foi negada naquele maio de 2020.

Sabendo que Aldir não dispensava um trago de Jack Daniel´s, compareci ao evento portando um litro fechado do bourbon. E fiz minha oferenda, ofereci o ebó, dei os primeiros muitos goles a ele e depois, fiz questão, distribuí copinhos de uísque aos presentes (pouquíssima gente negou o gole) dizendo o que aprendi: beber da bebida que se oferece ao santo é trocar axé, é interagir e estar junto.

Foi uma manhã muito emocionante.

E à altura de Aldir.

Sobre o Autor

Simão Pessoa

nasceu em Manaus no dia 10 de maio de 1956, filho de Simão Monteiro Pessoa e Celeste da Silva Pessoa.
É Engenheiro Eletrônico formado pela UTAM (1977), com pós-graduação em Administração pela FGV-SP (1989).
Poeta, compositor e cronista.
Foi fundador e presidente do Sindicato de Escritores do Amazonas e do Coletivo Gens da Selva.

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